A Revolução Haitiana (1791-1804)
O Haiti foi a segunda colônia na América que
se tornou independente. O seu movimento de independência (a Revolução
Haitiana 1791-1804, dirigida
contra os colonizadores franceses e invasores britânicos e espanhóis) foi o
mais radical e violento de todo o continente americano – o único feito por escravos africanos, que
massacraram a população branca, assumiram o poder e instalaram o primeiro
Estado negro da América.
1. Antecedentes: o Haiti em 1789
O Haiti é um pequeno país de 27 mil km2 que ocupa a
parte ocidental da ilha de Hispaniola, no Caribe (a parte oriental é a
República Dominicana). Nos séculos XVII e XVIII ele foi colonizado pelos
franceses, que o chamavam de Saint Domingue. Em 1789, Saint Domingue era
a principal colônia da França e uma das mais ricas da América.
1.1 Características
gerais de Saint Domingue
■ Era o maior
produtor e exportador de açúcar do mundo (produzia 40% do açúcar mundial), além
de fornecer 50% do café consumido na
Europa.
■ Era responsável por 35% do
comércio internacional da França, sendo uma das principais fontes de acumulação
de capital da burguesia mercantil francesa.
■ A produção
agrícola era baseada no sistema de plantation escravista
■ A população
colonial: 500 mil habitantes, sendo 35 mil brancos (inclusive os grand
blancs, a aristocracia proprietária de 7 mil plantations), 30 mil mulatos
livres e negros alforriados (os affranchis, sem direitos políticos
embora alguns tivessem fazendas e escravos) e 435 mil escravos negros, a
maioria nascida na África Ocidental.
■ Existiam assembleias
coloniais e governos municipais controlados pela aristocracia branca
■ Legislação colonial
racista, marginalizando os mulatos livres e os negros alforriados.
■ A religião
oficial era o catolicismo, mas entre os negros e parte dos mulatos havia uma
forte presença dos cultos africanos politeístas e animistas que originaram o vodu.
1.2 O impacto
da Revolução Francesa (1789)
A Revolução Francesa, com sua ideologia liberal, trouxe uma
expectativa de mudanças, como liberdade, igualdade de direitos e abolição da
escravidão. Mas o governo revolucionário francês de 1789-1791 e a elite
colonial (que possuía representantes na Assembléia Nacional da França)
resistiram em fazer reformas políticas e sociais em Saint Domingue, frustrando
as expectativas dos mulatos, negros alforriados e escravos. A comunidade
branca, por sua vez, se dividiu em facções rivais, disputando violentamente o
controle das assembléias coloniais e os governos municipais. Ao mesmo tempo, os
mulatos começaram a formar bandos armados que entraram em confronto com os grands
blancs. Os dois lados armaram escravos para enfrentar o adversário. A
violência social se espalhou e Saint Domingue mergulhou no caos político.
2. Motivos da Revolução Haitiana
A Revolução Haitiana, que culminou na
independência de Saint Domingue, foi simultaneamente uma revolução social
(os escravos se rebelando contra os seus senhores), uma guerra racial
(negros e mulatos contra brancos) e uma luta anticolonial (contra a dominação europeia). Os
principais líderes revolucionários foram os negros Toussaint L’Ouverture e Jean-Jacques Dessalines. A
Revolução Haitiana foi causada pelos seguintes fatores:
■
O crescente antagonismo entre escravos e senhores, típico das sociedades
escravistas, mas mais agudo em Saint Domingue em função de suas características
particulares: com uma grande concentração de escravos, Saint Domingue era um
“barril de pólvora” que, para não explodir (revolta generalizada de escravos),
precisava de uma forte presença militar da metrópole.
■
O impacto político e ideológico da Revolução Francesa, com a difusão dos ideais
de liberdade e igualdade.
■
As dificuldades militares da metrópole em reprimir a revolução negra, advindas
das guerras revolucionárias da França, que desviaram recursos e soldados que
poderiam ter sido utilizados em Saint Domingue. Em 1802, Napoleão parecia estar
perto de recuperar o controle francês sobre a colônia, mas já era tarde demais.
O custo em vidas, os gastos financeiros e a destruição material resultantes de
uma reconquista total de Saint Domingue no início do século XIX tinha ficado
por demais elevado e inviável, não compensando a recolonização.
3. Principais momentos da Revolução Haitiana
Agosto 1791. Início da insurreição dos escravos negros
contra seus senhores. Em meio à anarquia e aos massacres, facções de negros,
mulatos e brancos formaram alianças temporárias.
1792-1794.
Governo de Sonthonax.
Em 1792, o governo revolucionário francês, cada vez mais radicalizado (a
monarquia foi derrubada e a república proclamada), enviou o Comissário Léger
Sonthonax, um jacobino, para assumir o governo de Saint Domingue. Com poderes
especiais, Sonthonax instalou um regime ditatorial de terror, aliou-se aos mulatos
e perseguiu os brancos, acusados de serem monarquistas e contra-revolucionários.
1793-1795.
Intervenção da Espanha. Em março de 1793, a Espanha, que
dominava a parte oriental da ilha de Hispaniola (colônia de Santo Domingo),
invadiu Saint Domingue, com apoio dos brancos e ocupou o norte da colônia. Os
espanhóis também utilizaram tropas de negros de Saint Domingue. Um desses batalhões
foi comandado por Toussaint L’Ouverture.
1793-1794.
Abolição da escravidão. Buscando aliados
para enfrentar os espanhóis e os monarquistas, Sonthonax decretou a abolição da
escravidão (23 agosto 1793). Na França, a Convenção Nacional jacobina confirmou
esse ato e aboliu a escravidão em todas as colônias francesas (4 fevereiro
1794). Com a abolição, Toussaint L’Ouverture se voltou contra os espanhóis e
passou para o lado dos franceses.
1793-1798.
Intervenção da Grã-Bretanha. Em setembro de 1793, a Grã-Bretanha
invadiu Saint Domingue, também com apoio dos grands blancs, e tentou
tomar a colônia dos franceses. Mas os britânicos acabaram fracassando. Doenças
(febre amarela e malária) e a violenta resistência dos mulatos e negros
pró-franceses (destacando o comando de Toussaint L’Ouverture) mataram 13 mil
dos 20 mil soldados britânicos enviados. Além disso, os acontecimentos em Saint Domingue e a
ação de agitadores jacobinos espalharam a revolução dos escravos pelas outras
ilhas do Caribe, inclusive nas Índias Ocidentais Britânicas, impedindo a
Grã-Bretanha de mandar reforços para o Haiti.
1798. A Grã-Bretanha
abandona Saint Domingue. Com
a retirada britânica, o poder europeu
(branco) entrou em colapso em Saint Domingue , abrindo caminho para os negros
assumirem o controle da colônia.
1798-1801. Toussaint
L”Ouverture no poder.
Auxiliado por outros dois comandantes negros, Jean-Jacques Dessalines e Henri
Cristophe, Toussaint derrotou as forças mulatas e assumiu o controle de
Saint Domingue. Oficialmente ele governou em nome da França mas, na prática,
agiu como um soberano independente. Em 1801, ele conquistou Santo Domingo e
unificou Hispaniola. A colônia francesa estava devastada (75% dos brancos e 40%
dos mulatos tinham sido mortos ou emigraram; 40% dos negros morreram) e
Toussaint instalou um regime militar ditatorial, com trabalho forçado (uma
escravidão disfarçada) para tentar recuperar a produção e exportação de açúcar,
em um sistema de plantations estatais
(70% das terras) – a “agricultura militarizada”. Essas medidas minaram a
popularidade de Toussaint.
1802-1803. Invasão
napoleônica. Napoleão
Bonaparte, que desejava estabelecer um grande império colonial na América, restaurou
a escravidão e tentou recuperar o efetivo controle francês sobre Saint Domingue.
Um grande exército (20 mil soldados, depois reforçados por outros 25 mil),
comandado pelo seu genro, o general Charles Leclerc, invadiu
Saint-Domingue. Inicialmente, parecia que Leclerc sairia vitorioso. Toussaint
foi capturado e enviado para a França, onde morreu na prisão. Mas a tentativa francesa
de restaurar a escravidão desencadeou mais revoltas, enquanto as doenças dizimavam
as tropas invasoras (o próprio Leclerc morreu de febre amarela em 1802 e foi
substituído pelo general Rochambeau). O exército negro ficou sob o comando de
Dessalines e Cristopher e guerra racial
foi retomada com intensa brutalidade, resultando em novos massacres. A situação
francesa se complicou quando os britânicos atacaram suas posições na costa de
Saint Domingue, em julho de 1803. Sem alternativa, a França desistiu de Saint
Domingue e os remanescentes das forças napoleônicas, mais 18 mil refugiados,
abandonaram a colônia, em novembro de 1803. A antiga parte espanhola, Santo Domingo,
continuou ocupada pelos franceses até 1809 (a Espanha depois a recuperaria). A
campanha de Napoleão para reconquistar Saint Domingue fracassou, com a perda de
40 mil dos seus melhores soldados.
1 janeiro 1804.
Independência de Saint-Domingue. Proclamada por Dessalines. O país passou a se chamar Haiti
(na língua nativa significa “a terra das montanhas”). Dessalines assumiu o
governo em um regime monárquico (corou-se imperador Jacques I, 1804-1806).
4. Conseqüências da
Revolução Haitiana
Criação do primeiro Estado afro-americano. A república foi
adotada em 1821. Em 1822, o Haiti reconquistou Santo Domingo e por mais de duas
décadas dominou toda ilha de Hispaniola. Em 1844, a Republica Dominicana ficou
independente do Haiti (as tentativas haitianas de reconquistar o território
dominicano nas décadas de 1840 e 1850 fracassaram).
Problemas da nova nação. As destruições causadas
pela revolução, o extermínio e fuga dos brancos (mais instruídos e preparados
tecnicamente), o desenvolvimento da agricultura de subsistência e as lutas
internas entre negros e mulatos levaram ao colapso econômico e empobrecimento
do Haiti. Outro problema foi que a França só reconheceu a independência em 1825, depois que o Haiti pagou uma grande
indenização.
O temor da haitização. O exemplo
haitiano assustou as elites brancas das outras colônias europeias na América,
especialmente no Caribe e no Brasil, onde existiam sociedades mais parecidas com
a de Saint Domingue. Temendo revoluções semelhantes em seus territórios, elas
adotaram uma postura conservadora de evitar o confronto com suas metrópoles, o
que reduziu, temporariamente, o ideal de independência.
Bibliografia:
BLACKBURN, Robin. A Queda do Escravismo Colonial
1776-1848. Rio de Janeiro, Record, 2002. Análise da abolição da escravidão
em diversos países da América no contexto da “Era das Revoluções”. Os capítulos
5, 6 e 12 tratam do Haiti e do Caribe francês.
JAMES, Cyril Lionel R. Os Jacobinos
Negros – Toussaint L’Ouverture e a Revolução de São Domingos. São Paulo,
Boitempo, 2000. Obra clássica sobre o papel de Toussaint L’Ouverture na Revolução
Haitiana.
2 comentários:
BRIGADÃO CASSIOOOOOO!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! ME SALVASSE. AJUDOU MUITO NO MEU TRABALHO, OBRIGADA POR TER FICADO UNS TRES ANOS FAZENDO ISSO! TU É TOP. VALEU A PENA!!!!!!!! AGREDECIDA.
Amei também muito!!!
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