segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

61 - Bem-vindo!


Bem-vindo(a)!
Estamos iniciando mais um ano letivo. Neste blog você encontrará:

Esquemas e textos de História baseados no conteúdo da Segunda Etapa do PAS/UnB e do ENEM.

Comentários e sugestões de livros e filmes.

Trechos de reportagens e de outros blogs sobre história e atualidades.

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60 - O Ocidente em 1600-1750


HISTÓRIA GERAL

UNIDADE 1 - O Ocidente em 1600-1750

1. Introdução: civilização e civilização ocidental

1.1 Civilização

No sentido arqueológico, civilização é uma sociedade estratificada (dividida em grupos sociais desiguais) com Estado, cidades, arquitetura monumental, comércio, religião organizada e, em geral, escrita. Nessa visão, a civilização também é chamada de "sociedade de Estado". No sentido cultural, civilização é um conjunto de países, povos ou comunidades que, apesar de separadas politicamente e, muitas vezes, linguisticamente, compartilham uma cultura básica comum fundamentada, principalmente, na religião, em valores, normas e instituições. Esses elementos combinados criam uma identidade cultural geral distinta daquelas de outras civilizações. Segundo essa interpretação, o núcleo de uma civilização é formado pelos seus países mais ricos e poderosos – os Estados-núcleos. É nesse sentido que se fala em civilização clássica grega e romana, civilização islâmica, civilização chinesa e civilização hinduísta, entre diversas outras. Uma civilização pode ficar restrita a um determinado período da história (como a romana na Antiguidade) ou pode continuar por períodos diferentes, embora com suas estruturas econômicas, sociais e políticas alteradas (como a civilização chinesa ou a civilização islâmica).

1.2 Civilização ocidental

No sentido cultural, civilização ocidental é o mesmo que Ocidente. A civilização ocidental foi formada na Europa durante a Idade Média (período situado, aproximadamente, entre os anos 500 e 1450), a partir da fusão de tradições greco-romanas, judaico-cristãs e germânicas. Os principais elementos culturais comuns do Ocidente, derivados dessas tradições, são:

Tradições clássicas greco-romanas: filosofia/racionalismo, direito, cidadania, republicanismo

Cristianismo: valores religiosos, moralidade, tipo de família

Tradições germânicas: poder do rei/governo limitado pela lei e por uma assembleia representativa (parlamento). Originou o moderno constitucionalismo (constituição/leis seculares acima do governo, coexistindo com um poder legislativo/assembleia eleita)

 Com a expansão colonial do Ocidente nos séculos XV-XIX e a consequente conquista europeia de territórios em outros continentes, a civilização ocidental foi ampliada geograficamente. Hoje, o Ocidente é composto pela Europa e pelos países de intenso povoamento europeu da América e da Oceania. Cada país do Ocidente possui uma cultura particular única, base da sua identidade nacional (a cultura francesa, a cultura britânica, a cultura americana, a cultura portuguesa, a cultura brasileira), além de culturas regionais ou locais dentro do seu território (a cultura gaúcha, a cultura baiana). Mas os países da Europa, da América e da Oceania têm uma afinidade cultural, independente de suas culturas nacionais, porque compartilham valores e costumes comuns de origem europeia, o que os torna parte de uma espécie de "clube cultural", que chamamos de civilização – a civilização ocidental ou Ocidente.

 Essa afinidade cultural não significa unidade política ou econômica e não implica, necessariamente, em cooperação ou alianças. Ao contrário, a história das relações entre os países do Ocidente foi marcada por rivalidades e guerras. O mesmo ocorreu em outras civilizações, como na civilização islâmica ou Islã (vários países com línguas diferentes compartilhando uma cultura geral comum, no caso derivada do islamismo, com um histórico de conflitos e guerras entre si). De fato, o Ocidente é formado por diversos países com força econômica e militar desigual, de forma que alguns Estados são mais poderosos do que outros – as chamadas grandes potências. O núcleo do Ocidente, quer dizer, o conjunto de grandes potências ou a grande potência que se destaca como o centro do poder econômico-militar e de influência política e cultural sobre as demais, variou durante a história. Até 1914, quando eclodiu a Primeira Guerra Mundial, a Europa foi o núcleo do Ocidente. Entre 1914 e 1945, o núcleo foi baseado em um equilíbrio entre a Europa e os EUA. Depois de 1945, os EUA assumiram a posição de principal Estado-núcleo da civilização ocidental.

 Cabe lembrar que o Ocidente é a civilização mais poderosa do mundo em termos econômicos, tecnológicos e militares, mas nem sempre foi assim. Até o século XVII, havia um equilíbrio global de poder entre o Ocidente e outras civilizações, como a islâmica e a chinesa. As grandes potências europeias tinham conquistado ou estavam conquistando a América nos séculos XVI-XVII (as populações nativas ameríndias não possuíam os superiores recursos tecnológicos e militares dos europeus, nem defesas biológicas contra os microrganismos trazidos pelos conquistadores) e tinham adquirido alguns pequenos territórios e cidades litorâneas na África e Ásia. Mas o Ocidente ainda não tinha desenvolvido os meios para submeter a maioria dos africanos e asiáticos ao seu poder. A China e o mundo islâmico, por exemplo, possuíam Estados, recursos econômicos, tecnologia e exércitos capazes de enfrentar as forças ocidentais, o que limitou o imperialismo europeu no Velho Mundo. Na verdade, o império turco otomano (a principal potência muçulmana) estava em expansão na Europa Oriental no século XVII e ameaçava conquistar territórios ocidentais. Contudo, essa situação de relativa balança do poder entre as civilizações começou a ser alterada no século XVIII com o desenvolvimento mais acelerado da ciência, de novas tecnologias e de novas formas de produção na Europa, em parte graças aos ganhos econômicos com a exploração colonial da América, que culminou com a eclosão da Revolução Industrial na Grã-Bretanha por volta de 1780. Esse processo de transformação radical das sociedades europeias, especialmente a partir da segunda metade do século XVIII, ficou conhecido como modernização capitalista – um processo simultaneamente econômico, político e cultural caracterizado pela industrialização, intensa urbanização, secularização (declínio relativo da religião no conhecimento e na política, avanço da ciência), maior mobilidade social e criação de Estados modernos (regimes constitucionais vistos como representativos da nação/povo), acompanhado do desenvolvimento do capitalismo (economia de mercado, direito ao lucro individual e de propriedade privada do capital, elite capitalista ou burguesa, trabalho livre e assalariado). Em 1750-1850, enquanto parte do Ocidente modernizava-se rapidamente, as demais civilizações do Velho Mundo continuavam baseadas em sociedades tradicionais (economias agrárias ou pré-industriais, forte religiosidade, baixa mobilidade social, regimes despóticos) e pré-capitalistas, o que as deixou defasadas em relação ao poder europeu. O resultado foi que, a partir do século XVIII, o Ocidente ascendeu à posição de civilização mais poderosa do mundo e começou a dominar direta ou indiretamente imensos territórios na Ásia e na África. No século XIX, o imperialismo europeu avançou ainda mais e atingiu seu auge em 1914 (nessa época, o Japão era a única potência não ocidental que havia conseguido se modernizar). As duas guerras mundiais de 1914-1945 enfraqueceram a Europa e resultaram na descolonização afro-asiática, mas a liderança econômica e militar dos EUA (o novo núcleo ocidental) e a recuperação europeia pós-1945 asseguraram que o Ocidente continuasse na posição de civilização mais poderosa do mundo,  apesar das outras civilizações, especialmente as da Ásia, terem também se modernizado.

 Sugestão de leitura. A obra fundamental sobre o conceito de Ocidente e da relação da civilização ocidental com as outras civilizações é o livro O Choque de Civilizações e a Recomposição da Ordem Mundial, de Samuel P. Huntington (Editora Objetiva, 1997). Cabe observar que para Huntington, a Rússia e América Latina não são parte do Ocidente e sim duas outras civilizações separadas.

2. A Europa em 1600-1750

 A Europa era o núcleo do Ocidente nos séculos XVII-XVIII, mas era um núcleo fragmentado, sem unidade política, dividido em diversos Estados rivais com poder diferenciado (alguns mais fortes do que outros). A ordem internacional europeia era, assim, multipolar – composta por várias potências, como a França, a Inglaterra, a Holanda, a Espanha, a Áustria, a Rússia, a Prússia, a Suécia, a Polônia e Portugal, entre outros centros de poder. Essas potências disputavam territórios na própria Europa e colônias ultramarinas, muitas vezes misturando interesses dinásticos, geopolíticos e econômicos com rivalidades religiosas como, por exemplo, entre católicos e protestantes.

2.1 O Antigo Regime

 O termo Antigo Regime surgiu na França, no final do século XVIII, no contexto de expansão das ideias do Iluminismo (racionalismo, fé no progresso, liberdade) e da Revolução Francesa. Os defensores da revolução formularam o termo em um sentido negativo e crítico (o “antigo” como sinônimo de “atrasado”) para se referir à sociedade francesa pré-revolucionária, caracterizada pelo absolutismo monárquico, por uma ordem social que privilegiava a aristocracia e pela persistência da religiosidade e do poder da Igreja Católica – elementos que os revolucionários iluministas consideravam ultrapassados e que deveriam ser substituídos por um novo regime moderno, baseado na liberdade, igualdade e tolerância. Com o tempo, o termo Antigo Regime passou a se aplicado sobre as sociedades pré-modernas de uma forma geral, especialmente as sociedades tradicionais europeias dos séculos XVII-XIX, virando sinônimo de velha ordem ou ordem tradicional. As principais características do Antigo Regime foram o absolutismo, o regime senhorial, a sociedade de ordens e a intolerância religiosa.

Economia agrária

O Antigo Regime estava baseado em economias fundamentalmente agrárias e pré-industriais. A terra era a principal riqueza e a maioria da população vivia no meio rural, praticando diversas modalidades de agricultura, pecuária ou pastoreio. O setor mais importante era a agricultura mercantil (produção de gêneros agrícolas para o mercado) em razão do crescimento populacional e das cidades (aumento de consumidores urbanos, não produtores de alimentos) e do desenvolvimento do comércio. A indústria manufatureira (tecnologia pré-mecânica, trabalho manual em equipe), sobretudo de têxteis, avançava fora das cidades, onde a produção industrial era controlada e regulamentada pelas corporações de ofício artesanais.

O absolutismo

O absolutismo foi a característica mais famosa do Antigo Regime, a ponto de muitos estudiosos considerarem ambos equivalentes. A monarquia absolutista era um Estado centralizado com uma numerosa burocracia civil e forças armadas, governando sem os entraves das assembleias ou parlamentos medievais, que deixaram de ser convocados ou foram abolidos. Esses corpos representativos reuniram-se pela última vez durante a Idade Moderna na França em 1614, na Bélgica em 1632, no Reino de Nápoles em 1642, em Castela em 1665, em Portugal em 1697-1698 e em Aragão foram abolidos em 1707. Na Holanda, na Inglaterra e na Escócia os parlamentos nunca desapareceram, o que impediu o aparecimento de um efetivo absolutismo nesses países (ver adiante item 2.2). Como a maior parte da burocracia e dos cargos no governo absolutista ficou com a nobreza, muitos estudiosos consideram o absolutismo um “Estado feudal centralizado”.

O absolutismo era legitimado pela religião (o poder monárquico era visto como de origem divina), pela própria tradição feudal (o rei considerado o maior dos suseranos, árbitro supremo, mantenedor da ordem e garantidor dos direitos dos súditos) e pelo direito romano, redescoberto no final da Idade Média, que recuperou o ideal de soberania absoluta inspirada no Dominado do Baixo Império Romano.

Contudo, o absolutismo no Antigo Regime nunca foi total, principalmente na Europa Ocidental, e ele precisa ser compreendido de forma relativa. A monarquia era absolutista se comparada às realezas descentralizadas medievais, mas o rei não tinha poder ilimitado sobre os seus súditos ou sobre suas propriedades, como acontecia nos despotismos orientais dos Estados islâmicos (Império Turco Otomano, Pérsia dos Safávidas, Império Mughal na Índia). As assembleias ou corpos representativos deixaram de ser convocados, mas havia, ainda que em teoria, a possibilidade deles serem restaurados. Ainda assim, no caso dos países europeus que adotaram o absolutismo, a evolução política implicou na superação tanto da tradicional descentralização feudal como do constitucionalismo medieval. O apogeu do Estado absolutista na Europa Ocidental foi nos séculos XVII-XVIII. Seu símbolo foi a monarquia francesa do “Rei Sol” Luís XIV (1638-1715), famoso pelas frases: “O Estado sou eu” e “É legal porque assim desejo.”

A persistência do regime senhorial

Apesar do declínio do feudalismo nos séculos XVII-XVIII, o sistema senhorial continuou predominando no Antigo Regime, o que assegurou à aristocracia feudal se manter como classe dominante, com vários privilégios (isenção de impostos; monopólio de alguns cargos, sobretudo os militares; justiça e tribunais especiais). A maioria da população era camponesa e trabalhava para a aristocracia como servos (mais na Europa Oriental) ou trabalhadores livres dependentes (mais na Europa Ocidental). Por outro lado, parte da burguesia conseguiu obter alguns cargos, títulos nobiliárquicos e honrarias, vendidos pela Coroa, ávida por recursos financeiros. Isso acabou formando dois tipos de nobrezas no Antigo Regime: a nobreza de espada ou de armas (a aristocracia tradicional de origem medieval e guerreira) e a nobreza de toga (a nova aristocracia, formada pela burguesia enobrecida, geralmente ocupando cargos na burocracia civil).

Sociedade dividida em ordens

Como na Idade Média, oficialmente a sociedade do Antigo Regime estava organizada de forma estamental ou corporativa, quer dizer, dividida em grupos hierarquizados de acordo com suas funções, em geral transmitidas pelo nascimento. A estratificação desses grupos – conhecidos como estamentos, estados ou ordens  – inspirava-se no antigo conceito de scala naturae (escala natural ou cadeia dos seres), uma estrutura hierárquica imutável supostamente criada por Deus como parte de um plano divino para dar ordem ao universo, reforçada por antigas tradições medievais. A função de cada estamento implicava em determinados direitos, privilégios e honras ou na ausência deles. As ordens superiores, constituídas pela nobreza e clero, possuíam funções mais respeitáveis (atividades guerreiras e religiosas) e eram mais privilegiadas. Por serem grupos fechados, entre as ordens superiores e as ordens inferiores (povo, principalmente camponeses) havia pouca mobilidade social. A imagem era de um corpo social composto por partes interdependentes e desiguais, mas com obrigações recíprocas em uma relação orgânica (como se a sociedade fosse um organismo) que beneficiava a todos e assegurava a estabilidade. Fundamental nessa concepção de sociedade era a ideia de permanência e de aceitação pelos indivíduos do seu papel na estrutura geral. Dessa forma, a ideologia da sociedade de ordens era utilizada para justificar a desigualdade e o poder da aristocracia. A configuração das ordens variava dependendo da sociedade. A da França foi a mais famosa, com a sua divisão em Primeiro Estado (clero/Igreja), Segundo Estado (nobreza) e Terceiro Estado (povo, incluindo a burguesia).

No entanto, havia uma forte tensão entre essa estrutura oficial conservadora e a realidade de uma sociedade em processo de transformação por causa do avanço do comércio, da riqueza monetária e do capital. De fato, a imobilidade não era absoluta. O critério de descendência na transmissão dos direitos e privilégios não podia ser totalmente aplicado, já que a ordem do clero tinha que ser preenchida por membros das outras ordens. Por sua vez, ocasionalmente títulos nobiliárquicos podiam ser comprados por plebeus ricos. Mas as brechas na estrutura estamental apenas beneficiavam uma minoria. No quadro geral, a aristocracia e suas ordens permaneciam como um grupo em grande medida fechado e mais privilegiado.

 Forte religiosidade

Por se tratar de uma sociedade tradicional e pré-moderna (no sentido de ser anterior a modernidade), o Antigo Regime caracterizou-se pela forte religiosidade. A religião não só servia para legitimar o absolutismo e a sociedade de ordens, como era a base para explicar o mundo natural. Apesar da crescente postura revisionista e crítica das interpretações religiosas por parte das elites intelectuais dos séculos XVII e XVIII, a maioria esmagadora da população continuou guiando os seus hábitos, comportamentos e moral pela religião. Com o absolutismo a Igreja ficou subordinada ao poder da monarquia e dependente do seu apoio e proteção, consagrando o velho princípio da cuis regio, eius religio (“De acordo com a sua região, sua religião”) – a fé dos súditos tem que ser a do soberano. A união Estado-Igreja no Antigo Regime implicou na manutenção de uma Igreja oficial (em alguns casos, como na Inglaterra, de uma Igreja nacional) e em uma grande intolerância religiosa. De fato, a monarquia e a Igreja tentavam impor uma forte censura política e religiosa, mas, nos séculos XVII e XVIII, a demanda pela liberdade de pensamento aumentou. Em alguns casos, como na Inglaterra, essa demanda partiu também de grupos religiosos dissidentes, com origem na Reforma Protestante, e contou com respaldo popular. Na maioria das vezes, contudo, a liberdade de pensamento foi resultado do crescimento da mentalidade racionalista e crítica entre as elites letradas, influenciadas pelos desdobramentos da Revolução Científica do século XVII (nascimento da ciência moderna, como a física e astronomia, contrariando dogmas religiosos) e, principalmente, pelo Iluminismo do século XVIII (defesa da Razão e da ciência, condenação da superstição). Nos países que ainda viviam sob o Antigo Regime no século XIX, a bandeira da liberdade de expressão foi assumida pelos defensores do liberalismo e do socialismo.

2.2 Os regimes constitucionais do século XVII: Holanda e Inglaterra

No século XVII, na Holanda e na Inglaterra, o absolutismo foi superado e substituído por regimes constitucionais oligárquicos – governos limitados pela lei (constituição) e por uma assembleia representativa das elites aristocráticas e burguesas. Nesses dois países, a forte presença da burguesia no poder político resultou a elaboração de leis favoráveis ao comércio, a propriedade privada, aos bancos e as atividades financeiras.

Na Holanda ou, mais precisamente, nos Países Baixos, esse regime assumiu a forma de uma república dominada pela burguesia, resultado da Revolução Holandesa ou Revolução Neerlandesa (1568-1648). No século XVII, em grande medida por causa das vantagens políticas e econômicas obtidas com essa revolução (legislação capitalista), a Holanda virou a maior potência comercial e marítima do Ocidente e assumiu a hegemonia do nascente capitalismo global.

Na Inglaterra e na Escócia (na época um reino separado da Inglaterra, com o seu próprio parlamento, mas sob o mesmo monarca), esse regime era uma monarquia parlamentar, onde a nobreza e a burguesia compartilhavam o poder político. O absolutismo inglês e escocês foi derrubado na Revolução Inglesa ou Revolução Britânica (1640-1689), sobretudo no seu episódio final, a Revolução Gloriosa (1688-1689). Em 1707, Inglaterra e Escócia foram unificadas e formaram o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda, chamado simplesmente de Grã-Bretanha. No século XVIII, a Grã-Bretanha substituiu a Holanda como maior potência comercial e marítima do Ocidente e passou a liderar capitalismo global nos séculos XVIII e XIX.

2.3 O mercantilismo

Os Estados europeus dos séculos XVII-XVIII estavam erguidos sobre sociedades tradicionais agrárias em transição para a modernidade capitalista. A terra era o bem mais valorizado e procurado, mas o contexto de guerras endêmicas, de elevação das despesas militares, de crescente custo da máquina administrativa e de expansão do comércio fez da moeda, especialmente as de metais preciosos, outra riqueza imprescindível para a manutenção do Estado. A busca de recursos monetários, mais precisamente de ouro e prata, era uma das principais preocupações dos monarcas e seus ministros na Idade Moderna. O metalismo ou bulionismo (acumulação de metais preciosos) foi reforçado pela crença de que a riqueza do mundo era fixa e que havia um jogo de soma-zero nas relações econômicas entre os países – para um país ganhar o outro teria que perder. A lógica dessa ideia baseava-se no fato do tesouro do Estado ser identificado com a quantidade de ouro e a prata disponível, bens que não podiam ser criados ou reproduzidos, mas extraídos diretamente da natureza, onde tendiam a se esgotar. Esse pensamento desenvolveu-se associado a uma tradição pré-capitalista que remontava ao Império Romano de ter a economia regulamentada pelo governo. A combinação desses fatores resultou no mercantilismo, a política econômica intervencionista dos Estados europeus da Idade Moderna, fossem eles monarquias absolutistas, monarquias parlamentares ou repúblicas oligárquicas.

Apesar da diversidade do mercantilismo, algumas ideias e medidas foram comuns a todos os países europeus. A intervenção do Estado na economia foi um aspecto essencial e generalizado da política mercantilista. O dirigismo governamental foi mais um meio do que um objetivo em si, uma necessidade de sobrevivência em um mundo de competição entre Estados por riquezas limitadas. Com efeito, a tese da soma-zero do metalismo teve vários corolários, todos buscando meios de transferir a riqueza dos outros para o seu próprio país, onde ela poderia ser mais facilmente apropriada pelo Estado por meio da taxação da população. A busca do superávit na balança comercial foi uma das estratégias mais disseminadas. Uma medida nesse sentido era o protecionismo, estabelecido por meio da elevação das tarifas alfandegárias para reduzir as importações e, com isso, diminuir o envio de moeda para o exterior. Em alguns casos a estratégia comercial foi acompanhada de incentivos às manufaturas de exportação, principalmente de produtos de luxo. Outra prática mercantilista usual foi o estabelecimento de monopólios comerciais do Estado ou concedidos a grupos privilegiados de mercadores organizados em Companhias de Comércio com fortes ligações com o governo. A regulamentação das atividades econômicas foi outra norma, na verdade mais intensa nas cidades, onde a fiscalização era menos difícil, a circulação de moeda era maior e as tradições medievais de guildas e corporações de ofício (associações monopolistas de artesãos ou de comerciantes) foram preservadas.

Na Europa Atlântica (Portugal, Espanha, França, Inglaterra, Holanda), o mercantilismo esteve também associado ao colonialismo, mais precisamente ao que se convencionou chamar de “antigo sistema colonial”, voltado para o estabelecimento de colônias ultramarinas fornecedoras de metais preciosos e gêneros tropicais, como o açúcar. No colonialismo mercantilista as metrópoles europeias tentaram impor um rígido controle administrativo e comercial sobre seus impérios coloniais, especialmente na América, onde foram estabelecidos sistemas econômicos que produziam matérias-primas por meio do trabalho compulsório de índios nativos e negros trazidos da África. As práticas regulamentadoras também foram adotadas nas colônias, destacando-se o “pacto-colonial” ou “exclusivo comercial” – o monopólio que a metrópole possuía no comércio externo da colônia. Nos séculos XVII-XVIII, o antigo sistema colonial havia se transformado em um pilar econômico fundamental da Europa Atlântica, objeto de uma série de guerras pelo controle dos territórios ultramarinos e de suas riquezas.

O domínio colonial e suas limitações

Na prática, a dominação colonial é mantida pela combinação do uso da força bruta (violência) com a influência cultural (ideológica) da metrópole sobre a colônia. Historicamente, quando o poder militar de uma metrópole ficava enfraquecido ou reduzido por causa de guerras ou problemas econômicos, a sua capacidade de dominar a colônia diminuía e as chances da população colonial obter a independência aumentavam – obviamente, se essa população considerasse a independência uma necessidade. Por outro lado, não bastava apenas a força militar ou a repressão para garantir a dominação colonialista. Era fundamental que uma parte da população da colônia (geralmente as elites coloniais, descendente de conquistadores e de imigrantes da metrópole, ou mesmo de origem nas etnias nativas) aceitasse o colonialismo para que fosse garantido um mínimo de estabilidade e funcionamento do sistema colonial. De fato, o colonialismo podia ou pode ser aceito por vários motivos: interesses econômicos dos colonos na metrópole (comércio, empréstimos), reconhecimento da importância da metrópole para a segurança dos colonos (defesa contra revoltas de nativos ou de escravos, proteção contra invasores estrangeiros) e identificação cultural dos colonos com a metrópole. Outros fatores como o conformismo e a passividade da maior parte da população colonial também tiveram um grande peso na manutenção do colonialismo. De qualquer forma, quando os setores mais poderosos da sociedade colonial passaram a considerar que a metrópole não apenas deixara de atender aos seus interesses, mas passara também a contrariá-los ou ameaça-los, o colonialismo mantido exclusivamente por meio da violência demonstrou ser inviável.

Sugestões de leituras. Em português, três boas introduções ao tema são os livros O Antigo Regime, de William Doyle (“Série Princípios” 214, Editora Ática, 1991), O Absolutismo – Política e Sociedade na Europa Moderna, de Marcos Antonio Lopes (“Coleção Tudo é História”, Editora Brasiliense, 1996) e Mercantilismo e Transição, de Francisco Falcon (“Coleção Tudo é História”, Editora Brasiliense, 1981). Uma obra mais aprofundada sobre os regimes políticos dos séculos XV-XVIII e suas bases sociais é o Linhagens do Estado Absolutista, de Perry Anderson (Editora Brasiliense, 1985). Um bom manual sobre a história do mundo na Idade Moderna, com ênfase na história europeia é o História Moderna (Difel, 1983), de André Corvisier.

 

 

 

59 - Independência do Brasil


HISTÓRIA DO BRASIL

UNIDADE 1 - O PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA (1789-1822)

A independência do Brasil foi um episódio dos movimentos de independência da América Latina no contexto da Era das Revoluções (1770-1850) e da crise do Antigo Sistema Colonial, nas primeiras décadas da Idade Contemporânea. Como na América Espanhola, os colonos favoráveis à independência brasileira foram influenciados pelo Iluminismo e pelas ideias liberais (direitos individuais, constitucionalismo, liberdade econômica), pela Revolução Americana e pela Revolução Francesa. As Guerras Napoleônicas na Europa, no começo do século XIX, aprofundaram a crise do antigo sistema colonial, precipitando a independência de vários países latino-americanos.
1. Portugal e seu império colonial na América em 1750-1800
1.1 O Brasil
No final do século XVIII, o Brasil era a principal colônia de Portugal. Chamado oficialmente de Vice-Reino do Brasil, a América Portuguesa possuía, em 1800, cerca de 3,3 milhões de habitantes. A maior cidade era o Rio de Janeiro, a capital, com 50 mil moradores (em Salvador viviam 40 mil pessoas e em São Paulo 20 mil). Como as demais sociedades da época (com exceção da britânica, que estava se industrializando rapidamente), a sociedade colonial brasileira era tradicional ou pré-industrial. A economia era fundamentalmente agrária, a maioria da população vivia no meio rural, as famílias eram patriarcais, o analfabetismo predominava (85% ou mais da população não sabiam ler e escrever) e havia uma acentuada religiosidade, com o destaque para a forte presença da Igreja Católica na vida social.  Contudo, o traço mais marcante da sociedade colonial na época era a escravidão negra (em 1800, 1,5 milhão de pessoas eram escravas, grande parte delas nascidas na África) – uma brutal modalidade de trabalho compulsório herdada da colonização portuguesa, que se transformou no principal entrave para o progresso econômico, social e cultural do Brasil no século XIX. De fato, a escravidão nasceu associada ao setor agroexportador, o mais dinâmico da economia colonial nos séculos XVI-XVII, e avançou na época da mineração do ouro no século XVIII. Apesar do declínio da mineração (de 1760 em diante), a economia prosperou com o chamado "Renascimento Agrícola" a nova expansão da agricultura de exportação de açúcar, algodão, café, fumo. Na época da independência, o setor agroexportador (açúcar, algodão, fumo, café), baseado no latifúndio e na escravidão (as plantations escravistas), continuava sendo o motor da economia brasileira. Consequentemente, a elite econômica e política era composta por uma aristocracia rural (grandes proprietários de terras e de escravos) e pelos ricos comerciantes urbanos do setor de exportação-importação, incluindo os traficantes de escravos africanos.
No entanto, a economia nacional não se resumia ao setor agroexportador e nem a escravidão era utilizada apenas pela elite agrária. Desde o início do período colonial, formou-se um mercado interno no país, com uma dinâmica própria, ligada a produção de alimentos, a  indústria artesanal popular (a proibição de manufaturas por Portugal em 1785 não eliminou o artesanato voltado para as camadas mais pobres) e a diversos serviços. A estrutura agrária não era composta apenas por latifúndios. Além das grandes propriedades, existiam médias e pequenas propriedades rurais, produzindo para o abastecimento interno ou para a subsistência. As cidades eram relativamente pequenas, mas muitos dos seus habitantes, inclusive uma incipiente classe média urbana (profissionais liberais, pequenos comerciantes, funcionários públicos) viviam em função do mercado interno e não do externo. Os escravos não eram os únicos trabalhadores nem eram a maioria da população, embora fossem a principal mão de obra empregada pelas elites econômicas. Contudo, a escravidão estava tão disseminada que praticamente todas as famílias das camadas médias e muitas das camadas baixas possuíam pelo menos um escravo ou escrava, utilizado nos serviços domésticos ou como auxiliares em diversas profissões. O resultado foi um complexo quadro que combinou miscigenação racial, sincretismo religioso (tradições católicas europeias combinadas com as tradições religiosas africanas), desprezo pelo trabalho manual, costume das famílias livres não ricas em utilizar trabalhadores domésticos e racismo em alguns setores da população branca.
1.2 Portugal
O Reino de Portugal no século XVIII era uma potência decadente, cada vez mais fraca e dependente da Grã-Bretanha em termos econômicos e militares. Sob influência do Iluminismo e buscando recuperar o seu prestígio e poder, o Estado português, governado pela dinastia Bragança, assumiu a forma de um despotismo esclarecido – uma monarquia absolutista reformista “racional”, que aplicava medidas de modernização, reorganizando o mercantilismo. O objetivo era tirar Portugal do seu atraso.
O Reinado de D. José I (1750-1777)
D. José I, monarca absolutista, delegou as tarefas de governo para o seu ministro Marquês de Pombal (Sebastião José de Carvalho e Melo), que, concentrando poder em nome do rei, ampliou a centralização administrativa (chocando-se com a nobreza lusa), aumentou os impostos e buscou limitar a influência comercial dos britânicos. No Brasil, a política pombalina caracterizou-se por um maior controle sobre a colônia, destacando-se as seguintes medidas:
  fortalecimento dos vice-reis;
  extinção das capitanias hereditárias (1759);
transferência do capital do Estado do Maranhão (que abrangia todo o Norte do país desde o Ceará) de São Luís para Belém (1751), para controlar a Amazônia;
transferência da capital do Estado do Brasil de Salvador para o Rio de Janeiro (1763);
  criação de novas companhias comerciais monopolistas;
extinção do imposto da capitação, na região de mineração, substituído pela derrama: cobrança da diferença quando o quinto não atingisse a cota de 100 arrobas anuais (1500 kg), inclusive com confisco de bens e objetos de ouro;
abolição da escravidão indígena (1755) e criação do Diretório dos Índios (1755), instituição encarregada da administração e instrução dos nativos;
expulsão dos jesuítas (1759).
Foi no reinado de D. José I que ocorreu a maior catástrofe da história de Portugal no século XVIII: o terremoto de Lisboa (1 de novembro de 1755), seguido de um tsunami que matou 30 mil pessoas de uma população de 200 mil que viviam na capital portuguesa.
O reinado de D. Maria I (1777-1816)
Com a morte de D. José I em 1777, o trono português foi assumido pela sua filha D. Maria I. A nova monarca destituiu o Marquês de Pombal e suprimiu as companhias comerciais. Mas a política de intensificação do mercantilismo continuou com o lançamento do Alvará de 1785 que proibia indústrias no Brasil. Em 1799, o filho e herdeiro de D. Maria I, D. João, assumiu oficialmente a monarquia portuguesa na condição de príncipe-regente devido aos problemas mentais de sua mãe (que passou a ser chamada de "Maria, a Louca").
1.3 Os primeiros movimentos de independência (1785-1800)
Em 1680-1720, os movimentos nativistas criticavam alguns aspectos do sistema colonial mas não desejaram a independência. No entanto, no final do século XVIII, no quadro de crise do Antigo Sistema Colonial e de um sentimento de aumento da opressão metropolitana emergiram movimentos, na forma de conspirações republicanas, com a intenção de separar o Brasil ou parte do território português na América de Portugal.
A Inconfidência Mineira (1789). A Inconfidência Mineira ou Conjuração Mineira costuma ser considerada o primeiro movimento de independência do Brasil. A Inconfidência foi uma conspiração separatista da elite mineira (entre os inconfidentes estavam os poetas Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antonio Gonzaga), motivada pelo descontentamento com os monopólios e impostos (sobretudo a derrama), pela impopularidade dos governadores de MG (Luís da Cunha Meneses e o Visconde de Barbacena) e pela influência do Iluminismo e da Revolução Americana. Os inconfidentes propunham a criação de uma república, com capital em São João Del Rei, de uma universidade em Vila Rica e de fábricas. A maioria dos conspiradores desejava manter a escravidão. O movimento fracassou: o plano foi mal executado e um dos conspiradores, Joaquim Silvério dos Reis, traiu os demais inconfidentes, que foram presos (maio, 1789). O único executado foi o alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes (21 de abril, 1792).
A Conjuração do Rio de Janeiro (1794). A Inconfidência Mineira fez com que as autoridades portuguesas aumentassem a vigilância sobre os colonos, principalmente os mais letrados (supostamente mais influenciados pelas idéias críticas iluministas). Nessa época foi criada no Rio de Janeiro a Sociedade Literária, uma reunião semiclandestina de intelectuais cariocas para discutir o pensamento político dos iluministas. Sua principal figura era Manuel Inácio da Silva Alvarenga. Não houve conspiração separatista desse círculo literário. Mesmo assim, alarmadas, as autoridades portugueses prenderam os seus membros.
A Conjuração Baiana ou Revolta dos Alfaiates (1798). Em termos de composição social e proposta política, foi o mais radical dos movimentos separatistas do período. A conjuração foi composta pelas camadas pobres, como artesãos (“alfaiates”), a maioria mulatos, negros alforriados e escravos. Em um contexto de decadência econômica de Salvador, a conspiração foi motivada pelo descontentamento com os impostos excessivos e abusos fiscais, pela influência do Iluminismo, da Revolução Francesa e da Revolução Haitiana (uma revolução dos mulatos e escravos negros) e pela difusão do jacobinismo (republicano radical popular) pela sociedade secreta dos Cavaleiros da Luz (uma loja maçônica). Os conjurados tinham a intenção de criar uma república popular e abolir a escravidão. Entretanto foram feitas denúncias que culminaram na prisão dos envolvidos e na execução dos mais humildes (Lucas Dantas, Luiz Gonzaga, João de Deus e Manuel Faustino), em 08 de novembro de 1799.
A Conspiração dos Suaçunas (1801). Essa conspiração foi um movimento de elites de Olinda, Pernambuco, sob influência de sociedades secretas maçônicas (o Areópago de Itambé) que divulgaram o liberalismo e chegaram a entrar em contato com o governo francês (Napoleão Bonaparte) em busca de apoio internacional. Fracassou: os conspiradores foram presos e depois absolvidos.
2. A transferência do Estado Português para o Brasil (1808-1821)
2.1 A invasão de Portugal pelos franceses e espanhóis
Em 1806, Napoleão Bonaparte, em guerra na Europa, lançou o Bloqueio Continental contra a Grã-Bretanha, proibindo os europeus de praticarem comércio com os britânicos. Portugal, dependente desse comércio, oficialmente aderiu ao bloqueio mas, na prática, rompeu-o tolerando o contrabando. Em novembro de 1807, Portugal foi invadido pelos franceses, com apoio da Espanha, resultando na fuga da Corte portuguesa – a família real encabeçada pelo príncipe regente D. João (rei D. João VI em 1816-1826) – e 15 mil pessoas (funcionários, nobres, militares) para o Brasil, escoltados pelos britânicos. Em janeiro de 1808 ela aportou em Salvador, na Bahia, e, em março, se instalou no Rio de Janeiro, transformado na nova sede do Estado português.
2.2 O Governo de D. João VI no Brasil (1808-1821)
D. João fez uma série de reformas que alteraram as relações do Brasil com Portugal. Entre as medidas econômicas, destacaram-se:
A Abertura dos Portos (28 janeiro 1808). Abertura comercial do Brasil com as “nações amigas de Portugal”. Representou o fim do pacto-colonial (prejudicando os comerciantes de Portugal) e o início do livre-comércio (favorecendo as elites brasileiras e a Grã-Bretanha).
A liberdade industrial (1 abril 1808). Revogação do Alvará de D. Maria I (1785) que proibia indústrias no Brasil. Pouco impacto em função da concorrência britânica, desinteresse da aristocracia e persistência do escravismo.
Criação do Banco do Brasil (8 outubro 1808). Visa cobrir os gastos do governo e promover o comércio.
Os tratados com a Grã-Bretanha de “aliança e amizade” e de “comércio e navegação” (1810).
– Redução das tarifas alfandegárias, favorecendo os britânicos: 15% de taxa para a importação de produtos britânicos, 16 % para os produtos portugueses e 24 % para os de outras nações.
– Compromisso do governo português em acabar paulatinamente com o tráfico negreiro: influência do liberalismo político britânico, interesses da Grã-Bretanha em reduzir a concorrência dos produtos coloniais brasileiros aos de suas colônias no Caribe e em ampliar o mercado consumidor, substituindo os escravos por trabalhadores livres.
– Direito de extraterritorialidade dos britânicos no império português: britânicos estariam protegidos do judiciário português e deveriam ser julgados por uma autoridade escolhida por eles.
Em termos de política externa, o governo de D. João no Brasil tomou as seguintes medidas:
Conquista da Guiana Francesa (1809-1815): ocupação de Caiena. Resultado das Guerras Napoleônicas. Devolvida à França no Congresso de Viena.
Elevação do Brasil à Reino Unido com Portugal (1815). Legitimou a permanência da Corte no Brasil e seu domínio sobre Portugal. Resultado das negociações diplomáticas no Congresso de Viena.
A Conquista do Uruguai (1816): antiga colônia espanhola do Sacramento ou Banda Oriental. Impediu o domínio argentino na região do Prata e sufocou a independência do Uruguai, transformado na Província Cisplatina.
A presença da Corte no Brasil também favoreceu o desenvolvimento cultural, principalmente do Rio de Janeiro, destacando-se a criação de jornais, bibliotecas, museus, escolas técnicas e academias. Com o final das Guerras Napoleônicas e o restabelecimento de relações diplomáticas com a França, ampliou-se a influência cultural francesa no Brasil, embora o domínio econômico permanecesse com a Grã-Bretanha.
Problemas do governo de D. João VI
Apesar das vantagens materiais (principalmente para parte das elites econômicas e das camadas médias) e do novo status internacional do Brasil, o governo de D. João VI foi acompanhado de uma série de problemas:
Um Estado separado da sociedade. Uma monarquia absolutista ultrapassada, corrupta e estrangeira; burocracia inchada, com a maioria dos cargos públicos monopolizados pelos portugueses; despesas elevadas exigindo muitos impostos dos brasileiros.
Ambiguidade e contradições da política econômica. Medidas liberais: o mínimo necessário para viabilizar a permanência da Corte no Brasil e para atender às pressões inglesas. Persistência do colonialismo: favorecer ao máximo possível os portugueses no Brasil (isenção de taxas, facilidades de importação, licenças e alvarás).
A ascensão da aristocracia rural brasileira. Conflito com os portugueses: por mais direitos políticos e cargos públicos, contra os últimos privilégios lusitanos. Crescimento da maçonaria, organizações secretas de origem europeia com caráter místico, que divulgavam as ideias liberais, reunindo no Brasil representantes da aristocracia e das camadas médias que defendiam a independência. A aristocracia estava dividida quanto ao futuro do Brasil em dois grupos: um mais conservador e outro mais radical.
– Conservadores: evitar uma revolução popular; tentar um acordo com os portugueses dividindo o poder; eliminar o absolutismo.
– Radicais: fazer uma revolução antilusitana; aliança com as camadas médias e os pobres; tendência republicana.
A Revolução Pernambucana (1817)
A primeira revolução no Brasil, a Revolução Pernambucana tentou instalar uma república independente (os movimentos anteriores de independência não passaram do estágio de conspiração). A revolução foi motivada pela crise econômica no nordeste (seca, dificuldades em exportar açúcar e algodão), pela insatisfação com os privilégios comerciais dos portugueses, com o absolutismo de D. João VI e o autoritarismo do governador Caetano Pinto de Miranda Montenegro e com os impostos elevados. A Revolução Pernambucana teve também uma forte influência do liberalismo, da Revolução Americana, da Revolução Francesa, da independência das colônias espanholas na América do Sul. O movimento foi liderado pelos radicais, com apoio popular e participação do clero. Houve luta armada contra os portugueses e a tomada do poder pelos revolucionários em Recife (março-maio, 1817), que criaram um governo provisório com Domingos Teotônio Jorge, Domingos José Martins e Padre João Ribeiro, entre outros. A revolução fracassou diante da violenta repressão de D. João VI: execução dos líderes, centenas de mortos e prisioneiros.
A Revolução do Porto (1820)
A Revolução do Porto foi uma revolução liberal (“burguesa”) em Portugal com reflexos no Brasil. Seus motivos foram: (I) a influência do liberalismo e da Revolução Constitucionalista Espanhola; (II) a crise econômica em Portugal, resultado das Guerras Napoleônicas e da abertura dos portos brasileiros; e (III) a anglofobia: contra a presença militar e o domínio econômico britânico em Portugal. Os objetivos da revolução foram contraditórios em termos de liberalismo. No sentido político, ela tinha a intenção de criar de uma constituição liberal que reduziria o poder do rei D. João VI. Mas no sentido econômico, os revolucionários queriam recolonizar o Brasil, anulando a abertura dos portos e retornando ao pato-colonial. Os momentos mais importantes da Revolução do Porto foram:
Agosto, 1820. Eclosão da Revolução em Portugal.
Janeiro, 1821. Reunião das Cortes (assembléia constituinte que assumiu o governo de Portugal), controladas pela burguesia portuguesa. Exigiram o retorno de D. João VI para Portugal.
Fevereiro, 1821. Revolta militar-popular no Rio de Janeiro favorável às Cortes. Exigiu o retorno de D. João VI a Portugal para jurar a Constituição do Reino Unido.
Março, 1821. Eleições no Brasil (as primeiras da história). Deputados brasileiros foram para Portugal para tentar elaborar uma constituição comum aos dois países, buscando um compromisso com as Cortes e a manutenção do Reino Unido.
Abril, 1821. D. João VI retornou a Portugal. Seu filho D. Pedro ficou no Rio de Janeiro como “Príncipe regente do Brasil”.
2.3 A Regência de D. Pedro no Brasil (1821-1822)
A situação política no Brasil
Como consequência da Revolução do Porto, houve uma rápida expansão das ideias revolucionárias liberais e o crescimento da maçonaria no Brasil. Formaram-se três grupos políticos rivais:
Partido Português: comerciantes e militares portugueses favoráveis às Cortes e à recolonização do Brasil.
Partido Brasileiro: aristocracia rural conservadora e alguns portugueses que haviam se beneficiado com a presença da monarquia no Brasil. Defendiam inicialmente a manutenção do Reino Unido, mas com livre comércio e maior autonomia para o Brasil.
Liberais radicais: minoria da aristocracia e classe média, defensores da independência total do Brasil.
A aliança entre D. Pedro e a aristocracia rura
Rapidamente, setores da aristocracia rural aproximaram-se de D. Pedro, resultando em uma aliança entre ambos por motivos diferentes. D. Pedro não queria ver a sua autoridade limitada pelas Cortes de Portugal e também desejava assumir a liderança da independência do Brasil, para evitar sua radicalização (expulsão total dos portugueses, cortar todos os laços com Portugal etc). A aristocracia desejava evitar a recolonização pelas Cortes e garantir maior autonomia para o Brasil, se necessário com a independência mas sem uma revolução popular.  O setor da aristocracia que mais apoiou D. Pedro contra as Cortes foram os fazendeiros conservadores do Rio de Janeiro e de São Paulo, representados por José Bonifácio de Andrada. Ele foi o articulador da aliança entre o príncipe e a classe dominante brasileira, feita também pela maçonaria. Contudo, surgiram problemas para a autoridade de D. Pedro que ameaçavam também interesses da aristocracia: (I) as Cortes de Portugal (através do exército português) controlavam parte do território brasileiro: Pará, Maranhão, Bahia e Cisplatina; (II) os radicais ameaçavam fazer uma revolução popular que nem a aristocracia rural (“partido brasileiro”) e D. Pedro desejavam.
As medidas recolonizadoras das Cortes e o conflito com o Brasil
A tensão política entre Brasil e Portugal cresceu a partir do segundo semestre de 1821 em razão de uma série de medidas tomadas pelas Cortes e por D. Pedro:
Setembro, 1821. As Cortes extinguem vários tribunais e repartições no Brasil e determinam que D. Pedro volte a Portugal.
Outubro, 1821. As Cortes decidem enviar mais tropas para o Brasil.
9 de janeiro, 1822. “Dia do Fico”. Desafiando as ordens das Cortes, D. Pedro aceita uma petição de brasileiros (aristocracia e radicais) para permanecer no Brasil. No dia 16, D. Pedro nomeia um ministério com brasileiros, encabeçado por José Bonifácio.
Fevereiro, 1822. Com recursos dos fazendeiros do RJ, SP e MG (“Partido Brasileiro”) D. Pedro organiza um exército e as forças portuguesas do general Avilez abandonam o Rio de Janeiro. Início da luta armada na Bahia entre portugueses e brasileiros.
Maio, 1822. O “Cumpra-se”. D. Pedro decreta que qualquer medida das Cortes só seria obedecida no Brasil com sua autorização. Ele recebe da Câmara do Rio de Janeiro o título de Defensor Perpétuo do Brasil.
Junho, 1822. Sob influência dos radicais, D. Pedro convoca uma Assembleia Nacional Constituinte no Brasil com o voto censitário.
7 setembro, 1822. D. Pedro proclama formalmente a Independência do Brasil.
Dezembro, 1822. Coroação de D. Pedro I como Imperador do Brasil.

Sugestões de leituras. A melhor síntese sobre o assunto continua sendo o História do Brasil (EDUSP, 1994), de Boris Fausto. Veja também o História de Portugal (Esfera dos Livros, 2009), de Rui Ramos. Um ótimo estudo recente é o História do Brasil Nação, Volume I - Crise Colonial e Independência 1808-1830 (Objetiva, 2012), obra coletiva dirigida por Lilia M. Schwarcz. Outro bom livro é o 1808 (Planeta, 2008), de Laurentino Gomes.