1. Os EUA: expansão e guerra
civil
As raízes da ascensão dos EUA como a maior potência capitalista e industrial do mundo, no final do século XIX, estão ligadas a dois acontecimentos fundamentais em 1800-1865: a expansão territorial americana, que ampliou extraordinariamente o tamanho do país, e a guerra civil, que eliminou a escravidão.
1.1 A
expansão territorial
Na primeira metade do século XIX, os EUA
triplicaram o seu território, que assumiu dimensões continentais. Esse rápido e
gigantesco crescimento – chamado genericamente de “a conquista do Oeste” –
forneceu aos EUA uma abundância de recursos naturais e terras agrícolas que
nenhuma nação capitalista conseguiu obter (a Rússia possuía um território maior,
mas era economicamente mais atrasada, e a Grã-Bretanha dominava um imenso
império ultramarino, espalhado pelo mundo). A expansão ocorreu principalmente
pela compra de territórios, em alguns casos em razão da pressão dos EUA. De uma
maneira geral, os americanos foram bem-sucedidos nesse processo expansionista e
só fracassaram na tentativa de tomar o Canadá do Império Britânico.
Dificuldades maiores também surgiram durante a independência da América
espanhola, quando a Espanha ameaçou recolonizar seus territórios e fortalecer
seu domínio na América do Norte ou, o que era mais perigoso (na visão
americana), a Rússia e a França pareciam querer conquistar essas colônias. Mas
essas possibilidades acabaram contornadas pela oposição dos EUA e,
principalmente, da Grã-Bretanha a recolonização da América Latina, abrindo o
caminho para a continuação da expansão americana no oeste da América do Norte.
a)
Principais momentos da expansão:
■ 1803. Compra da Louisiana, uma
enorme colônia francesa no meio-oeste americano. Vendida por Napoleão Bonaparte
– que desistiu de investir na colonização da América por causa das dificuldades
em dominar
Saint Domingue (Haiti), envolvida em uma revolução de
escravos – durante o governo de Thomas Jefferson (1801-1809), por 15
milhões de dólares.
■ 1812-1814.
Guerra Anglo-Americana. Chamada também de
“Segunda Guerra de Independência” entre os EUA e a Grã-Bretanha, durante o
governo de James Madison (1809-1817). A guerra foi causada por dois
fatores: (I) os interesses dos grupos expansionistas americanos, conhecidos
como os “falcões de guerra”, em tomar o Canadá da Grã-Bretanha; (II) os ataques
da Grã-Bretanha aos navios americanos que tentavam romper o bloqueio naval
britânico imposto à França durante as Guerras Napoleônicas. As ações britânicas
foram o pretexto para os EUA declararem guerra e invadirem o Canadá. Contudo, a
guerra não contou com muito apoio interno e a invasão do Canadá fracassou. Por
sua vez, os britânicos invadiram a costa leste, incendiaram a capital,
Washington (inclusive a Casa Branca e o Capitólio, no maior ataque que os EUA
sofreram em seu território até os atentados de 11 de setembro de 2001) e se
retiraram. A costa sul foi também atacada e Nova Orleans cercada, mas as forças
britânicas acabaram expulsas. Diante do impasse militar e da impopularidade do
conflito nos dois países, EUA e Grã-Bretanha restabeleceram a paz no Tratado de
Ghent (1814), sem alterações territoriais.
■ 1819. Compra da Flórida. Colônia
espanhola vendida (sob pressão americana) no governo James Monroe (1817-1825),
por 5 milhões de dólares.
■ 1823. A Doutrina Monroe.
Apoio dos EUA à independência da América Latina e contra a recolonização da
região. Elaborada pelo secretário de Estado John Quincy Adams no governo de
James Monroe. Famosa pelo lema “A América para os americanos” (complementado
por “A Europa para os europeus”), ela foi lançada no momento em que as colônias
espanholas e o Brasil lutavam para ser tornar independentes, em meio as ameaças
de que a Santa Aliança ajudaria a Espanha a reconquistar seus territórios e que
a Rússia ou a França poderiam tentar conquistá-las. A Grã-Bretanha apoiou a
Doutrina e chegou a propor uma aliança com os EUA contra a recolonização,
rejeitada pelos americanos. A Doutrina Monroe foi bem-vista pela América Latina
na época da independência, mas desde o final do século XIX ela passou a ser
considerada, na visão latino-americana, um instrumento do imperialismo
americano – um pretexto para os EUA exercerem sua hegemonia na região.
■ 1845. O
Destino Manifesto. Ideologia utilizada
para justificar a expansão territorial dos EUA, afirmando que o país, pela sua
natureza e poder – vistos como uma Graça divina, em uma interpretação de origem
calvinista – estava predestinado a controlar a América do Norte. Essa idéia já
existia no final do século XVIII e ganhou impulso com a aquisição da Lousiana,
mas a expressão só apareceu em 1845, criada por um editor de Nova York, John L.
O’Sullivan.
■ 1845.
Anexação do Texas. O Texas era uma
província do México que, sob estímulo do governo mexicano, foi povoada por
colonos americanos, sobretudo sulistas. Por volta de 1830, cerca de 20 mil
deles tinham se fixado no território. Alarmado, o governo mexicano tentou
conter a imigração americana e proibir a escravidão na província (o México
tinha abolido o trabalho escravo em 1829). Por sua vez, os colonos americanos,
acostumados com as tradições liberais dos EUA, entraram em confronto com a
ditadura do presidente mexicano, o general Antonio López de Santa Anna.
O resultado foi a Revolução Texana (1835-1836) – a luta pela
independência do Texas, dirigida pelos colonos americanos (os texanos, que
incluíam também os mexicanos locais). Santa Anna foi derrotado e forçado a
reconhecer a República do Texas (1836-1845), presidida por Sam
Houston. Os texanos imediatamente pediram a união com os EUA mas, temendo o
crescimento do número de estados escravistas no país, os estados do Norte
resistiram a proposta. Somente em 1845, por iniciativa do secretário de Estado John
C. Calhoum e do presidente John Tyler (1841-1845), o Congresso
americano aceitou a anexação do Texas, sob protestos do México.
■ 1846.
Anexação do Oregon. Território no
noroeste, reivindicado pelos EUA e Grã-Bretanha. Os dois países fizeram um
acordo, no governo James Polk (1845-1849) e dividiram a região, pelo
paralelo 49o, que constituiu a fronteira entre os EUA e o Canadá.
■ 1846-1848. Guerra Mexicano-Americana. Ocorrida no governo James
Polk, um ardoroso adepto do Destino Manifesto. Polk propôs ao México
comprar o noroeste do país, ao norte do Rio Grande. Os mexicanos, inconformados
pela anexação do Texas, recusaram e forças militares dos dois países entraram
em choque no Rio Grande, precipitando a guerra. O conflito foi um desastre para
os mexicanos, apesar deles possuírem um exército 4 vezes maior do que o
americano, ainda que mal treinado. Com efeito,
os EUA invadiram o México e tomaram a capital, Cidade do México
(setembro 1847). Derrotados, os mexicanos assinaram o Tratado de Guadalupe
Hidalgo (fevereiro 1848) e tiveram que ceder os territórios reivindicados
pelos EUA, oficialmente vendidos por 15 milhões de dólares – a Califórnia, Novo
México, Arizona, Utah, Colorado e Nevada. Com isso, os EUA concluíram a
anexação do Oeste (em 1853 comprariam ainda do México um pequeno território no
noroeste do país – a compra Gadsden) e obtiveram acesso ao Pacífico e passaram
a controlar a cidade de São Francisco, com o seu excelente porto.
■ 1867.
Aquisição do Alasca. Comprado da Rússia,
que ocupava o território desde a segunda metade do século XVIII. A Rússia
perdeu o interesse pelo Alasca em meados do século XIX em razão do declínio do
comércio de peles (sua principal atividade econômica) e da impossibilidade de
usá-lo como trampolim para uma expansão na direção do sul, ocupado pelos EUA e
Grã-Bretanha. Além disso, a derrota da Rússia na Guerra da Criméia (1853-1856)
deixou o país enfraquecido, com dificuldades para defender o Alasca em caso de
uma invasão americana ou britânica. Em 1867, no governo Andrew Johnson
(1865-1868), o território foi comprado pelos EUA por 7 milhões de dólares.
b)
Consequências da expansão
■ Destruição das
comunidades tribais indígenas do Oeste, em função de guerras contra as forças
americanas, do extermínio das manadas de búfalos (base alimentar de muitas
tribos) e do confisco de suas terras.
■ Ocupação
imediata das terras adquiridas, oferecidas aos colonos por um baixo preço. A
Lei de Colonização ou Homestead Act (1862), a mais famosa das medidas de
estímulo ao povoamento do Oeste, outorgou a qualquer cidadão americano maior de
21 anos 160 acres
de terra gratuita depois de 5 anos de residência contínua. No entanto, essa
medida beneficiou relativamente poucas famílias (menos de 400 mil) e quem mais
saiu ganhando foram as grandes companhias ferroviárias e os especuladores.
■ Crescimento da
rede de transportes (ferrovias, canais de navegação) que integraram todo o
território americano.
■ Aquisição de
gigantescos recursos minerais (ouro, prata, cobre, petróleo) e ampliação da
área de agropecuária.
■ Impulso à imigração (quase 5 milhões de pessoas em
1850-1870), principalmente de europeus.
1.2 A
Guerra da Secessão (1861-1865)
A Guerra
da Secessão foi a guerra civil americana entre os estados nortistas e os
estados sulistas separatistas. O conflito, o mais sangrento da história dos
EUA, foi o momento decisivo na formação da nação americana, confirmando a
unidade do país.
a) Motivos
■A forte tradição de autonomia
estadual, gerando uma tendência separatista dos estados. Era
muito forte a convicção nos estados americanos, sobretudo nos do “Velho Sul’
(as antigas colônias britânicas de exploração), que sua adesão aos EUA durante
a independência, por se tratar de um ato voluntário, implicava também no
direito de secessão ou separação, caso a união não fosse mais vista como
vantajosa aos interesses estaduais. Esse argumento foi central na decisão
sulista de constituir um outro país separado do Norte, em 1860.
■ A Questão da
Escravidão. A decisão de manter a
escravidão ou aboli-la era responsabilidade dos estados, que tinham a autonomia
nessa questão desde a independência. Os estados do Norte (as antigas colônias
de povoamento), não dependiam da escravidão e a aboliram, enquanto os estados
do sul (as ex-colônias de exploração), por dependerem dela em suas plantations,
decidiram mantê-la. Formaram-se, assim, duas sociedades distintas dentro dos
EUA: o Norte, baseado no trabalho livre e desenvolvendo o capitalismo industrial,
e o Sul, baseado no trabalho escravo, com uma estrutura agroexportador
tradicional. O desenvolvimento industrial do Norte na primeira metade do século
XIX, contudo, com sua sociedade cada vez mais moderna e inspirada no
liberalismo político (defesa da igualdade de direitos e da liberdade), tendia a
gerar um confronto com o escravismo no Sul. A escravidão sulista era cada vez
mais criticada pelos nortistas como imoral e incompatível com a modernidade,
com a construção de uma sociedade de homens livres e juridicamente iguais e com
a expansão do mercado consumidor – ou seja, como um regime atrasado, obstáculo
à modernização dos EUA. Com efeito, na década de 1850 o movimento abolicionista
cresceu e uma visão simpática aos negros expandiu-se. Em 1852 Harriet
Beecher Stowe publicou a “Cabana do Pai Tomás”, romance abolicionista, e poetas
e pensadores como Longfellow, Emerson e Melville apoiaram a causa
antiescravista.
■ A Questão
Tarifária. Os estados sulistas tinham
poucas indústrias e eram importadores de produtos industriais, defendendo o
livre-comércio. Os estados nortistas, ao contrário, defendiam o protecionismo
alfandegário contra a concorrência estrangeira.
■ A Questão do
Oeste. Sulistas e nortistas disputavam o
status dos novos estados do Oeste, que determinaria o equilíbrio entre as
bancadas parlamentares abolicionistas e escravistas no Congresso, favorecendo
ou não a proibição da escravidão. No início, foram feitas algumas tentativas de
acordo. O Compromisso do Missouri (1820) estabeleceu que os novos
estados criados com a aquisição da Louisiana ao norte do paralelo 36 o 30
‘ seriam abolicionistas (com exceção do Missouri) e os ao sul
escravistas. O Compromisso Clay (1850), por sua vez, estabeleceu sobre
os territórios obtidos do México em 1848 o princípio de soberania e autonomia
estadual na definição do seu status (favorecendo o abolicionismo), acompanhado
por medidas de maior repressão contra escravos foragidos (beneficiando os
escravocratas). Contudo, no início da década de 1850, os grupos escravocratas manobraram para anular o
Compromisso do Missouri e estabelecer a escravidão nos novos estados do Kansas
e Nebraska, parte da antiga Louisiana. Pelo Ato do Kansas-Nebraska (1854), esses
estados poderiam optar pela adoção do trabalho escravo, contrariando o acordo
anterior. A situação ficou especialmente grave no Kansas, onde grande parte dos
colonos era contra o escravismo, mas grupos armados pró-escravidão
utilizando-se da violência e da corrupção impediram a vitória dos
abolicionistas nas eleições estaduais. O Kansas tornou-se escravista, mas a
questão do abolicionismo radicalizou-se em 1854-1860.
■ A
radicalização do movimento abolicionista (1854-1860). As ações dos escravocratas no Kansas resultaram na
radicalização dos grupos abolicionistas. Surgiram sociedades secretas que
ajudavam a fuga de escravos (desafiando o Compromisso Clay) e organizações
políticas que pressionavam pela intervenção federal contra a escravidão. Em
1854, foi criado o Partido Republicano, defensor da abolição. Os
republicanos cresceram eleitoralmente em 1855-1860, assustando os sulistas, o
que aumentou a tensão na relação entre as duas regiões. Em 1859, John Brown,
um abolicionista radical, tentou organizar um levante armado de escravos na
Virgínia. A insurreição fracassou e Brown foi enforcado pelas autoridades
locais, transformando-se em mártir da causa abolicionista.
■A crise de 1860-1861. Em
1860, o candidato do Partido Republicano, senador Abraham Lincoln,
venceu as eleições presidenciais para a sucessão de James Buchanan (1856-1860),
alarmando o Sul. Temendo que Lincoln abolisse a escravidão, sete estados
sulistas, sob iniciativa da Carolina do Sul, resolveram separar-se dos EUA
(dezembro 1860) antes que ele tomasse posse (março 1861). Os estados
separatistas (Mississipi, Flórida, Geórgia, Alabama, Louisiana e Texas, além da
Carolina do Sul) formaram um novo país, os Estados Confederados da América
ou Confederação, com capital em Montgomery (depois transferida para
Richmond) e elegeram Jefferson Davis, do Mississipi, presidente. Lincoln
tomou posse e, embora tentasse uma conciliação, afirmou que a União – a
unidade política dos EUA e o nome pelos quais ficaram conhecidos os estados
nortistas – era perpétua. A Confederação manteve-se irredutível e, em abril de
1861, forças sulistas e nortistas entraram em confronto pela posse do Forte
Sumter, em Charleston, na Carolina do Sul, guarnecido por soldados da
União. Era o início da Guerra da Secessão, que deixou o país dividido:
em maio, outros quatro estados sulistas aderiram à Confederação: Virgínia,
Carolina do Norte, Tennessee e Arkansas, elevando para onze o número de estados
separatistas. Mas os estados escravistas de Delaware, Maryland, Kentucky e
Missouri apoiaram a União, assim como a parte ocidental da Virgínia (que
originaria o novo estado da Virgínia Ocidental).
b) O
conflito militar
■ As forças do
Sul. A Confederação possuía 9 milhões de
habitantes, sendo 4 milhões de escravos. Começou a guerra com 35 mil soldados e
chegou a mobilizar mais de 700 mil. Tinha a vantagem de possuir melhores
oficiais do que o Norte e contar com apoio da Grã-Bretanha e da França, que lhe
forneceram armas. Mas não possuía quase nenhuma base industrial, tinha menos
recursos financeiros e uma população menor do que a da União.
■ As forças do
Norte. A União possuía 22 milhões de
habitantes. Iniciou a guerra com 19 mil soldados mas conseguiu nos anos
seguintes recrutar mais de 1,5 milhões. O apoio dos estados do Oeste, a sua
base industrial (a terceira maior do mundo), sua rede ferroviária, seu poder
financeiro e o tamanho da sua população foram decisivos para sua vitória a
longo prazo.
c)
Consequências
A vitória do Norte restaurou a
unidade territorial dos EUA, aboliu a escravidão em todo o país (13a
Emenda à Constituição, em 1865, ampliando a Proclamação da Emancipação) e
permitiu um grande desenvolvimento do capitalismo industrial americano nas
décadas seguintes. Contudo, os escravos libertados não receberam ajuda do
Estado (a expectativa de distribuição de terras e créditos na forma de “60 acres e uma mula”, como
esperado pelo decreto da abolição em 1865, nunca foi realizada) e a maioria
esmagadora continuou vivendo na pobreza, ficando marginalizada politicamente.
Além disso, o ressentimento sulista, sobretudo a ação de aventureiros nortistas
a procura de cargos políticos no Sul com apoio dos negros, refletiu-se no aparecimento
de grupos terroristas racistas (a Ku Klux Klan) e na criação de uma
legislação segregacionista nos
estados sulistas. Além disso, o inconformismo com a derrota da Confederação
levou um sulista radical, John Wilkes Booth, a assassinar Lincoln em um espetáculo
teatral, em Washington (14 abril 1865).
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