A independência da América Espanhola
1. Antecedentes: a América Espanhola em
1760-1810
A ascensão da dinastia Bourbon
na Espanha, em 1700 (rei Felipe V, 1700-1746) coincidiu com a aceleração do
declínio do poder espanhol na Europa, iniciado na segunda metade do século
XVII. Entretanto, apesar de ser uma potência decadente no século XVIII, a
Espanha continuava possuindo o maior e mais valioso império colonial da América
– as Índias Ocidentais Espanholas, com uma área de aproximadamente 13 milhões
de km2 e cerca de 12 milhões de habitantes em 1760. O império era um
conjunto diversificado de colônias de exploração, voltadas para a exportação de
metais preciosos e gêneros tropicais produzidos pelo trabalho compulsório
(principalmente de índios) e submetidas a regulamentos mercantilistas. Contudo,
em meados do século XVIII, a metrópole tinha reduzido o controle sobre seus
territórios no Novo Mundo, abrindo espaço para a ascensão das elites coloniais.
1.1 Características gerais da América espanhola
As principais colônias e suas riquezas. A colônia mais rica e populosa era o Vice-Reino
da Nova Espanha (México e sudoeste dos EUA), com cerca de 5 milhões de habitantes,
seguida do Vice-Reino do Peru, com 1,5 milhões de pessoas (1760). Ambas
eram as maiores produtoras de prata, a principal riqueza do império espanhol.
Contudo, a partir da década de 1730, as áreas periféricas (região do Prata,
Venezuela, Colômbia) adquiriram maior importância com a diversidade das
atividades econômicas (agricultura de exportação, pecuária, manufaturas
têxteis) e o desenvolvimento de novos centros urbanos e rotas comerciais,
inclusive no abastecimento do mercado colonial.
A população colonial. Na maior parte das colônias, a maioria da população era formada
por índios semi-livres (em geral camponeses), os principais
trabalhadores das haciendas (fazendas) e minas. A escravidão negra
não predominou no conjunto do império hispano-americano (ao contrário do
Brasil), mas foi importante em algumas regiões do Caribe, Venezuela e Colômbia.
Os colonos brancos, chamados genericamente de “espanhóis”, constituíam a
camada superior da sociedade colonial, mas não constituíam uma categoria uniforme,
dividindo-se em grupos de acordo com a renda, função e influência política. A
divisão mais importante que emergiu no século XVIII foi entre os “espanhóis”
nascidos na América, os criollos, e os da metrópole, que viviam
temporariamente nas colônias, os peninsulares ou chapetones.
Também no século XVIII, na medida em que a colonização se desenvolvia, aumentou
o número de mestiços livres, em geral exercendo atividades no
artesanato, pequeno comércio e agricultura voltada para o mercado local. Os
mestiços e negros eram chamados coletivamente de castas (com predomínio
dos primeiros). No final do século XVIII, a composição étnica dessas categorias
em algumas colônias era a seguinte: no México 18% de espanhóis, 21% de castas e
61% de índios; no Peru 13% de espanhóis, 29% de castas e 58% de índios; em Buenos Aires (1810)
66% de espanhóis, 33% de castas e 1% de índios.
A
ascensão das elites criollas. O acontecimento
mais importante na história da América espanhola no século XVIII foi a ascensão
das elites criollas, formadas pelos grandes proprietários de terras, de minas,
das empresas manufatureiras (as obrajes, oficinas que produziam tecidos
para o consumo local) e pelos comerciantes do mercado interno. Essas elites
transformaram-se na classe dominante
da América espanhola, assumindo a maior parte dos cargos inferiores na
administração colonial e na Igreja (baixo clero). A elite criolla também
controlava os cabildos
(os conselhos municipais) e as audiências
(as cortes de justiça, o mais importante órgão do período). Embora os cargos
mais elevados do governo (vice-reis, a alta cúpula da burocracia imperial,
parte dos juízes) e da Igreja (bispos), além do comércio externo, continuassem
nas mãos dos peninsulares, em meados do século XVIII os grupos metropolitanos
haviam perdido espaço na administração colonial para os criollos.
O Iluminismo.
O pensamento iluminista conheceu uma grande expansão na sociedade
hispano-americana. As ideias e textos iluministas circularam com relativa
liberdade, em parte facilitados pela existência de cerca de 20 universidades
nas colônias (a maior parte delas era controlada pela Igreja mas as duas
principais, as da Cidade do México e de Lima, eram autônomas). Como na Espanha,
o Iluminismo hispano-americano não era antirreligioso: muitos dos intelectuais
das colônias eram do clero. Embora a vertente iluminista hispano-americana
fosse de base mais prática (investigações científicas) do que ideológicas
(crítica política e social), o Iluminismo lançou as sementes para o desenvolvimento
de uma visão mais racional do mundo e da sociedade, evoluindo para a
reivindicação de maior liberdade e direitos para os criollos.
1.2 As Reformas Bourbônicas (1764-1782)
As
Reformas Bourbônicas foram reformas administrativas e econômicas do sistema
colonial espanhol visando modernizá-lo e fortalecer a monarquia e o controle da
metrópole sobre seus territórios no Novo Mundo. Elas tinham a intenção de
recuperar o poder do Estado espanhol por meio de uma exploração mais racional e
eficiente de suas colônias, buscando reconquistar o espaço perdido para os
criollos na América. As reformas foram feitas, sobretudo, no reinado de Carlos III (1759-1788), um “déspota
esclarecido”, precipitadas pela necessidade de fortalecer o império
hispano-americano frente à Grã-Bretanha, depois de revelada a crescente
debilidade espanhola com a sua derrota na Guerra dos Sete Anos (1756-1763).
Principais medidas:
■ Maior
intervenção da metrópole nos assuntos coloniais com a intensificação do
mercantilismo.
■ Criação de
intendências, que substituíram os governadores e corregedores (alcaides):
os intendentes eram administradores com amplos poderes (governamental,
financeiro, militar, jurídico) representantes do rei nas cidades mais
importantes das colônias.
■ Diminuição
das liberdades municipais e do poder dos cabildos, nomeação de peninsulares
para as Audiências: o espaço político dos criollos foi reduzido.
■ Aumento de
impostos.
■ Fim do
sistema de porto único no comércio colônias-metrópole. Outros portos espanhóis passaram
a participar do comércio com a América.
■ Livre
comércio entre as colônias.
■ O comércio
entre as colônias e outras nações continuou proibido: o pacto-colonial foi
reforçado e o contrabando foi combatido com maior rigor.
■ Proibição
de indústrias e atividades agrícolas que competissem com a metrópole (vinhedos,
olivais, têxteis).
■ Expulsão
dos jesuítas da Espanha e do seu império (1767) e expropriação de seus bens. A
Companhia de Jesus foi considerada por demais internacionalista, poderosa e
independente da Coroa, desafiando a lógica do absolutismo.
■ Criação do
Vice-Reino do Prata (atuais Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolívia ou
Alto Peru), em 1776, separado do Vice-Reino do Peru por razões econômicas
(aproveitar a posição estratégica de Buenos Aires e seu porto no escoamento da
prata dos Andes) e de segurança (enfrentar a expansão portuguesa no Uruguai ou
Banda Oriental). Essa medida gerou um grande desenvolvimento de Buenos Aires,
mas a administração e defesa do novo vice-reinado dependia muito da produção de
prata do Alto Peru, que estava em declínio (75% das despesas do Vice-Reino
vinha dos rendimentos da mineração da prata).
■ Ampliação
das forças militares, motivadas pela necessidade de defender o império contra
ataques de outras potências, principalmente da Grã-Bretanha. Foi criado um
núcleo de unidades regulares do exército (comandados por peninsulares),
reforçado por milícias de colonos (forças não-profissionais treinadas
regularmente). Os militares adquiriram privilégios corporativos, com tribunais
especiais (o fuero militar). Os gastos militares cresceram e passaram a
ser a principal despesa dos vice-reinos e a maior razão do aumento dos impostos
coloniais.
As
Reformas Bourbônicas foram uma espécie de “nova conquista espanhola da América”
– a tentativa de retomar o controle espanhol sobre suas colônias, em detrimento
dos criollos. Nesse sentido, elas geraram uma maior insatisfação com a política
metropolitana e causaram um maior confronto entre os criollos e os
peninsulares.
1.4 As revoltas coloniais (1780-1782)
No
início da década de 1780, ocorreram duas importantes revoltas populares nas
colônias hispano-americanas. De base indígena e mestiça, elas foram dirigidas principalmente
contra os espanhóis, mas acabaram se voltando também contra os criollos. As
revoltas foram desencadeadas pelo descontentamento popular com os altos
impostos e a corrupção e abusos das autoridades espanholas no contexto das
Reformas Bourbônicas, além de serem uma reação contra a exploração generalizada
dos índios pelas elites coloniais.
A Revolta de Tupac Amaru (1780-1781). Ocorrida
no Peru e na Bolívia, foi a mais importante das revoltas – um levante das
massas indígenas, lideradas pelo cacique (curaca) da província de Pinta, José
Gabriel Kunturkanku (1740-1781), um rico mestiço que, afirmando ser
descendente da antiga família real inca, adotou o nome de Tupac Amaru II
(o primeiro Tupac Amaru foi o último imperador inca, morto em 1572). Os
objetivos de Tupac Amaru II foram confusos. Oficialmente, ele afirmou
reconhecer a soberania da Espanha, mas, na prática, passou a lutar pela
abolição da servidão indígena (o trabalho da mita), pela eliminação dos impostos e pelo direito dos índios
assumirem cargos no governo. Ele também proclamou ser “rei do Peru”, dando a
entender que iria restaurar um Estado inca independente. Inicialmente os
criollos viram a revolta com certa simpatia. Mas logo retiraram seu apoio
quando o movimento assumiu um caráter revolucionário, ameaçando seus
interesses. O terror dos criollos aumentou quando os brancos passaram a ser
massacrados indiscriminadamente pelos rebeldes indígenas. Tupac Amaru II
assumiu o controle do sul do Peru, Bolívia e norte da Argentina, mas a revolta
acabou fracassando por diversas razões, como a ausência de unidade entre os
índios (caciques rivais ficaram contra Tupac Amaru), a superioridade militar
dos espanhóis e a falta de apoio dos criollos. Tupac Amaru II e sua família foram
capturados (março, 1781), torturados e executados em Cuzco. Seus aliados,
especialmente os índios aymaras, liderados por Tupac Katari, continuaram
lutando na Bolívia até 1782, mas acabaram derrotados. Contudo, a revolta forçou
a Coroa a fazer algumas reformas, como a diminuição da mita, a substituição de funcionários e a instalação de uma corte
de justiça em Cuzco.
A Revolta dos Comuneros (1781). Na Colômbia e Venezuela, foi um levante de camponeses
mestiços e índios, liderados por José Antonio Galan. Também contou com o apoio
inicial do clero e dos criollos, mas novamente o massacre de brancos afastou-os
do movimento, que acabou sendo sufocado pela Espanha.
2.
As Revoluções Hispano-Americanas
(1810-1825)
2.1 Significado e motivos
As Revoluções Hispano-Americanas foram
movimentos liberais e nacionalistas, liderados pelos criollos, inicialmente com
a intenção de obter o direito de autogoverno e liberdade econômica para as
colônias espanholas, recuperando e ampliando o espaço político que as elites
coloniais possuíam antes das Reformas Bourbônicas. Diante da resistência da Espanha
em fazer concessões, o movimento evoluiu para uma luta separatista, visando a
independência das colônias. As Revoluções Hispano-Americanas assumiram feições
de guerra civil, e não opuseram apenas criollos contra os peninsulares, mas
também criollos liberais contra criollos conservadores, com os primeiros
defendendo não só a independência, mas também a abolição dos privilégios do
clero e dos militares (eliminação dos foros ou tribunais especiais), enquanto
os segundos insistiam em
mantê-los. Em alguns casos, como no México, o movimento
possuiu um aspecto mais radical, caracterizando-se pela insurreição camponesa
indígena contra as elites e pela guerra racial entre índios e brancos. Mas em
todas as colônias, o poder foi assumido e mantido pelos criollos (no México
esse poder criollo foi mais instável), sobretudo por grandes chefes políticos e
militares conhecidos genericamente como caudilhos. As Revoluções
Hispano-Americanas foram causadas pela crise do Antigo Sistema Colonial,
combinada com a insatisfação gerada pelas Reformas Bourbônicas e com o impacto da Revolução Americana
(1775-1783) e da Revolução Francesa (1789-1799), que expandiu as críticas iluministas e liberais ao colonialismo e
ao Antigo Regime, enfraquecendo suas estruturas tradicionais de poder. Todos
esses elementos geraram um potencial de revoltas contra a Espanha, mas o fator
mais importante para desencadear as revoluções e destruir a autoridade
espanhola no Novo Mundo foram as Guerras
Napoleônicas.
2.2 Antecedentes: a Espanha, a Revolução
Francesa e Napoleão
Quando
a Revolução Francesa estourou, o trono espanhol era ocupado por Carlos IV (1788-1808), um rei fraco e
vacilante. O verdadeiro governante era o impopular primeiro-ministro Manuel de
Godoy (1792-1808). Em um primeiro momento, depois que o rei Luis XVI (primo de
Carlos IV) foi executado pelo governo revolucionário francês, a Espanha aderiu
à coligação antifrancesa e entrou em guerra contra a França (1793-1795). A
guerra foi um desastre para a Espanha e, em 1796, pelo Tratado de Santo
Ildefonso, o governo espanhol aliou-se à França no conflito contra a
Grã-Bretanha (1796-1808). Essa aliança organizada por Godoy foi mantida no
início do Período Napoleônico, mas seus efeitos foram piores do que os da
guerra de 1793-1795, sobretudo porque transformou o império espanhol em alvo de
ataques britânicos. Os principais momentos do confronto anglo-espanhol
foram:
Outubro, 1805. Batalha de Trafalgar. As marinhas espanhola e francesa são destruídas pela
armada britânica. A Espanha fica sem condições de proteger suas colônias de um
ataque da Grã-Bretanha.
1806-1807. A Grã-Bretanha tenta tomar Buenos Aires, mas é derrotada pelas milícias dos criollos locais
(os portenhos). Os criollos assumem a defesa da colônia sem ajuda da Espanha e
ficam fortalecidos.
1807. Pelo Tratado de Fontainebleau (outubro) França
e Espanha decidem conquistar Portugal, que havia furado o Bloqueio Continental
imposto por Napoleão contra a Grã-Bretanha, e dividi-lo entre os dois países. Portugal é invadido pelas forças
franco-espanholas e a Corte portuguesa foge para o Brasil (dezembro).
Fevereiro, 1808. Napoleão exige concessões territoriais da Espanha e
ocupa o norte do país. Carlos IV e Godoy perdem apoio interno.
Março, 1808. Revolta de Aranjuez. Nobres e militares espanhóis rebelam-se contra Godoy e
forçam Carlos IV a abdicar em favor do seu filho Fernando VII.
Maio, 1808. Napoleão interfere na questão da sucessão espanhola.
Convoca Carlos IV e Fernando VII para uma reunião em Bayone, força os dois a
abdicarem, aprisiona-os e coloca seu irmão José Bonaparte no trono espanhol. O exército francês tenta ocupar
toda a Espanha, desencadeando a revolta dos espanhóis.
A Guerra Peninsular (1808-1814). Um dos episódios mais violentos das Guerras
Napoleônicas, a Guerra Peninsular foi a guerra dos espanhóis (sobretudo de
guerrilheiros) e britânicos contra os invasores franceses. Os espanhóis e os
colonos revoltaram-se contra os franceses, exigindo a volta de Fernando VII, “o
Desejado” (aprisionado na França). Comitês de resistência antifrancesa,
conhecidos como juntas, foram
estabelecidos em várias cidades da Espanha e da América em nome do rei
aprisionado. Em 1809, a
Grã-Bretanha invadiu a Espanha para ajudar na luta contra os franceses. A
metrópole e suas colônias ficaram mergulhadas no caos e o pacto-colonial foi
interrompido em várias partes da América.
1810-1814. As Cortes
de Cádiz. Um parlamento
revolucionário espanhol dominado pela burguesia, que tenta governar a Espanha e
suas colônias em nome de Fernando VII. Em 1812, as Cortes estabeleceram uma constituição liberal que
manteve a monarquia, mas limitou seu poder, aboliu a Inquisição e garantiu a
liberdade de expressão. Delegados criollos participaram dessas deliberações,
mas as Cortes recusaram abolir o monopólio do comércio colonial.
A situação na América ficou confusa. Em algumas colônias, os espanhóis continuaram no
comando, mas em outras os criollos começaram a assumir o poder (Argentina,
Venezuela). Em alguns casos eclodiram insurreições indígenas contra espanhóis e
criollos (México). Os criollos ficaram divididos. Inicialmente, somente uma
minoria mais radical (conhecida como “patriotas”) defendeu a separação total
das colônias. A maioria dos criollos desejava uma nova estrutura imperial, com
a América e a Espanha unidas por uma mesma monarquia e a presença do exército
espanhol em território americano (garantindo a ordem e impedindo revoltas). Mas
eles queriam também direitos iguais aos dos espanhóis, autonomia política e a
liberdade comercial nas colônias.
Dezembro, 1813.
Tratado de Valencay. Derrotado
na Espanha, Napoleão devolveu a coroa espanhola a Fernando VII.
2.3
O reinado de Fernando VII (1813-1833)
O novo monarca Bourbon frustrou as
expectativas dos liberais espanhóis e criollos. Em 1814, apoiado pela Igreja e
pelos elementos mais conservadores, ele rejeitou a Constituição de 1812, impôs
o absolutismo e tentou restaurar o controle espanhol sobre as colônias enviando
mais tropas à América para reprimir os movimentos separatistas e de autonomia.
A crise nas relações metrópole-colônias se aprofundou e a revolução e a guerra
civil expandiram-se pelos territórios hispano-americanos. A desintegração do
império colonial espanhol foi acelerada pela Revolução Espanhola de
1820-1823, um movimento liberal que forçou Fernando VII a restaurar a
Constituição de 1812 e a abolir os privilégios do clero, mas que deixou a Espanha também mergulhada na
guerra civil. Em 1823, em comum acordo com outras potências europeias, a França
invadiu a Espanha e ajudou Fernando VII a esmagar a revolução liberal. Nos três
anos seguintes, a monarquia instalou um regime de terror contrarrevolucionário
na metrópole mas, a essa altura, o poder espanhol na América havia entrado em
total colapso e as colônias tinham ficado independentes com apoio da
Grã-Bretanha e dos EUA.
3. Principais momentos das Revoluções Hispano-Americanas
3.1 O colapso espanhol no México e na América Central (1810-1821)
O movimento de independência do Vice-Reino da Nova Espanha (México) foi
iniciado por uma revolução camponesa de índios e mestiços liderados por Hidalgo
e Morelos. Contudo, a independência só triunfou quando contou com o apoio dos
criollos, liderados por Iturbide. A Espanha também perdeu a Capitania da
Guatemala (América Central) na mesma época da independência do México.
1810-1814. A
Revolta de Hidalgo e Morelos. O
México foi palco do movimento mais popular e radical do período na América
espanhola, caracterizado por uma insurreição das massas camponesas indígenas e
mestiças, lideradas pelos padres Hidalgo e Morelos.
Hidalgo foi o primeiro líder. Afirmou agir em nome de Fernando VII mas na
prática defendeu a expulsão dos espanhóis, a abolição dos tributos indígenas e
a devolução de suas terras. O movimento transformou-se em uma guerra racial e
os brancos (peninsulares e criollos) foram massacrados nas áreas controladas
pelos rebeldes. Os espanhóis conseguiram capturar Hidalgo e o fuzilaram (1811).
A luta continuou sob a liderança de Morelos, que abandonou a lealdade a
Fernando VII e proclamou uma república independente com direitos iguais para
todos e um plano de reforma agrária. Morelos também foi capturado e executado
pelos espanhóis (1815).
1815-1821. A
resistência guerrilheira e a independência do México. Depois do
fracasso da Revolta de Hidalgo e Morelos, grupos rebeldes continuaram
resistindo com uma luta de guerrilha, liderados por Vicente Guerrero
e Guadalupe Victoria. O movimento de independência parecia ter
pouca chance de triunfar. Os criollos estavam divididos e a facção conservadora
prevalecia, defendendo a monarquia e os privilégios do clero e dos militares. O
principal comandante do exército era um criollo conservador, Agustín de Iturbide, que estava
preparando-se para sufocar a guerrilha anti-espanhola quando a Revolução
Liberal de 1820 estourou na metrópole. A revolução, que visava reduzir a
autoridade do rei, eliminar os privilégios do clero e dos militares (os
tribunais especiais) e confiscar os bens da Igreja, assustou os conservadores.
Temendo que as medidas revolucionárias fossem aplicadas na colônia, Iturbide e
os conservadores mudaram de posição e passaram a apoiar a independência,
buscando um acordo com os rebeldes. O resultado foi o Plano de Iguala
(24 fevereiro 1821), um compromisso entre as lideranças criollas (Iturbide) e
indígenas e mestiças (Guerrero) que proclamou a independência do México.
Buscando conciliar interesses conservadores e liberais, o Plano estabeleceu as
“três garantias”, que seriam protegidas pelo exército: (I) o México seria uma
monarquia independente com um monarca europeu, de preferência da dinastia
espanhola; (II) mexicanos (criollos, mestiços e índios) e peninsulares teriam
direitos iguais; (III) a Igreja Católica manteria seus privilégios. Em setembro
de 1821, a
Espanha reconheceu a independência da sua colônia mais importante. Contudo, na
ausência de um monarca europeu, Iturbide acabou assumindo o trono mexicano em
1822-1823 com o título de Augustin I. Iturbide tentou também
dominar as colônias espanholas da América Central (1821), mas elas acabaram se
separando do México para constituírem, em 1823, as Províncias Unidas
Centro-Americanas (em 1838, essa federação centro-americana se
fragmentou nas pequenas repúblicas da Guatemala, Honduras, El Salvador,
Nicarágua e Costa Rica). Augustín I não conseguiu apoio suficiente para se
manter (o exército ficou dividido) e foi derrubado pelos militares. O México
virou uma república, presidida por Guadalupe Victoria (1824-1829).
3.2 O colapso espanhol na América do Sul
A luta pela independência das colônias espanholas na América do Sul foi mais
demorada do que o do México. Não houve um levante de índios e mestiços mas uma
guerra dos criollos, mobilizando as camadas populares, contra os espanhóis. O
envolvimento dos britânicos nesses eventos foi maior do que na Nova Espanha,
com o fornecimento de mercenários, armas e ajuda financeira. Os principais
líderes ou caudilhos da luta separatista na região foram Simon Bolívar, San
Martin, Sucre e O’Higgins.
1810-1825. A
independência do Vice-Reino do Prata e do Chile. Os territórios do
Vice-Reino do Prata foram os primeiros que conseguiram ficar independentes.
Como vimos, os criollos de Buenos Aires haviam adquirido autonomia política, na
prática, desde 1806. Em 1810, as juntas criadas em nome de Fernando VII
tentaram assumir o controle da colônia, que ficou envolvida em uma guerra
contra os espanhóis. Os criollos triunfaram mas o Vice-Reino do Prata acabou se
dividindo em repúblicas independentes: o Paraguai (1811), o Uruguai (1811-1815,
anexado por D. João VI ao Brasil em 1816) e a Argentina (1816, oficializada
pelo Congresso de Tucuman). O principal líder da independência argentina foi o
general criollo José de San Martin que, do Prata, lançou uma
campanha contra os espanhóis no Chile e no Peru. Em 1817-1818, ele ajudou o
líder separatista chileno Bernardo O’Higgins a libertar o
Chile, onde a luta emancipacionista havia começado em 1814. Na luta pela
independência chilena (concluída em 1818) destacou-se o mercenário britânico
Lorde Thomas Cochrane, almirante da esquadra rebelde, que mais
tarde participaria da independência do Brasil. Em 1820, San Martin partiu para
libertar o Peru. A Bolívia (o “Alto Peru”, formalmente parte do Vice-Reino do
Prata), só obteve a independência em 1825 depois que o venezuelano Antonio
José de Sucre, auxiliar de Simon Bolívar, derrotou as últimas forças
espanholas no vizinho Peru, no final de 1824. Os criollos do Alto Peru chamaram
o novo país de “Bolívia” em homenagem a Bolívar e elegeram Sucre o seu primeiro
presidente.
1811-1822. A
independência da Venezuela e do Vice-Reino de Nova Granada. A luta
pela independência da Venezuela e de Nova Granada (Colômbia, Equador e Panamá)
foi uma das mais difíceis e confusas, com criollos e espanhóis se revezando no
controle desses territórios. Já em 1806, o revolucionário Francisco de
Miranda havia tentado, sem sucesso, expulsar os espanhóis da
Venezuela. Em 1810, os criollos venezuelanos assumiram o controle da junta de
Caracas e, em 1811, declararam a independência da Venezuela, liderados por
Miranda. Contudo, os espanhóis contra-atacaram e recuperaram o controle da
colônia (1812). Miranda foi preso e a liderança do movimento separatista foi
assumida por Simon Bolívar que, depois de alguns sucessos
iniciais, foi derrotado pelos espanhóis na Venezuela (1813-1814) e na Colômbia
(1815), onde havia se refugiado. Bolívar fugiu para o Haiti (1816) e, auxiliado
pelo presidente haitiano Alexandre Pétion, retornou para a Venezuela,
conseguindo finalmente libertar a maior parte do país (1817-1819). Em 1819 ele
invadiu a Colômbia e derrotou os espanhóis na decisiva Batalha de Boyacá
(agosto 1819). Em 1820-1821 as forças bolivarianas expulsaram os espanhóis da
Colômbia e do que restava da Venezuela. Com a vitória, os criollos reunidos no
Congresso de Cúcuta (1821) estabeleceram a República da Grã-Colômbia
– Colômbia, Venezuela, Panamá e Equador (que continuava ocupado pelos
espanhóis) – cujos fundamentos políticos tinham sido aprovados anteriormente no
Congresso de Angostura (1819). Bolívar assumiu a presidência do novo país. Em
1822, junto com Sucre, expulsou os espanhóis do Equador e encontrou-se com San
Martin em Guayaquil. No
“Encontro de Guayaquil” (julho 1822) os dois maiores líderes
da luta contra a Espanha debateram o futuro da América do Sul e as operações
contra as forças espanholas no Peru. Ao término da conferência, San Martin
resolveu retornar para a Argentina e Bolívar assumiu a tarefa de comandar a
campanha final contra os espanhóis.
1811-
1820-1824. A
independência do Vice-Reino do Peru. O Peru e a Bolívia foram os
últimos territórios libertados dos espanhóis na América do Sul. A libertação do
Peru começou com a ofensiva de San Martin que, partindo do Chile, invadiu o
Peru (1820). Em julho de 1821, San Martin tomou Lima e avançou na direção do
Equador para se encontrar com Bolívar (1822). Como visto, depois da Conferência
de Guayaquil, San Martin retirou-se do Peru e a ofensiva final contra os
espanhóis foi assumida por Bolívar e Sucre. Em 1824 os remanescentes do
exército espanhol foram derrotados nas batalhas de Junin (agosto) e de Ayacucho
(dezembro). Depois de comandar a vitória criolla em Ayacucho, Sucre ocupou a
Bolívia (1825). Em 1826, as últimas tropas espanholas abandonaram a América do
Sul.
3.3 Os EUA, a Grã-Bretanha e a independência da América Latina
A independência da América Latina contou com o apoio decisivo das duas maiores nações liberais da época, a Grã-Bretanha e os EUA, que temiam que outras potências europeias instigadas pela Santa Aliança tentassem ocupar os territórios perdidos pela Espanha e Portugal. Além disso, ambas possuíam interesses econômicos que poderiam ser atendidos com o fim do pacto colonial e o estabelecimento do livre comércio na América Latina.
Os EUA. A posição dos EUA foi definida pela Doutrina Monroe (1823), elaborada por
John Quincy Adams, secretário de Estado do presidente James Monroe (1817-1825).
Os EUA afirmaram que os países americanos tinham o direito de se separar de
suas metrópoles e que não aceitariam intervenções estrangeiras na região (“A
América para os americanos”). Por outro lado, os EUA se comprometeram em manter
a política de não envolvimento nos assuntos da Europa, posição adotada logo
após sua independência – a política de isolacionismo.
A Grã-Bretanha. Na Grã-Bretanha, o reconhecimento demorou
mais, apesar dos interesses geopolíticos e econômicos em jogo. O país tinha
compromissos com a Espanha e com Portugal, o que deixou o Parlamento dividido.
Enquanto o novo monarca, George IV (1820-1830) e parte do gabinete ministerial foi
contra apoiar movimentos revolucionários, a opinião pública britânica era
simpática à causa dos latino-americanos. Depois de muita discussão, o
secretário do Exterior George Canning convenceu o governo conservador do
primeiro-ministro Liverpool a reconhecer as independências em 1825-1827.
3.4 Consequências das Revoluções
Hispano-Americanas
Dissolução do império colonial espanhol na América. A Espanha só manteve o domínio sobre Cuba e Porto Rico (até 1898).
Fragmentação da América espanhola. Ao contrário das Treze
Colônias Britânicas, que formaram a federação dos Estados Unidos da América, e
do Brasil, que constituiu um império unitário, as nações hispano-americanas não
conseguiram estabelecer um Estado centralizado, nem em escala regional. A
Argentina assumiu o nome oficial de Províncias Unidas do Rio da Prata, mas
ficou separada do Uruguai, do Paraguai e da Bolívia; a República da
Grã-Colômbia dividiu-se em 1830, com a separação da Colômbia, Venezuela e
Equador; e as Províncias Unidas ou Federação Centro-Americana implodiu em 1838,
formando a Guatemala, Honduras, El Salvador, Nicarágua e Costa Rica. Antes
dessa fragmentação, Bolívar havia tentado inutilmente estabelecer uma unidade
maior da América espanhola ao organizar o Congresso do Panamá
(1826), inspirado no ideal do pan-americanismo
– união ou solidariedade dos povos americanos. Sua proposta de uma espécie de
federação hispano-americana foi rejeitada e o pan-americanismo malogrou. As
principais razões dessa fragmentação política e da falta de unidade foram: (I)
a herança administrativa da colonização espanhola, que havia criado agrupamentos
políticos separados; (II) as distâncias consideráveis e o transporte precário
em um enorme território, dificultando as comunicações; (III) a existência de
lideranças regionais autônomas, os caudilhos, que temiam perder poder e
influência no caso de uma unificação ou da criação de uma estrutura maior mais
centralizada.
A permanência de estruturas econômicas “coloniais”. A
independência política da América hispânica não foi acompanhada por
modificações profundas em suas estruturas econômicas (produção de
matérias-primas para a exportação, monopólio das terras nas mãos dos criollos),
embora tenham ocorrido algumas alterações em suas estruturas sociais (abolição
da escravidão e da servidão, igualdade de direitos entre brancos, índios,
negros e mestiços). Com efeito, a abolição do pacto-colonial e a adoção do
livre-comércio aproximaram ainda mais as economias latino-americanas da
Grã-Bretanha, enquadrando-as na divisão internacional do trabalho desenvolvida
pela Revolução Industrial – países produtores de matérias-primas e países
produtores de bens industriais, que eram também grandes “exportadores de
capital”, quer dizer, investidores e fornecedores de capital. Na verdade, o
livre-comércio estimulou a especialização da América Latina na produção de matérias-primas,
consolidando uma situação de dependência econômica (de bens industriais e de
capital estrangeiro), principalmente em relação à Grã-Bretanha, o que levou
alguns estudiosos a considerar que a região havia se tornado parte “informal”
do Império Britânico.
A instabilidade política. Ao longo do século XIX, as nações
hispano-americanas continuaram envolvidas em violentas disputas políticas e na
guerra civil, de uma maneira geral entre liberais e conservadores, tendo como
ponto central a questão de eliminar ou não os privilégios do clero e dos
militares e a expropriação das terras da Igreja. Por outro lado, tanto liberais
quanto conservadores resistiram em fazer reformas mais radicais em benefício
das massas indígenas e mestiças, reproduzindo um quadro de exclusão política e
de forte desigualdade social.
Bibliografia
BETHELL, Leslie (org). História da
América Latina, Volume III – Da Independência Até 1870. São Paulo, Edusp,
2004. O mais completo estudo disponível em língua portuguesa sobre o processo
de independência da América ibérica e a formação dos Estados na região.
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