(Vejam a postagem 14)
Pessoal, mais um texto interessante sobre a crise política do Egito, agora contextualizando os acontecimentos do país no conturbado cenário do Oriente Médio das últimas três décadas. O texto tem vários links. Também está na Veja digital (www.veja.abril.com.br) e saiu no dia 2 de fevereiro de 2011.
Mundo árabe: constantes revoluções, mas sem democracia
O mundo árabe vive, nos últimos dias, uma onda de protestos antigoverno iniciada a partir da Revolução do Jasmim, na Tunísia. Lá, os manifestantes conseguiram tirar do poder o ditador Zine El Abidine Ben Ali, que comandava o país há 23 anos. Foi o estopim para que populares saíssem às ruas no Egito, Iêmen, Argélia, Sudão e Jordânia. Não é a primeira vez que revoltas populares fazem a história dar um de seus saltos à frente nos países islâmicos. Mas, em regiões com histórico tão delicado, a fúria das ruas faz emergir o risco de ascensão dos fundamentalistas.
Um dos ápices do furor revolucionário no Oriente Médio foi a derrubada da monarquia e a criação da primeira república islâmica no Irã, em 1979. Como resultado dessa revolução, o Irã é hoje o único país da região absolutamente teocrático, ou seja, dirigido pelo clero muçulmano a partir não de leis votadas em parlamento, e sim das regras do Corão. O regime permitiu que radicais como Mahmoud Ahmadinejad chegassem à Presidência. Eleito em 2005 com o voto dos miseráveis da periferia das cidades iranianas, Ahmadinejad costuma chocar o mundo com suas ameaças verbais e demonstrações de força.
Ao fraudar pateticamente as eleições iranianas para reeleger-se, em 2009, Ahmadinejad deu início a uma outra onda de protestos que agitou o mundo árabe. Naquele ano, porém, a violência das forças de segurança conseguiu conter a fúria dos manifestantes. Ao menos 10 jovens morreram pelas mãos da polícia durante as manifestações – entre eles Neda, a garota que se tornou símbolo da truculência dos regimes autoritários. Ela foi morta com um tiro na cabeça diante das câmeras em um protesto. As manifestações no Irã tornaram-se o mais extraordinário exemplo das potencialidades do Twitter. Muitos iranianos recorriam à rede para organizar protestos e denunciar abusos do governo. O movimento chegou a ser saudado como “revolução do Twitter”.
Em 2005, foi a vez do Líbano ser palco de manifestações da vontade popular no mundo árabe. Pela primeira vez, a palavra intifada – rebelião, em árabe – foi usada nessa parte do mundo para caracterizar um movimento inteiramente pacífico. Pela primeira vez, enormes massas saíram às ruas pedindo o básico em boa parte do planeta, mas mercadoria escassa entre seus vizinhos: liberdade, soberania, justiça. Pela primeira vez, guiadas pelo mais arrebatado realismo, pediram – e conseguiram – o impossível: a retirada das tropas sírias que entraram no país em 1976. O país, porém, vive numa corda bamba constante na tentativa de equilibrar as variadas facções religiosas e políticas que se estabeleceram desde a guerra civil de 1990. Ronda o Líbano também o perigo de ascensão do Hezbollah, o cada vez mais poderoso movimento político, religioso e militar dos radicais xiitas.
Assim como se viu na Tunísia, a onda de manifestações no Líbano deu origem a uma série de outras. No Iraque, o protesto não foi na porta da embaixada americana, mas na da Jordânia, acusada de facilitar a entrada no país das ondas de suicidas que, em nome da guerra aos Estados Unidos, trucidam diariamente civis iraquianos. No Catar, viu-se um ato de repúdio ao terrorismo, permeado por frases singelas como: “Residentes estrangeiros, nós amamos vocês”. As manifestações tiveram resultados, ainda que tímidos – eleições presidenciais pluripartidárias, mas não muito, no Egito e modestas eleições municipais na Arábia Saudita.
As fronteiras do mundo árabe foram riscadas na areia depois da I Guerra. A mistura mal costurada de tribos, povos, religiões nunca foi fácil de administrar. Talvez a solução esteja na democracia, sistema político que não experimentaram. A derrubada de um regime autoritário, contudo, infelizmente não garante que a ele se sucederá uma democracia com direitos e liberdades universais. Com a falência do nacionalismo laico e a quase inexistência de correntes identificadas com as tradições democráticas, o Islã politizado é praticamente a única alternativa hoje existente na vasta maioria do mundo muçulmano.
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