sábado, 16 de agosto de 2014

49 - EUA NO SÉCULO XIX


1. Os EUA: expansão e guerra civil

As raízes da ascensão dos EUA como a maior potência capitalista e industrial do mundo, no final do século XIX, estão ligadas a dois acontecimentos fundamentais em 1800-1865: a expansão territorial americana, que ampliou extraordinariamente o tamanho do país, e a guerra civil, que eliminou a escravidão.

1.1 A expansão territorial

 Na primeira metade do século XIX, os EUA triplicaram o seu território, que assumiu dimensões continentais. Esse rápido e gigantesco crescimento – chamado genericamente de “a conquista do Oeste” – forneceu aos EUA uma abundância de recursos naturais e terras agrícolas que nenhuma nação capitalista conseguiu obter (a Rússia possuía um território maior, mas era economicamente mais atrasada, e a Grã-Bretanha dominava um imenso império ultramarino, espalhado pelo mundo). A expansão ocorreu principalmente pela compra de territórios, em alguns casos em razão da pressão dos EUA. De uma maneira geral, os americanos foram bem-sucedidos nesse processo expansionista e só fracassaram na tentativa de tomar o Canadá do Império Britânico. Dificuldades maiores também surgiram durante a independência da América espanhola, quando a Espanha ameaçou recolonizar seus territórios e fortalecer seu domínio na América do Norte ou, o que era mais perigoso (na visão americana), a Rússia e a França pareciam querer conquistar essas colônias. Mas essas possibilidades acabaram contornadas pela oposição dos EUA e, principalmente, da Grã-Bretanha a recolonização da América Latina, abrindo o caminho para a continuação da expansão americana no oeste da América do Norte.

a) Principais momentos da expansão:

1803. Compra da Louisiana, uma enorme colônia francesa no meio-oeste americano. Vendida por Napoleão Bonaparte – que desistiu de investir na colonização da América por causa das dificuldades em dominar Saint Domingue (Haiti), envolvida em uma revolução de escravos – durante o governo de Thomas Jefferson (1801-1809), por 15 milhões de dólares.

1812-1814. Guerra Anglo-Americana. Chamada também de “Segunda Guerra de Independência” entre os EUA e a Grã-Bretanha, durante o governo de James Madison (1809-1817). A guerra foi causada por dois fatores: (I) os interesses dos grupos expansionistas americanos, conhecidos como os “falcões de guerra”, em tomar o Canadá da Grã-Bretanha; (II) os ataques da Grã-Bretanha aos navios americanos que tentavam romper o bloqueio naval britânico imposto à França durante as Guerras Napoleônicas. As ações britânicas foram o pretexto para os EUA declararem guerra e invadirem o Canadá. Contudo, a guerra não contou com muito apoio interno e a invasão do Canadá fracassou. Por sua vez, os britânicos invadiram a costa leste, incendiaram a capital, Washington (inclusive a Casa Branca e o Capitólio, no maior ataque que os EUA sofreram em seu território até os atentados de 11 de setembro de 2001) e se retiraram. A costa sul foi também atacada e Nova Orleans cercada, mas as forças britânicas acabaram expulsas. Diante do impasse militar e da impopularidade do conflito nos dois países, EUA e Grã-Bretanha restabeleceram a paz no Tratado de Ghent (1814), sem alterações territoriais.

1819. Compra da Flórida. Colônia espanhola vendida (sob pressão americana) no governo James Monroe (1817-1825), por 5 milhões de dólares.

1823. A Doutrina Monroe. Apoio dos EUA à independência da América Latina e contra a recolonização da região. Elaborada pelo secretário de Estado John Quincy Adams no governo de James Monroe. Famosa pelo lema “A América para os americanos” (complementado por “A Europa para os europeus”), ela foi lançada no momento em que as colônias espanholas e o Brasil lutavam para ser tornar independentes, em meio as ameaças de que a Santa Aliança ajudaria a Espanha a reconquistar seus territórios e que a Rússia ou a França poderiam tentar conquistá-las. A Grã-Bretanha apoiou a Doutrina e chegou a propor uma aliança com os EUA contra a recolonização, rejeitada pelos americanos. A Doutrina Monroe foi bem-vista pela América Latina na época da independência, mas desde o final do século XIX ela passou a ser considerada, na visão latino-americana, um instrumento do imperialismo americano – um pretexto para os EUA exercerem sua hegemonia na região.

1845. O Destino Manifesto. Ideologia utilizada para justificar a expansão territorial dos EUA, afirmando que o país, pela sua natureza e poder – vistos como uma Graça divina, em uma interpretação de origem calvinista – estava predestinado a controlar a América do Norte. Essa idéia já existia no final do século XVIII e ganhou impulso com a aquisição da Lousiana, mas a expressão só apareceu em 1845, criada por um editor de Nova York, John L. O’Sullivan.

1845. Anexação do Texas. O Texas era uma província do México que, sob estímulo do governo mexicano, foi povoada por colonos americanos, sobretudo sulistas. Por volta de 1830, cerca de 20 mil deles tinham se fixado no território. Alarmado, o governo mexicano tentou conter a imigração americana e proibir a escravidão na província (o México tinha abolido o trabalho escravo em 1829). Por sua vez, os colonos americanos, acostumados com as tradições liberais dos EUA, entraram em confronto com a ditadura do presidente mexicano, o general Antonio López de Santa Anna. O resultado foi a Revolução Texana (1835-1836) – a luta pela independência do Texas, dirigida pelos colonos americanos (os texanos, que incluíam também os mexicanos locais). Santa Anna foi derrotado e forçado a reconhecer a República do Texas (1836-1845), presidida por Sam Houston. Os texanos imediatamente pediram a união com os EUA mas, temendo o crescimento do número de estados escravistas no país, os estados do Norte resistiram a proposta. Somente em 1845, por iniciativa do secretário de Estado John C. Calhoum e do presidente John Tyler (1841-1845), o Congresso americano aceitou a anexação do Texas, sob protestos do México.

1846. Anexação do Oregon. Território no noroeste, reivindicado pelos EUA e Grã-Bretanha. Os dois países fizeram um acordo, no governo James Polk (1845-1849) e dividiram a região, pelo paralelo 49o, que constituiu a fronteira entre os EUA e o Canadá.

1846-1848. Guerra Mexicano-Americana. Ocorrida no governo James Polk, um ardoroso adepto do Destino Manifesto. Polk propôs ao México comprar o noroeste do país, ao norte do Rio Grande. Os mexicanos, inconformados pela anexação do Texas, recusaram e forças militares dos dois países entraram em choque no Rio Grande, precipitando a guerra. O conflito foi um desastre para os mexicanos, apesar deles possuírem um exército 4 vezes maior do que o americano, ainda que mal treinado. Com efeito,  os EUA invadiram o México e tomaram a capital, Cidade do México (setembro 1847). Derrotados, os mexicanos assinaram o Tratado de Guadalupe Hidalgo (fevereiro 1848) e tiveram que ceder os territórios reivindicados pelos EUA, oficialmente vendidos por 15 milhões de dólares – a Califórnia, Novo México, Arizona, Utah, Colorado e Nevada. Com isso, os EUA concluíram a anexação do Oeste (em 1853 comprariam ainda do México um pequeno território no noroeste do país – a compra Gadsden) e obtiveram acesso ao Pacífico e passaram a controlar a cidade de São Francisco, com o seu excelente porto.

1867. Aquisição do Alasca. Comprado da Rússia, que ocupava o território desde a segunda metade do século XVIII. A Rússia perdeu o interesse pelo Alasca em meados do século XIX em razão do declínio do comércio de peles (sua principal atividade econômica) e da impossibilidade de usá-lo como trampolim para uma expansão na direção do sul, ocupado pelos EUA e Grã-Bretanha. Além disso, a derrota da Rússia na Guerra da Criméia (1853-1856) deixou o país enfraquecido, com dificuldades para defender o Alasca em caso de uma invasão americana ou britânica. Em 1867, no governo Andrew Johnson (1865-1868), o território foi comprado pelos EUA por 7 milhões de dólares.

b) Consequências da expansão

Destruição das comunidades tribais indígenas do Oeste, em função de guerras contra as forças americanas, do extermínio das manadas de búfalos (base alimentar de muitas tribos) e do confisco de suas  terras.

Ocupação imediata das terras adquiridas, oferecidas aos colonos por um baixo preço. A Lei de Colonização ou Homestead Act (1862), a mais famosa das medidas de estímulo ao povoamento do Oeste, outorgou a qualquer cidadão americano maior de 21 anos 160 acres de terra gratuita depois de 5 anos de residência contínua. No entanto, essa medida beneficiou relativamente poucas famílias (menos de 400 mil) e quem mais saiu ganhando foram as grandes companhias ferroviárias e os especuladores.

Crescimento da rede de transportes (ferrovias, canais de navegação) que integraram todo o território americano.

Aquisição de gigantescos recursos minerais (ouro, prata, cobre, petróleo) e ampliação da área de agropecuária.

Impulso à imigração (quase 5 milhões de pessoas em 1850-1870), principalmente de europeus.

1.2 A Guerra da Secessão (1861-1865)

A Guerra da Secessão foi a guerra civil americana entre os estados nortistas e os estados sulistas separatistas. O conflito, o mais sangrento da história dos EUA, foi o momento decisivo na formação da nação americana, confirmando a unidade do país.

a)  Motivos

A forte tradição de autonomia estadual, gerando uma tendência separatista dos estados. Era muito forte a convicção nos estados americanos, sobretudo nos do “Velho Sul’ (as antigas colônias britânicas de exploração), que sua adesão aos EUA durante a independência, por se tratar de um ato voluntário, implicava também no direito de secessão ou separação, caso a união não fosse mais vista como vantajosa aos interesses estaduais. Esse argumento foi central na decisão sulista de constituir um outro país separado do Norte, em 1860.

A Questão da Escravidão. A decisão de manter a escravidão ou aboli-la era responsabilidade dos estados, que tinham a autonomia nessa questão desde a independência. Os estados do Norte (as antigas colônias de povoamento), não dependiam da escravidão e a aboliram, enquanto os estados do sul (as ex-colônias de exploração), por dependerem dela em suas plantations, decidiram mantê-la. Formaram-se, assim, duas sociedades distintas dentro dos EUA: o Norte, baseado no trabalho livre e desenvolvendo o capitalismo industrial, e o Sul, baseado no trabalho escravo, com uma estrutura agroexportador tradicional. O desenvolvimento industrial do Norte na primeira metade do século XIX, contudo, com sua sociedade cada vez mais moderna e inspirada no liberalismo político (defesa da igualdade de direitos e da liberdade), tendia a gerar um confronto com o escravismo no Sul. A escravidão sulista era cada vez mais criticada pelos nortistas como imoral e incompatível com a modernidade, com a construção de uma sociedade de homens livres e juridicamente iguais e com a expansão do mercado consumidor – ou seja, como um regime atrasado, obstáculo à modernização dos EUA. Com efeito, na década de 1850 o movimento abolicionista cresceu e uma visão simpática aos negros expandiu-se. Em 1852 Harriet Beecher Stowe publicou a “Cabana do Pai Tomás”, romance abolicionista, e poetas e pensadores como Longfellow, Emerson e Melville apoiaram a causa antiescravista.

A Questão Tarifária. Os estados sulistas tinham poucas indústrias e eram importadores de produtos industriais, defendendo o livre-comércio. Os estados nortistas, ao contrário, defendiam o protecionismo alfandegário contra a concorrência estrangeira.

A Questão do Oeste. Sulistas e nortistas disputavam o status dos novos estados do Oeste, que determinaria o equilíbrio entre as bancadas parlamentares abolicionistas e escravistas no Congresso, favorecendo ou não a proibição da escravidão. No início, foram feitas algumas tentativas de acordo. O Compromisso do Missouri (1820) estabeleceu que os novos estados criados com a aquisição da Louisiana ao norte do paralelo 36 o 30 ‘ seriam abolicionistas (com exceção do Missouri) e os ao sul escravistas. O Compromisso Clay (1850), por sua vez, estabeleceu sobre os territórios obtidos do México em 1848 o princípio de soberania e autonomia estadual na definição do seu status (favorecendo o abolicionismo), acompanhado por medidas de maior repressão contra escravos foragidos (beneficiando os escravocratas). Contudo, no início da década de 1850, os  grupos escravocratas manobraram para anular o Compromisso do Missouri e estabelecer a escravidão nos novos estados do Kansas e Nebraska, parte da antiga Louisiana. Pelo Ato do Kansas-Nebraska (1854), esses estados poderiam optar pela adoção do trabalho escravo, contrariando o acordo anterior. A situação ficou especialmente grave no Kansas, onde grande parte dos colonos era contra o escravismo, mas grupos armados pró-escravidão utilizando-se da violência e da corrupção impediram a vitória dos abolicionistas nas eleições estaduais. O Kansas tornou-se escravista, mas a questão do abolicionismo radicalizou-se em 1854-1860.

A radicalização do movimento abolicionista (1854-1860). As ações dos escravocratas no Kansas resultaram na radicalização dos grupos abolicionistas. Surgiram sociedades secretas que ajudavam a fuga de escravos (desafiando o Compromisso Clay) e organizações políticas que pressionavam pela intervenção federal contra a escravidão. Em 1854, foi criado o Partido Republicano, defensor da abolição. Os republicanos cresceram eleitoralmente em 1855-1860, assustando os sulistas, o que aumentou a tensão na relação entre as duas regiões. Em 1859, John Brown, um abolicionista radical, tentou organizar um levante armado de escravos na Virgínia. A insurreição fracassou e Brown foi enforcado pelas autoridades locais, transformando-se em mártir da causa abolicionista.

A crise de 1860-1861. Em 1860, o candidato do Partido Republicano, senador Abraham Lincoln, venceu as eleições presidenciais para a sucessão de James Buchanan (1856-1860), alarmando o Sul. Temendo que Lincoln abolisse a escravidão, sete estados sulistas, sob iniciativa da Carolina do Sul, resolveram separar-se dos EUA (dezembro 1860) antes que ele tomasse posse (março 1861). Os estados separatistas (Mississipi, Flórida, Geórgia, Alabama, Louisiana e Texas, além da Carolina do Sul) formaram um novo país, os Estados Confederados da América ou Confederação, com capital em Montgomery (depois transferida para Richmond) e elegeram Jefferson Davis, do Mississipi, presidente. Lincoln tomou posse e, embora tentasse uma conciliação, afirmou que a União – a unidade política dos EUA e o nome pelos quais ficaram conhecidos os estados nortistas – era perpétua. A Confederação manteve-se irredutível e, em abril de 1861, forças sulistas e nortistas entraram em confronto pela posse do Forte Sumter, em Charleston, na Carolina do Sul, guarnecido por soldados da União. Era o início da Guerra da Secessão, que deixou o país dividido: em maio, outros quatro estados sulistas aderiram à Confederação: Virgínia, Carolina do Norte, Tennessee e Arkansas, elevando para onze o número de estados separatistas. Mas os estados escravistas de Delaware, Maryland, Kentucky e Missouri apoiaram a União, assim como a parte ocidental da Virgínia (que originaria o novo estado da Virgínia Ocidental).

b) O conflito militar

As forças do Sul. A Confederação possuía 9 milhões de habitantes, sendo 4 milhões de escravos. Começou a guerra com 35 mil soldados e chegou a mobilizar mais de 700 mil. Tinha a vantagem de possuir melhores oficiais do que o Norte e contar com apoio da Grã-Bretanha e da França, que lhe forneceram armas. Mas não possuía quase nenhuma base industrial, tinha menos recursos financeiros e uma população menor do que a da União.

As forças do Norte. A União possuía 22 milhões de habitantes. Iniciou a guerra com 19 mil soldados mas conseguiu nos anos seguintes recrutar mais de 1,5 milhões. O apoio dos estados do Oeste, a sua base industrial (a terceira maior do mundo), sua rede ferroviária, seu poder financeiro e o tamanho da sua população foram decisivos para sua vitória a longo prazo.

 Em um primeiro momento, a vantagem militar esteve com os sulistas mas com tempo a União fez sentir a sua superioridade numérica, econômica e moral: (I) os portos do Sul foram bloqueados pela marinha do Norte, impedindo o contato com a Grã-Bretanha e a França; (II) Lincoln lançou  a Proclamação da Emancipação (setembro 1862) declarando livres os escravos dos estados rebeldes, legitimando a guerra como uma campanha justa contra a escravidão e mobilizando os negros do Norte contra a Confederação; (III) a estratégia militar do general Ulysses S. Grant, Comandante-Chefe da União, de destruição do território sulista, enfraquecendo o moral dos rebeldes, e de atacar continuamente e sem descanso o exército confederado (comandadas por Robert E. Lee), sem se preocupar com as perdas nortistas. A partir de 1864, as principais cidades do sul foram tomadas e incendiadas: Atlanta, Charleston, Petersburg e, em abril de 1865, Richmond, a capital da Confederação. No mesmo mês da queda de Richmond, as forças sulistas se renderam, derrotadas. A mais violenta guerra da história dos EUA matou 620 mil americanos (360 mil da União e 260 mil da Confederação) e deixou 500 mil feridos.   

c) Consequências

A vitória do Norte restaurou a unidade territorial dos EUA, aboliu a escravidão em todo o país (13a Emenda à Constituição, em 1865, ampliando a Proclamação da Emancipação) e permitiu um grande desenvolvimento do capitalismo industrial americano nas décadas seguintes. Contudo, os escravos libertados não receberam ajuda do Estado (a expectativa de distribuição de terras e créditos na forma de “60 acres e uma mula”, como esperado pelo decreto da abolição em 1865, nunca foi realizada) e a maioria esmagadora continuou vivendo na pobreza, ficando marginalizada politicamente. Além disso, o ressentimento sulista, sobretudo a ação de aventureiros nortistas a procura de cargos políticos no Sul com apoio dos negros, refletiu-se no aparecimento de grupos terroristas racistas (a Ku Klux Klan) e na criação de uma legislação segregacionista nos estados sulistas. Além disso, o inconformismo com a derrota da Confederação levou um sulista radical, John Wilkes Booth, a assassinar Lincoln em um espetáculo teatral, em Washington (14 abril 1865).