2. A NOVA ONDA REVOLUCIONÁRIA (1820-1848)
A Restauração e o Concerto da Europa
conseguiram evitar uma guerra entre as potências ocidentais por quase meio
século, mas fracassaram no objetivo de manter o Antigo Regime e as novas fronteiras
em algumas partes do continente. Além disso, a crise do antigo sistema colonial
espanhol e português aprofundou-se. De fato, ainda durante as Guerras
Napoleônicas iniciou-se o processo de independência da América Latina
(1804-1825), que o Congresso de Viena não conseguiu impedir. O apoio da
Grã-Bretanha e dos EUA, por sua vez, deixou a Santa Aliança impotente para
intervir na região, que conseguiu se separar da Espanha e de Portugal. Na
Europa, a herança da Revolução Francesa e do impacto da dominação napoleônica,
o desenvolvimento da sociedade urbano-industrial e a expansão do liberalismo e
do nacionalismo, acabariam desencadeando novas revoluções nacionalistas e
liberais que desafiaram o sistema de Viena em 1820, 1830 e 1848.
2.1 A onda
revolucionária europeia da década de 1820
Os
revolucionários carbonários (sociedades
secretas revolucionárias) insurgiram-se na Espanha (1820-1822) e no Reino de
Nápoles (1820-1821), mas
fracassaram com a falta de apoio popular e a intervenção militar da Santa
Aliança (França e Áustria). Na Grécia (1821-1829), o movimento insurrecional
nacionalista contra a dominação turca foi vitorioso e conseguiu a independência
do país. Para tanto foram decisivos o apoio dos bandoleiros e pastores
helênicos, e a intervenção estrangeira (britânicos, franceses e russos) contra
o Império Turco Otomano.
2.2 A onda
revolucionária europeia de 1830
a) Na França
■ Antecedentes. O Congresso de Viena
apoiou a restauração da dinastia Bourbon e a ascensão do rei Luis
XVIII (reinado 1814-1824), que encabeçou uma monarquia centralizada
constitucional. O novo monarca procurou conciliar a nobreza e a burguesia, equilibrando-se
entre os ultrarrealistas (defensores do absolutismo e dos privilégios aristocráticos)
e os liberais. Com a morte de Luis XVIII, seu irmão Carlos X, líder dos ultrarrealistas, assumiu o trono (1824-1830) e
tentou restaurar o absolutismo e favorecer a nobreza e a Igreja, entrando em
confronto com os liberais. A insatisfação popular aumentou e o rei enviou uma
expedição para conquistar a Argélia, em 1830, para desviar a atenção da crise
política. A aventura colonial foi bem-sucedida, mas a oposição se radicalizou,
precipitando uma nova revolução no país.
■ 1830 – A
Revolução de Julho. Derrubada de Carlos
X (queda definitiva dos Bourbons) por uma revolução liberal popular. Instalação
de uma monarquia parlamentarista com Luis Filipe, da dinastia Orleáns.
b) Em outros
países
A
Revolução de Julho na França estimulou outras revoluções liberais e
nacionalistas na Europa, sobretudo na Bélgica e Itália.
■ A Bélgica ficou independente da
Holanda, com apoio da Grã-Bretanha e da França, adotando uma monarquia
parlamentar.
■ Na Itália, fragmentada
politicamente, as revoluções nacionalistas fracassaram (intervenção militar
contra-revolucionária da Áustria). Na Alemanha, alguns monarcas tiveram
que abdicar e constituições foram introduzidas. Na Polônia (domínio da
Rússia), o movimento nacionalista assumiu o controle de Varsóvia, mas acabou
sendo suprimido em 1831 pelos russos.
■ Também estimulou a luta dos liberais no Brasil
contra o absolutismo de D. Pedro I.
2.2
A onda revolucionária europeia de 1848
O movimento revolucionário de
1848, conhecido como a “Primavera dos Povos”, foi único na história da
Europa: nunca tantas revoluções ocorreram de maneira tão simultânea e rápida
como nesse período, só comparável à onda de democratização do Leste europeu em
1989-1991 com a queda dos regimes socialistas. Ele foi também um movimento de
massas, dos trabalhadores pobres, que acabaram arrastando os liberais contra sua
vontade. O centro da onda revolucionária de 1848 foi a França, mas as condições
para a revolução eram mais generalizadas no continente:
■ Uma crise econômica em 1847-1848:
colheitas insuficientes, escassez de alimentos, superprodução industrial,
desemprego.
■ O crescimento do proletariado em uma
situação de empobrecimento dos trabalhadores.
■A expansão das idéias democratas radicais
e socialistas utópicas.
a) Na França
■ Antecedentes. A Monarquia de Julho: o
reinado de Luis Felipe (1830-1848). Era um regime baseado no liberalismo
clássico (voto censitário, não-intervenção estatal), a “Era de Ouro” da
burguesia francesa, sob hegemonia do setor financeiro. Expansão industrial,
crescimento do proletariado e consolidação do domínio francês na Argélia, transformada
na principal colônia da França. Quando estourou a crise econômica de 1847-1848,
aumentou a pressão popular exigindo reformas democráticas, garantia de trabalho
e direitos sociais. Nessa conjuntura, ocorreu a expansão das ideologias do
radicalismo (democracia liberal com assistencialismo) e do socialismo utópico
(Louis Blanc, defendendo fábricas ou oficinas estatais para os desempregados).
O governo do primeiro-ministro liberal Guizot tentou proibir reuniões
políticas da oposição, precipitando uma nova revolução.
■ A Revolução de Fevereiro. Nos dias
22-25 de fevereiro de 1848, a monarquia foi derrubada por um levante popular em
Paris (abdicação de Luis Felipe) e a Segunda República Francesa
proclamada. Um governo provisório foi instalado (fevereiro-maio), numa aliança
entre liberais, radicais e socialistas utópicos, que, por pressão dos trabalhadores
e da esquerda, estabeleceu oficinas estatais. Nas eleições para a Assembleia
Constituinte em abril os republicanos moderados venceram, fortalecendo os liberais
no governo provisório.
■ A Revolução de Junho. Em
junho, o governo provisório fechou as oficinas estatais (eram deficitárias e
incompatíveis com o ideal liberal que tentava se impor). A esquerda rompeu com
o governo e, em 23-26 de junho, estourou uma insurreição dos trabalhadores
de Paris e dos socialistas utópicos, sufocada pelo governo provisório
(repressão do general Cavaignac).
■ A Segunda República (1848-1852).
Instalada na Revolução de Fevereiro, foi confirmada pela constituição
promulgada em novembro. A França se tornou uma democracia liberal, com sufrágio
universal masculino. O sobrinho de Napoleão Bonaparte, Luis Napoleão (Charles
Louis Napoleon Bonaparte), foi eleito presidente derrotando os liberais e
socialistas.
b) Em outros países
A crise econômica generalizada na Europa, a
expansão das ideologias democrática e nacionalista no Ocidente e o exemplo dos
acontecimentos políticos na França estimularam uma série de revoluções em
outros países europeus – a “Primavera dos Povos” (1848-1849).
■ Itália:
insurreições populares democráticas e nacionalistas (líderes Mazzini, Garibaldi)
a favor da unificação italiana. Fracassam em razão do recuo da burguesia diante da radicalização popular, intervenções
militares da França e da Áustria.
■ Alemanha: insurreições populares
democráticas e nacionalistas a favor da unificação alemã, também fracassam
diante do recuo dos liberais, que temiam a radicalização e a ação do
proletariado.
■ Áustria: insurreições democráticas
e nacionalistas a favor da independência dos povos eslavos e dos húngaros
dominados pelos alemães austríacos, fracassam pelos mesmos motivos das outras
revoluções (recuo dos liberais, intervenção militar russa)
3.
A GRÃ-BRETANHA EM 1815-1850
A Grã-Bretanha (mais precisamente o Reino
Unido da Grã-Bretanha e Irlanda) era a maior potência econômica, colonial e
naval do século XIX. Ela era a principal representante do liberalismo,
destacando-se como defensora e propagadora do ideal do livre-comércio em todo o
mundo. Do início do século XIX até a segunda metade do século XX, a
Grã-Bretanha foi também a maior potência imperialista do mundo, dominando um
gigantesco império colonial (a Índia era a principal colônia) – o mais extenso
da história. O seu enorme poder financeiro e comercial e sua hábil política de
alianças, visando o equilíbrio do poder na Europa, já podiam ser notados no
século XVIII, mas foram ampliadas e aperfeiçoadas a partir de 1815 com a
aceleração da Revolução Industrial (em que era pioneira), a consolidação do
capitalismo e a derrota da França (a sua maior rival) nas Guerras Napoleônicas.
A supremacia britânica traduziu-se na Pax Britannica – o quadro
internacional de 1815-1914 caracterizado pela capacidade da Grã-Bretanha, por
meio do seu poder econômico, diplomacia e influência, de manter a paz entre as
grandes potências da Europa, evitando uma guerra generalizada no continente,
embora não tenha conseguido impedir conflitos localizados envolvendo duas ou
três potências, ou guerras de conquistas coloniais em outras partes do mundo
(muitas partindo de sua própria iniciativa na Ásia, África e Oceania). O apogeu
do poderio britânico coincidiu com o reinado da rainha Vitória (1837-1901) – a Era
Vitoriana.
■ O Estado britânico.
A Grã-Bretanha possuía um regime liberal com uma monarquia parlamentar
(dinastia Hanover, 1714-1901), com o primeiro-ministro dependendo do Parlamento
para conduzir o governo. Até a década de 1830, seu sistema político era oligárquico,
baseado no voto censitário, que garantia o domínio de uma elite capitalista –
um bloco heterogêneo de aristocratas (a nobreza dos lordes e da gentry, grandes
proprietários rurais) e burgueses (banqueiros, grandes comerciantes e
industriais). Porém, graças ao sistema eleitoral distorcido, a aristocracia
agrária detinha a hegemonia no Parlamento e no governo. Dois partidos políticos
se destacavam: o Tory (mais conservador e ligado à aristocracia) e o Whig
(mais liberal e ligado à burguesia). Questões religiosas continuavam tendo um
peso na política britânica, com os tories favorecendo a Igreja Anglicana e
resistindo à concessão de direitos políticos plenos aos católicos e aos
protestantes dissidentes. A oligarquia agrária também era intolerante em relação
aos direitos dos trabalhadores (Lei da Associação, de 1799, proibindo
sindicatos ou trade-unions). As reformas de 1820-1850, contudo,
iniciaram o processo de democratização do regime. Na década de 1830, os tories
originaram o Partido Conservador e os whigs o Partido Liberal.
Ambos se revezaram no poder até o início do século XX. Em 1900, uma nova
organização surgiu no cenário político britânico – o “Comitê de Representação
Trabalhista”, de origem operária, sindical e socialista. Em 1906, o “Comitê”
adotou o nome de Partido Trabalhista, o principal partido da esquerda
britânica.
■ A pressão por
reformas. Os tories governaram a Grã-Bretanha em 1807-1830, favorecendo os
interesses da aristocracia, principalmente com medidas protecionistas contra a
concorrência do trigo importado, mais barato (Leis do Trigo ou Corn
Laws, 1815) – um protecionismo que encarecia o custo de vida e
aumentava a pressão dos trabalhadores pela elevação dos salários. Os anos de
1810-1820 foram marcados pela agitação popular, com uma série de tumultos. Em
1811-1818, o Movimento Ludita (derivado de “Ned Ludd”) caracterizou-se
pela destruição de máquinas pelos trabalhadores manuais e artesãos arruinados
pela expansão da maquinofatura desencadeada pela Revolução Industrial. Em 1819,
a repressão aos tumultos em Manchester (o Massacre de Peterloo)
foi seguida de medidas autoritárias contra o crescimento das agitações
populares. No entanto, a industrialização, a urbanização, o crescimento de
novos grupos sociais (burguesia industrial, classe média, proletariado) e a
expansão das ideias radicais (soberania popular, igualdade política) em um
contexto de aumento das desigualdades sociais e da pobreza, resultaram no
aparecimento de um movimento por reformas democráticas que acabaram
reduzindo o poder tradicional da aristocracia – sem uma revolução e sem
destituí-la do poder (ela perdeu a hegemonia e a direção do Estado, mas
continuou participando do sistema político). As reformas ampliaram a tolerância
religiosa, o direito de voto e a participação política, além de estabelecerem o
livre-comércio. Iniciadas pelos “jovens tories” (a ala moderada do governo
tory: Robert Peel, George Canning) em 1822-1829, as reformas foram ampliadas
pelo governo whig ou liberal em 1830-1841, continuaram com os conservadores em
1841-1846 e nas décadas seguintes novamente pelos liberais Os principais
momentos das reformas foram:
– 1824. Reconhecimento dos sindicatos
– 1828. Abolição das restrições políticas aos
protestantes dissidentes
– 1829. Emancipação Católica: os católicos adquirem plenos direitos
políticos.
– 1832. Primeiro Ato de Reforma: modificou o sistema eleitoral em benefício
do eleitorado urbano, que foi ampliado (extensão do voto à classe média). A
burguesia industrial passou a controlar o Parlamento em detrimento da
aristocracia.
– 1833. Primeira Lei das Fábricas: limitação da jornada do
trabalho infantil, inspeções governamentais.
– 1833. Abolição da escravidão
– 1834. Lei dos Pobres. Reunião dos pobres em
oficinas públicas responsáveis pelos assistencialismo (mas as condições de vida
eram péssimas).
– 1839-1848. Movimento Cartista. O primeiro programa
político do movimento operário, reivindicava o sufrágio universal, o voto
secreto e a democracia por meio de petições nacionais que recolheram 1,3
milhões de assinaturas Tumultos ocorreram em algumas cidades mas o Cartismo
fracassou.
– 1846. Fim da Lei do Trigo. Introdução do
livre-comércio, triunfo do liberalismo econômico (a “Escola de Manchester”)
– 1867 e 1884. Novos Atos de Reforma. Extensão do voto à amplos
setores dos trabalhadores urbanos e, principalmente, dos trabalhadores rurais.
QUADRO 1
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A QUESTÃO IRLANDESA
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A Irlanda foi a primeira colônia da
Inglaterra. O país começou a ser conquistado pelos ingleses no século XIII,
mas a dominação efetiva só ocorreu a partir do século XVII. O domínio britânico
(protestante) gerou muita resistência e rebeliões dos irlandeses (católicos),
a mais séria em 1798. Para tentar integrar os irlandeses ao Estado britânico
e eliminar seu espírito separatista, foi feito o Ato de União (1800),
estabelecendo o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda. Mas como a maioria da
população era católica e os católicos estavam excluídos da participação
política, a insatisfação continuou, diminuindo um pouco com a Emancipação Católica (1829). Contudo,
o nacionalismo irlandês, as históricas rivalidades religiosas e o ressentimento
com o fato dos britânicos controlarem muitas terras dificultavam a aceitação
da União. A situação se agravou em 1845-1846 com a Grande Fome Irlandesa,
precipitada pela praga nas plantações de batata (alimento básico dos pobres):
de uma população de 8,3 milhões, 1 milhão morreram e outro 1 milhão emigrou
para os EUA. A comunidade irlandesa nos EUA fundou em 1858 a sociedade
secreta dos Fenianos, com objetivo de obter a independência da Irlanda
por métodos violentos. Os Fenianos desfecharam ataques no Canadá e na
Grã-Bretanha na década de 1860, mas a organização não conseguiu apoio popular
e fracassou (o IRA ou Exército Republicano Irlandês, criado em
1919, reviveu os objetivos e métodos dos Fenianos). Nas últimas décadas do
século XIX, emergiu o movimento pela autonomia política da Irlanda dentro do
Reino Unido (a Home Rule), baseada na criação de um Parlamento
irlandês. No entanto, essa proposta enfrentou muita resistência da comunidade
protestante na Irlanda que, por ser minoria, temia ser governada pela maioria
católica. A Home Rule acabou sendo instituída em 1921 depois da Guerra
Anglo-Irlandesa (1919-1921), mas com a divisão da Irlanda: o sul e centro
viraram o Estado Livre da Irlanda (maioria católica), com um Parlamento
na capital Dublin, separado do norte ou Ulster (maioria protestante),
com capital em Belfast. Mas a essa altura, os irlandeses católicos
reivindicavam uma autonomia maior. O movimento republicano cresceu na década de
1930 no Estado Livre da Irlanda, que adotou o nome de Eire em 1936. Em
1949, o Eire proclamou a independência com o nome de República da Irlanda,
reconhecida pela Grã-Bretanha. Mas os confrontos entre os nacionalistas
católicos e os protestantes cresceram no Ulster (que continuou sendo parte do
Reino Unido) na segunda metade do século XX, destacando-se as ações terroristas
do IRA (que deseja a independência do país para uni-lo ao Eire) e de
organizações anticatólicas (contrárias ao separatismo).
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