quinta-feira, 19 de março de 2015

63 - A Idade Contemporânea e a Revolução Industrial


1. A IDADE CONTEMPORÂNEA (1789 em diante)

1.1 Introdução

 A divisão tradicional da história da humanidade em Pré-História, Idade Antiga, Idade Média, Idade Moderna e Idade Contemporânea é considerada por muitos ultrapassada, sobretudo pelo seu caráter eurocêntrico. Contudo, é inegável que a segunda metade do século XVIII – o início do que se convencionou chamar de Idade Contemporânea, que se estende até os dias atuais – representou um momento de ruptura na história não só do Ocidente, mas do mundo de uma maneira geral. De fato, as décadas de 1760 e 1790 foram extraordinariamente revolucionárias sob qualquer critério. Vários acontecimentos de natureza intelectual, política e econômica, com profundas implicações nas estruturas sociais e nas relações internacionais, representaram o nascimento de uma nova época. A segunda metade do século XVIII assistiu ao triunfo do Iluminismo no Ocidente – sobretudo de sua vertente liberal –, quer dizer, das ideias que defendem o racionalismo (a explicação racional dos fenômenos do universo, da natureza e da sociedade), a liberdade política e de pensamento e a crença no progresso (mudanças que resultam na construção de uma nova ordem social, política e econômica mais avançada e melhor do que a anterior, proporcionando a felicidade para a maioria das pessoas). Outros fatos que ocorreram na mesma época também foram fundamentais para a emergência da Idade Contemporânea, como a Revolução Americana (1775-1787) e a independência dos EUA, representando o nascimento do que viria a ser a nação mais poderosa da história; a arrancada britânica na Revolução Industrial na década de 1780; e, é claro, a Revolução Francesa (1789-1799), que difundiu as ideias do liberalismo, do nacionalismo e do ideal da democracia de massas em uma intensidade que, a curto e médio prazos, superaram o impacto da Revolução Americana (ela própria pioneira na construção de um regime democrático). A França revolucionária assistiu também a formulação do primeiro projeto comunista da Idade Contemporânea – a Conspiração dos Iguais, de Babeuf. Portanto, a segunda metade do século XVIII inaugurou a época da expansão da tradição intelectual iluminista, da construção da sociedade industrial, da emergência das ideologias políticas do liberalismo, do nacionalismo e do socialismo, e da criação dos EUA , acontecimentos que continuam marcando a história atual.

Em suas linhas gerais, a Idade Contemporânea se destaca em três aspectos: ela é simultaneamente a época da modernidade, da afirmação do capitalismo e da supremacia econômica e militar do Ocidente. De fato, a característica mais marcante da história das civilizações nesses últimos 250 anos, consideradas em termos de transformações de suas estruturas econômicas e sociais, foi o processo de construção de sociedades modernas, quer dizer, de sociedades industriais e urbanas, calcadas no racionalismo, na secularização e na crença no progresso, com uma mobilidade social e diversidade de profissões superiores a qualquer outro momento do passado. Ao mesmo tempo, a Idade Contemporânea pode ser considerada a época do capitalismo em razão do modo de produção capitalista (economia de mercado, propriedade privada, trabalho livre e assalariado) passar a predominar, senão na maior parte do mundo, pelo menos entre os países economicamente mais importantes. Rússia e China, nesse caso, seriam destacadas exceções já que no século XX ambas trocaram um capitalismo pouco desenvolvido, de formação tardia, por décadas de experiência socialista – um violento processo de modernização não capitalista imposto pelo Estado. O terceiro aspecto da Idade Contemporânea é a supremacia ocidental, considerando-se que foi nesse período que o Ocidente se transformou na civilização mais poderosa do mundo, superando as demais em termos de poder econômico e militar e de influência política e cultural globais – mesmo depois que as outras civilizações também se modernizaram, como foi o caso do Japão, da China ou da Índia, ou mesmo considerando-se que o poder do Ocidente hoje é proporcionalmente menor do que era há 50 anos.

1.2 A periodização da Idade Contemporânea

A Idade Contemporânea pode ser subdividida em períodos específicos. Se levarmos em consideração as alterações decorrentes dos impactos das grandes revoluções e conflitos internacionais, é possível delimitar três períodos nesses últimos 250 anos da história: (I) o Longo Século XIX (1789-1914), marcado pelo duplo impacto econômico-geopolítico da Revolução Industrial britânica e político-ideológico da Revolução Americana e da Revolução Francesa – o a chamada “Dupla Revolução”; (II) o Breve Século XX (1914-1991), caracterizado pelos desdobramentos geopolíticos da Primeira Guerra Mundial (ascensão dos EUA como principal potência capitalista) e político-ideológico da Revolução Russa (criação da URSS e do regime socialista); (III) o “Incerto” Século XXI (1991 em diante), marcado pelo impacto do colapso da URSS, do fracasso dos regimes socialistas e pela transformação dos EUA em uma “hiperpotência” militar, com um poder global sem paralelo na história.

1.3 O Longo Século XIX (1789-1914)

A fase inicial da Idade Contemporânea foi chamada de Longo Século XIX (1789-1914), o período do estabelecimento da modernidade capitalista nas nações mais ricas do Ocidente e do início da sua expansão por outros países ocidentais e por outras civilizações. Mais extenso do que o século XIX cronológico (1801-1900), o Longo Século XIX no sentido histórico começou simbolicamente com a Dupla Revolução das décadas de 1770-1800 (a revolução liberal democrática nos EUA e França e o começo da revolução industrial na Grã-Bretanha) e terminou, também simbolicamente, com a eclosão da Primeira Guerra Mundial em 1914.

A Revolução Americana (1774-1787) – o movimento de independência das Treze Colônias e de criação dos EUA – inaugurou o processo de destruição do antigo sistema colonial mercantilista e de descolonização da América. Por sua vez, a Revolução Francesa (1789-1799) resultou no desmanche do antigo regime absolutista, senhorial e clerical na França e no início da construção de uma nova ordem moderna no país. As duas revoluções políticas difundiram na Europa e na América os ideais racionalistas, seculares e progressistas do Iluminismo, sobretudo da corrente do liberalismo (liberdade do indivíduo, isonomia, governos eleitos, tolerância ideológica, livre iniciativa), a doutrina política e econômica hegemônica do Longo Século XIX no Ocidente. Ambas igualmente propagaram o nacionalismo e, principalmente no caso da Revolução Francesa, o ideal da democracia de massas. A França revolucionária assistiu também a formulação do primeiro projeto comunista da Idade Contemporânea – a Conspiração dos Iguais (1796). As ideias liberais, democráticas, nacionalistas e socialistas influenciaram diversas revoluções e movimentos políticos no mundo em 1810-1914, como a independência da América Latina (1810-1825), as revoluções de 1820, 1830 e 1848 na Europa, as unificações da Itália (1859-1870) e da Alemanha (1864-1871) e as revoluções de 1905-1912 na Rússia, Irã, México e China.

A Revolução Industrial ou industrialização caracterizou-se pela utilização de máquinas movidas por fontes inanimadas de energia (como o vapor) na indústria (maquinofatura) e nos transportes (navegação a vapor, ferrovias), acompanhadas por novas formas de organização da produção (sistema fabril com o trabalho em larga escala de operários). A mecanização da indústria resultou na expansão sem precedentes da produção e da produtividade, barateando os produtos e possibilitando o desenvolvimento do mercado consumidor. A Revolução Industrial também favoreceu a urbanização, em razão da localização das fábricas nas cidades ou em suas periferias, o que atraiu trabalhadores para os novos empregos, além de estimular a criação de outros negócios, como no setor de serviços. A estrutura social foi profundamente alterada. Uma nova elite econômica (o empresariado ou burguesia industrial) foi formada, juntando-se aos tradicionais grupos sociais dominantes como os grandes proprietários rurais e os grandes comerciantes. O desenvolvimento capitalista decorrente da industrialização também ampliou a importância e o poder dos bancos, transformando os banqueiros (a burguesia financeira) em outro influente setor das classes dominantes. Com efeito, durante o Longo Século XIX, o antigo poder político e ideológico das elites agrárias tradicionais diminuiu consideravelmente e passou a ser compartilhado, e em alguns casos superado (EUA), pelo poder da nova elite capitalista de banqueiros, industriais e comerciantes.

A industrialização e a urbanização favoreceram também o crescimento da classe média ligada ao setor de serviços privados e públicos – uma camada social que virou, em grande medida, a principal fatia do mercado de bens industriais. Contudo, a transformação social mais famosa decorrente da Revolução Industrial foi a ascensão do operariado fabril ou proletariado industrial como o principal segmento dos trabalhadores.

A industrialização não só transformou profundamente as estruturas econômicas e sociais dos países que passaram por ela, como também gerou uma nova cultura e afetou os regimes políticos tradicionais. Os governos precisaram agora atender às demandas dos grupos industriais, da crescente classe média e do numeroso proletariado fabril. As doutrinas políticas que defendiam a democracia, o bem-estar social e o socialismo foram desenvolvidas e adquiriram uma importância central nas questões políticas. Organizações trabalhistas na forma de sindicatos e partidos políticos passaram a ser uma parte inerente dos sistemas políticos modernos. Com a industrialização, a “política de massas” (dependente da aceitação popular) emergiu.

Iniciada na Grã-Bretanha por volta de 1780, a Revolução Industrial ampliou enormemente o poder econômico do Reino Unido, que antes da industrialização já era a maior potência comercial, financeira e naval do mundo, e consolidou o capitalismo no país. O pioneirismo industrial, contudo, foi fundamental para a Grã-Bretanha se transformar na potência hegemônica mundial, capaz de projetar o seu poder econômico e naval por todos os continentes. Como a Grã-Bretanha já possuía um regime liberal antes das revoluções americanas e francesas (resultado da evolução da monarquia constitucional a partir da Revolução Gloriosa de 1688-1689), a expansão do seu poder econômico mundial também foi fator decisivo para difundir os ideais do liberalismo em escala global, sobretudo os ideais da liberdade econômica, como o do livre comércio (conhecido genericamente como “ideias britânicas”). A industrialização britânica, com o seu exemplo e oportunidades que criou, estimulou a expansão da Revolução Industrial por outros países que ofereciam condições econômicas, sociais, políticas e culturais favoráveis à adoção da maquinofatura capitalista em larga escala – na época, principalmente os países da Europa Ocidental, seguidos pelos EUA e, no final do período, pela Rússia e pelo Japão.

Com efeito, nas últimas décadas do Longo Século XIX, os EUA, principalmente, e o Japão tinham adquirido o status de grandes potências regionais, rivalizando com os europeus, embora possuíssem impérios coloniais relativamente menores. O sistema internacional do período, portanto, assumiu uma feição multipolar – diversos centros de poder econômico e militar (grandes potências da Europa, EUA, Japão), ainda que desiguais e cada vez mais interligados pela globalização capitalista.

Por tudo isso, o Longo Século XIX recebeu também outras denominações: época da supremacia europeia no mundo, quando as potências modernas da Europa lideravam a civilização ocidental e estavam à frente dos EUA em termos de poder global; época do apogeu do imperialismo europeu sobre a Ásia e África, em razão da superioridade econômica, tecnológica e militar das potências da Europa sobre a grande maioria das civilizações não ocidentais; época do liberalismo clássico, caracterizado pelo predomínio do livre comércio e da não intervenção governamental na economia nos países ocidentais e pela expansão dos ideais e da prática de governos eleitos (inicialmente oligárquicos baseados no voto censitário e depois parcialmente democráticos baseados no sufrágio universal masculino); e época da Pax Britannica (mais precisamente os anos de 1815-1914), quando a Grã-Bretanha, com sua hegemonia econômica e naval mundiais, buscou assegurar uma paz relativa na Europa, baseada no equilíbrio do poder entre as grandes potências, que evitou uma guerra generalizada no continente.

2. A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

2.1 A indústria e suas modalidades

No sentido econômico e material, indústria é a transformação da matéria-prima em um produto. Como as demais atividades de intervenção do homem no meio natural, a indústria envolve o trabalho humano (individual ou coletivo) e uma tecnologia de instrumentos de produção (ferramentas ou máquinas) e do uso de fontes de energia (humana, animal ou não-animal) para acionar os instrumentos. A indústria pressupõe conhecimento e criação. Ela é, assim, uma manifestação da cultura humana e sempre existiu na história.

De uma forma geral, a indústria pode ser classificada em três tipos básicos:

O artesanato. É a atividade industrial em que o trabalho é individual, ou de um pequeno grupo de pessoas, com uso de ferramentas e produção em pequena escala. O artesão controla (executa) todas ou quase todas as etapas da produção. Quando existe uma divisão de trabalho, ela é mínima. Na maioria dos casos, o artesão é o proprietário do local de trabalho (a oficina artesanal) e dos instrumentos de trabalho, não sendo incomum o emprego de um auxiliar ou mesmo de toda a família (produção doméstica). O artesanato é a indústria mais antiga, tradicional e rudimentar da história e predominou em todas as sociedades pré-modernas, estando presente em diversos sistemas econômicos. Ele foi praticado por trabalhadores urbanos especializados e por camponeses (combinando a agricultura com o artesanato rural), por homens livres, semilivres e escravos. Atualmente, o artesanato é economicamente uma atividade marginal que tem pouca importância nas economias modernas.

A manufatura. Muitas vezes a palavra manufatura é utilizada como sinônimo de bem de consumo de origem industrial. Mas no sentido de uma modalidade de indústria, a manufatura é uma fábrica sem máquinas, com vários operários utilizando ferramentas, produção manual coletiva e divisão de trabalho acentuada. A fábrica manufatureira e, em geral, as ferramentas empregadas são propriedade de um empresário e não dos trabalhadores. A produtividade é superior a do artesanato e a produção é em uma escala bem maior, ainda que limitada pelo seu aspecto manual, muitas vezes dependente da habilidade individual do operário. Manufaturas existiram na Antiguidade e na Idade Média, mas elas tornaram-se mais comuns e importantes nos séculos XVII e XVIII. Tanto o trabalho livre quanto o trabalho compulsório foi empregado nesse tipo de fábrica. Na maioria dos casos, a produção manufatureira era voltada para o comércio, mas algumas manufaturas foram criadas pelo Estado para fabricar armas para os exércitos ou fornecer algum outro produto de interesse estatal. Assim como o artesanato, as manufaturas também perderam importância na modernidade.

A maquinofatura. É a indústria moderna, que utiliza máquinas (fábrica mecânica), energia inanimada, ou seja, não-animal ou não humana (como combustíveis fósseis, água e energia nuclear) e uma grande quantidade de operários. Os métodos e a organização do trabalho dos empregados da maquinofatura são mais complexos, com uma grande divisão de tarefas. A produção é em larga escala, muito mais elevada do que na manufatura e com uma produtividade incomparavelmente superior. Como na manufatura, na maquinofatura há uma radical separação entre a propriedade da fábrica/máquinas (que pode ser privada ou estatal) e o trabalho em si (praticado coletivamente pelo operariado). A maquinofatura foi a indústria difundida pela Revolução Industrial na Idade Contemporânea. Ela substituiu o artesanato e a manufatura e passou a predominar nas sociedades modernas, transformando-se em um dos grandes símbolos da modernidade. Com a sua consolidação no mundo contemporâneo, a maquinofatura passou a ser identificada com a indústria de uma forma geral. Dessa forma, as sociedades dependentes da maquinofatura foram chamadas de “sociedades ou economias industriais”, enquanto que aquelas baseadas no artesanato e na manufatura foram consideradas “sociedades ou economias pré-industriais”.

2.2  O que foi a Revolução Industrial

Em sua essência, a Revolução Industrial ou industrialização foi a difusão da maquinofatura no processo produtivo e na mineração, estabelecendo o moderno sistema fabril (fábricas com máquinas) e a moderna indústria mineral (mecanização da extração mineral).

A industrialização levou décadas, dependendo do país e da época, razão de muitos estudiosos considerarem que a mecanização da produção foi mais uma evolução do que uma revolução. Ainda assim, o termo revolução continua válido para as mudanças decorrentes da industrialização, ocorridas em um espaço de tempo relativamente curto se comparado com o de outras decisivas revoluções econômicas, como a Revolução Neolítica (invenção e expansão da agricultura na Pré-História, durando milênios) e a Revolução Comercial da Idade Moderna (séculos XV-XVIII).

Com efeito, a mecanização da indústria e da mineração foi acompanhada de outras mudanças radicais. Ela resultou na expansão sem precedentes da produção e da produtividade, barateando os produtos e possibilitando o desenvolvimento em potencial do mercado consumidor. A Revolução Industrial também favoreceu a urbanização, em razão da localização das fábricas nas cidades ou em suas periferias, o que atraiu trabalhadores para os novos empregos, além de estimular a criação de outros negócios, como no setor de serviços. A estrutura social foi profundamente alterada. Uma nova elite econômica (o empresariado ou burguesia industrial) foi formada, juntando-se aos tradicionais grupos sociais dominantes (como os grandes proprietários rurais e os grandes comerciantes) que, com o tempo, acabaram sendo superados em termos de influência política e ideológica pelos industriais. Por outro lado, o desenvolvimento capitalista decorrente da industrialização ampliou a importância e o poder dos bancos, transformando os banqueiros (a burguesia financeira) em outro influente setor das classes dominantes. A industrialização e a urbanização favoreceram também o crescimento da classe média ligada ao setor de serviços privados e públicos – uma camada social que virou, em grande medida, a principal fatia do mercado de bens industriais. Contudo, a transformação social mais famosa decorrente da Revolução Industrial foi a ascensão do operariado fabril ou proletariado industrial como o principal segmento dos trabalhadores.
 
A industrialização não só transformou profundamente as estruturas econômicas e sociais dos países que passaram por ela, como também gerou uma nova cultura e afetou os regimes políticos tradicionais. Os governos precisaram agora atender às demandas dos grupos industriais, da crescente classe média e do numeroso proletariado fabril. As doutrinas políticas que defendiam a democracia, o bem-estar social e o socialismo foram desenvolvidos e adquiriram uma importância central nas questões políticas. Organizações trabalhistas na forma de sindicatos e partidos políticos passaram a ser uma parte inerente dos sistemas políticos modernos. Com a industrialização, a “política de massas” (dependente da aceitação popular) emergiu.

2.3  Revolução Industrial e capitalismo

A maioria das sociedades modernas industrializou-se sob o sistema capitalista, ou seja, pela ação da livre iniciativa (muitas vezes sob o patrocínio do Estado ou com a participação de empresas estatais em alguns setores), com a formação de indústrias privadas, utilização em larga escala de trabalhadores livres e assalariados contratados e acumulação de capital pelos empresários donos das fábricas (a “burguesia industrial”, que superou em poder econômico as tradicionais elites agrárias). Isso levou a ideia de que a Revolução Industrial foi a responsável pela consolidação do modo de produção capitalista. Embora isso seja verdade de uma maneira geral para os primeiros 150 anos da maquinofatura (1780-1930), nem todos os processos de industrialização foram capitalistas ou “burgueses”. Os países socialistas, sobretudo a URSS e a China, vivenciaram uma intensa industrialização (os soviéticos a partir da década de 1930 e os chineses a partir da década de 1950) baseada na estatização e planificação econômica que, durante décadas, excluiu a iniciativa privada.

Apesar disso, quando se fala em Revolução Industrial, geralmente é a industrialização capitalista que se tem em mente, quase sempre acompanhada pelos seus aspectos negativos, mais típicos do século XIX, como a ruína dos artesãos diante da concorrência das fábricas, as péssimas condições de trabalho do proletariado (salários baixos, longas jornadas de trabalho, ausência de direitos trabalhistas), a exploração da mão de obra infantil e feminina, a pobreza, o crescimento desequilibrado das cidades, a degradação do meio ambiente, a poluição das fábricas etc.

Essa visão crítica, no entanto, destaca também a reação dos movimentos sociais urbanos contra a industrialização de uma maneira geral e, mais especificamente, contra os aspectos negativos dos primórdios do capitalismo industrial. Por exemplo, a ação de artesãos arruinados ou proletarizados nas destruições de máquinas, como no movimento ludita na Grã-Bretanha (1811-1816). Mas o mais enfatizado é a formação do movimento operário, com a organização dos sindicatos proletários e a utilização da greve como principal instrumento de luta contra os patrões e os governos “burgueses”, seja pela reivindicação salarial ou por direitos sociais e políticos.
 
2.4  Grã-Bretanha: pioneira na revolução industrial

O Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda (hoje Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte) foi a nação pioneira na Revolução Industrial, iniciada em seu território, sobretudo na Inglaterra, por volta de 1780. Nesse sentido, a Grã-Bretanha desenvolveu a primeira sociedade moderna da história. Foram motivos do pioneirismo industrial britânico:

A Revolução Inglesa do século XVII. Revolução política que extinguiu o absolutismo monárquico, consolidou o constitucionalismo inglês e ampliou o poder do parlamento, estabelecendo os fundamentos de um regime liberal favorável ao capitalismo. O parlamento, composto por membros da elite econômica do país eleitos pelo voto censitário (até o século XIX), aprovou leis que favoreceram o crescimento das atividades empresariais e dos negócios privados no país.

A Revolução Agrária (século XVIII). Baseada nos cercamentos ou enclosures das antigas terras de uso comum (camponeses e senhores) mantidas pelas tradições medievais. Gradual, mas sistematicamente, os tradicionais direitos de usufruto dessas terras pelos camponeses foram abolidos por leis aprovadas pelo parlamento fortalecido com a vitória da Revolução Inglesa. As terras comuns viraram propriedade privada dos grandes fazendeiros, como a gentry (cavalheiros ou pequena nobreza, considerada por muitos estudiosos uma espécie de “burguesia agrária”) e a aristocracia da alta nobreza. A produção agropecuária melhorou e aumentou com o emprego de novas técnicas agrícolas que, visando o comércio, baratearam as matérias-primas (lã, trigo). Mas os camponeses foram expulsos do meio rural (êxodo rural) e a consequente abundância de mão de obra formou um proletariado numeroso e pobre, com salários relativamente baixos, que pode ser utilizado em ampla escala e a um baixo custo nas nascentes fábricas. O processo de cercamentos começou nos séculos XV-XVI, ligado à ampliação da criação de ovelhas e produção de lã, e cresceu nos séculos XVIII-XIX com a nova legislação capitalista criada pelo Parlamento.

O domínio de um mercado mundial. Obtido com a construção de um grande império colonial nos séculos XVII-XVIII em guerras contra a Holanda, Espanha e França. Além disso, os produtos britânicos predominavam no comércio do império português e espanhol.
 
Existência de grandes reservas de carvão mineral. O combustível básico na primeira fase da Revolução Industrial.

O desenvolvimento tecnológico. No setor energético, com a máquina a vapor, criada por Thomas Newcomen (1712) e aperfeiçoada por James Watt (1769), que virou o símbolo da Revolução Industrial. No setor têxtil – o setor de ponta na revolução – com as novas técnicas de fiação e tecelagem. John Wyatt e Lewis Paul inventaram a primeira máquina de fiar, patenteada por Lewis em 1738. Richard Arkwright criou em 1768 o tear hidráulico e o reverendo Cartwright, o tear mecânico (1784). Na indústria pesada, a metalurgia e a mineração se desenvolveram com o uso do carvão mineral nos fornos de fundição. As novas técnicas permitiram a fabricação de aço (Benjamin Huntsman, em 1745) e a purificação de barras de ferro (Henry Cort em 1783). Com isso os materiais metálicos substituíam a madeira usada nas estruturas das máquinas, melhorando e prolongando seu funcionamento.

b) Consequências para a Grã-Bretanha.

A Revolução Industrial mudou radicalmente a sociedade britânica, dando-lhe uma fisionomia tipicamente moderna, urbana e capitalista, com uma elite econômica burguesa, uma ampla classe média e um enorme proletariado fabril. Ela também consolidou a Grã-Bretanha como a maior potência econômica mundial – a “fábrica do mundo”.

2.5  Fases da Revolução Industrial

a) A Primeira Revolução Industrial (1780-1880)

Caracterizada pelo uso do vapor e carvão como principais fontes de energia, pelo desenvolvimento da indústria têxtil e siderúrgica e pela revolução nos transportes (ferrovias, navegação a vapor e carvão). Época da hegemonia britânica na industrialização, que também atingiu outros países da Europa Ocidental (Bélgica, França e Alemanha) e os EUA.

b) A Segunda Revolução Industrial (1880-1950)

Caracterizada pelo motor a explosão, o petróleo como principal fonte de energia, utilização da energia elétrica e avanço da indústria química. A hegemonia britânica foi superada pela produção dos EUA (a maior do mundo), Alemanha e URSS. O Japão também se transformou em uma grande potência industrial.

c) A Terceira Revolução Industrial (1950-1980)

 Caracterizada pela difusão da energia nuclear, o desenvolvimento da automação nas fábricas, a expansão do transporte aéreo e o avanço das telecomunicações. Os EUA continuaram como a principal potência industrial, mas sua supremacia passou a ser desafiada pela URSS, Alemanha e Japão. A industrialização consolidou-se em países da América Latina (Brasil, México e Argentina) e na China.

d) A Quarta Revolução Industrial (1980 em diante)
 
Caracterizada pela difusão da informática, robótica e microeletrônica. Declínio do poder industrial da Rússia, mas a liderança americana continuou desafiada pelas potências europeias, pelo Japão e, principalmente, pela China. Em outros países da Ásia, como a Coreia, a economia tornou-se tipicamente industrial, e na Índia a industrialização ficou mais acelerada.

 

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