terça-feira, 28 de abril de 2015

67 - Roteiro de estudo


ROTEIRO DA PROVA DA 2 ETAPA DO 2 ANO

Pessoal, como a matéria está grande demais, fiz a seguinte distribuição do conteúdo a ser avaliado:

PROVA DA 2 ETAPA

1. Minha parte (Cássio)

Longo Século XIX

Sua periodização

A "Tripla Revolução"

O Iluminismo

Revolução Americana

A Negligência Colonial

A Guerra dos Sete Anos

A Nova Política Colonial e a reação dos colonos

Principais momentos da Revolução: Congresso Continental, influência do Common Sense, a Declaração de Independência e a Constituição de 1787

FONTE DE ESTUDO

Esquemas no caderno e no blog postagem 26

Texto do blog postagens 66, 65 (itens 1 e 2), 63 (item 1) 46 (item 3.3)

2. A parte do Paulo

O Período Joanino

A independência do Brasil

A Constituição de 1824

A Confederação do Equador

FONTE DE ESTUDO

Esquemas no caderno

Texto postagem 59 e na apostila 1 (Capítulo 1 página 65)

SIMULADO

Consequências da Revolução Gloriosa

A Revolução Industrial

 

 

66 - A REVOLUÇÃO AMERICANA


A REVOLUÇÃO AMERICANA (1774-1787) 

1. ANTECEDENTES: PROBLEMAS BRITÂNICOS EM 1763-1764

A Grã-Bretanha alcançou uma vitória extraordinária na Guerra dos Sete Anos e expandiu seu império colonial, não apenas tomando territórios franceses e espanhóis na América, como também ampliando seus domínios na Índia em detrimento da França. Contudo, a vitória britânica veio acompanhada de alguns problemas:

■ A França era a maior ameaça à segurança das Treze Colônias que, por isso, precisavam da proteção da metrópole. Com a expulsão dos franceses da América do Norte, essa ameaça desapareceu e a Grã-Bretanha perdeu importância para a segurança dos colonos.

■ A guerra teve um custo financeiro muito elevado e, junto com os gastos necessários para a administração de um império que ficou mais extenso, aumentou a dívida do governo britânico para níveis alarmantes (ela duplicou, ultrapassando 130 milhões de libras).

■ Os territórios a leste do Mississipi foram incorporados ao Império Britânico, mas as tribos indígenas locais resistiram à ocupação branca da região, desencadeando a Revolta de Pontiac (1763-1764) – um grande levante de várias tribos nativas, lideradas por Pontiac, chefe dos ottawa. A revolta foi sufocada com dificuldade pelos britânicos, que ficaram preocupados com a possibilidade de novos levantes ocorrerem em um futuro próximo, no momento em que o governo buscava evitar novas despesas e equilibrar as contas públicas.

1.1 A NOVA POLÍTICA COLONIAL (1763-1774)

Nos primeiros anos do reinado de George III (1760-1820), a ampliação do império colonial britânico, as necessidades financeiras decorrentes da Guerra dos Sete Anos e os problemas com os índios no leste do Mississipi levaram a Grã-Bretanha a adotar uma nova política colonial. Essa reorganização imperial foi iniciada pelo governo do primeiro-ministro Grenville (1763-1765) e continuou na administração de seus sucessores Rockingham (1765-1766), Pitt, o Velho (1766-1767), Grafton (1767-1770) e Lord North (1770-1782). Suas diretrizes gerais foram:

A Proclamação de 1763. Proibiu a colonização dos territórios anexados a oeste dos Apalaches (Ohio), para evitar conflitos com os índios e controlar a cessão de terras. Essa medida resultou em um conflito entre os colonos e a metrópole, com os americanos considerando que o governo britânico os privava dos benefícios de uma vitória que haviam ajudado a alcançar.

Intensificar o controle político e a exploração econômica das Treze Colônias. A intenção era integrá-las efetivamente ao sistema colonial mercantilista, cobrir os gastos da guerra e custear a manutenção de tropas britânicas na América, necessárias, na ótica da metrópole, para a defesa das colônias. Essa política caracterizou-se pelas tentativas de aumento dos impostos, de adoção de um pacto-colonial mais rigoroso, do combate ao contrabando e de redução da autonomia das assembleias coloniais.

Adotada em uma época de dificuldades econômicas nas colônias, sobre uma população acostumada com uma situação de semi-autonomia dentro do Império Britânico, zelosa de seus direitos e liberdades (ou do que acreditava serem seus direitos e liberdades) e sequiosa por novas terras, a Nova Política Colonial desagradou os colonos e precipitou uma crise política nas relações entre a metrópole e as Treze Colônias – crise que evoluiu para uma rebelião generalizada contra o governo britânico e se transformou em revolução.

1.2 A QUESTÃO DOS IMPOSTOS E A REAÇÃO DOS COLONOS

Até 1763, os colonos anglo-americanos pagavam impostos suaves, mais baixos do que os cobrados na metrópole. Em sua visão, como eles não tinham representantes no Parlamento britânico, consideravam que somente as assembleias coloniais possuíam competência para aumentar ou estabelecer novos tributos. Para muitos colonos, portanto, a nova política fiscal do governo britânico (elevação das taxas alfandegárias e aplicação de novas tarifas), ainda que decidida pelo Parlamento, era ilegal e arbitrária. Sua imposição, pensavam, tornavam a monarquia de George III e seu ministério “tirânicos” e implicavam na “escravização” dos seus súditos na América. Instigados pelos grupos radicais e reivindicando a aplicação dos direitos constitucionais britânicos, os colonos reagiram com uma surpreendente determinação contra essas medidas.

1764. Lei do Açúcar (Sugar Act). Chamada também de Lei da Receita. Em 1733, a Grã-Bretanha tinha introduzido a Lei do Melaço, cobrando tarifas sobre o açúcar e melaço das Índias Ocidentais Britânicas importados pelos destiladores de rum da Nova Inglaterra. Contudo, essa lei não foi aplicada com rigor, permitindo que os negociantes norte-americanos contrabandeassem similares mais baratos das colônias francesas e holandesas no Caribe. O Sugar Act alterou esse quadro. Ele reduziu para a metade as taxas do açúcar e melaço importado das Índias Ocidentais Britânicas e combateu com mais eficiência o comércio ilegal, reduzindo o estímulo ao contrabando. Como os comerciantes norte-americanos viram-se forçados a importar legalmente das Índias Ocidentais Britânicas (que, assim, foram beneficiadas pela medida), muitos passaram a pagar taxas pela primeira vez. A Lei da Receita também foi aplicada sobre outros produtos, como o café, vinho, seda e linho.

1765. Lei do Selo (Stamp Act). Obrigou a colocação de selos (estampilhas) que os colonos teriam que adquirir sobre jornais, panfletos, cartas de baralho, contratos e diversos documentos. Ao contrário da Lei do Açúcar, que havia incomodado principalmente os negociantes das colônias do norte, a Lei do Selo atingiu todas as Treze Colônias, sobretudo os grupos que mais influenciavam a opinião pública – comerciantes, tipógrafos, advogados, donos de tavernas, ou seja, a “burguesia” e a “pequena burguesia” urbana colonial. A organização secreta Filhos da Liberdade foi criada por esses grupos para disseminar a resistência nas cidades por meio da propaganda panfletária e, como último recurso, encorajando ações populares mais violentas contra os que apoiassem o Stamp Act . O advogado americano, John Otis, afirmando que “a taxação sem representação era tirania”, lançou o famoso lema “nenhuma taxação sem representação”, que podia ser interpretado como a reivindicação da eleição de deputados para representar os colonos no Parlamento em Londres, ou como a reivindicação de que somente as assembléias coloniais poderiam estabelecer tributos. Um Congresso da Lei do Selo reuniu-se em Nova York (1765), com representantes de 12 colônias (menos a Geórgia), pedindo a revogação da medida, embora deixando claro sua lealdade ao rei. No final, os colonos decidiram boicotar as mercadorias britânicas. O governo – e os empresários – da Grã-Bretanha foram surpreendidos por essa reação, o que levou o novo primeiro-ministro, Rockingham (substituto de Grenville) e o Parlamento a revogarem a Lei do Selo, em 1766.

■ 1767. Leis Townshend. Medidas do chanceler (ministro) do Tesouro ou Erário, Charles Townshend, estabelecendo novos impostos sobre vários produtos (chá, vidro, tinta, papel) para custear não só as despesas militares mas também pagar as autoridades reais nas colônias, que deixariam de depender financeiramente da anuência das assembléias coloniais. A nova legislação também aumentou o poder dos funcionários alfandegários. Essa medidas implicavam claramente no enfraquecimento das assembléias e geraram mais protestos e boicotes, em um clima de tumultos e crescente violência nas cidades, sobretudo em Boston, capital da colônia de Massachusetts. As agitações assumiram dimensões populares, envolvendo a “plebe urbana” (artesãos, lojistas, assalariados pobres) liderada por radicais como Samuel Adams, em um movimento que muitas vezes não era apenas antibritânico mas também antielitista, assustando as classes altas da colônia. A tensão culminou em um incidente, em março de 1770, entre soldados britânicos e colonos no Massacre de Boston, quando cinco americanos foram mortos, episódio que foi bastante explorado pela propaganda antibritânica de Adams. Em uma última tentativa de conciliação, o novo primeiro-ministro, Lord North, revogou as tarifas de Townshend, com exceção da que recaía sobre o chá.

1773. Lei do Chá (Tea Act). O governo de North havia revogado as Leis Townshend mas manteve a tarifa sobre o chá. Isso surtiu pouco efeito na arrecadação em função do intenso contrabando de chá holandês, que concorria ilegalmente com o produto vendido pela Companhia das Índias Orientais, empresa britânica em dificuldades. O Tea Act reduziu as tarifas alfandegárias do chá da companhia, na Grã-Bretanha, barateando-o, e permitiu que ela o vendesse diretamente nas Treze Colônias, nomeando os seus próprios representantes encarregados da venda. A medida prejudicou os interesses dos mercadores americanos e ameaçou estabelecer o monopólio britânico no comércio de chá. Os tumultos retornaram nas grandes cidades portuárias e novamente Boston demonstrou ser o centro das reações mais radicais. Em dezembro de 1773, ocorreu a Festa do Chá de Boston (Boston Tea Party), quando colonos disfarçados de índios mohawks atiraram ao mar o carregamento de chá dos navios da Companhia das Índias Orientais atracados no porto da cidade. Ações semelhantes ocorreram em Nova York e em outros locais, mas a de Boston convenceu as autoridades britânicas que Massachusetts era o centro de uma rebelião, exigindo uma punição.

1774. Leis Intoleráveis. Ou Leis Coercitivas, conjunto de medidas com o objetivo de punir a colônia de Massachusetts e fortalecer a autoridade britânica. O porto de Boston ficaria fechado até que a Companhia das Índias Orientais fosse indenizada e a ordem restabelecida; os poderes da assembléia de Massachusetts foram reduzidos; o governador passaria a nomear os juízes e xerifes; as reuniões públicas estavam proibidas nas cidades; o general Thomas Cage, comandante-chefe da América do Norte, foi nomeado governador e as tropas britânicas teriam o direito de ocupar residências particulares; oficiais britânicos não poderiam ser julgados pelas cortes locais mas enviados para julgamento na metrópole; e pela Lei do Quebec, essa colônia teria um governo centralizado sem assembléia. As Leis Intoleráveis, apesar de dirigidas contra Massachusetts, causaram indignação em todas as colônias e precipitaram uma rebelião generalizada contra o governo britânico.

2. A REVOLUÇÃO AMERICANA (1774-1787)

A Revolução Americana foi o movimento político de criação dos Estados Unidos da América (EUA), sob a forma de uma república liberal, a partir da independência das Treze Colônias britânicas na América do Norte – o primeiro país do continente americano que conseguiu se livrar do colonialismo europeu e constituir um Estado soberano. A revolução foi um marco no nascimento do mundo contemporâneo e no desenvolvimento do liberalismo, inaugurando a “Era das Revoluções Liberais” no Ocidente.

2.1 MOTIVOS E FASES

A Revolução Americana foi resultado da crise do antigo sistema colonial – a incapacidade de conciliação entre os interesses da metrópole e os interesses dos colonos no âmbito da tradicional estrutura colonial mercantilista. A crise foi mais precoce nas Treze Colônias britânicas, manifestando-se antes de sua eclosão na América Latina em função de três fatores: o desenvolvimento de uma estrutura econômica e política colonial relativamente autônoma, o impacto da Guerra dos Sete Anos e os problemas derivados da Nova Política Colonial britânica. A Revolução pode ser dividida em três fases: a rebelião ou revolução conservadora (1774-1775), a guerra de independência (1775-1783) e a organização dos EUA (1783-1787).

a) A Rebelião das Treze Colônias (1774-1775): a “revolução conservadora”

Nessa fase inicial, os colonos se rebelaram contra a Nova Política Colonial, mas ainda não lutavam pela independência. De uma maneira geral, as Treze Colônias aceitavam ser parte do Império Britânico, mas queriam a restauração da tradicional autonomia e liberdades ameaçadas pelos impostos e intervencionismo da metrópole. O lema dessa fase da revolução era “Nenhuma taxação sem representação”, ou seja, apenas um órgão legislativo com representantes dos colonos poderia tributá-los. Esse órgão deveriam ser as assembléias coloniais ou o próprio Parlamento britânico, desde que contasse com deputados eleitos pelas Treze Colônias.

A divisão dos colonos

Apesar da insatisfação generalizada com as medidas britânicas, os colonos ficaram divididos quanto ao que fazer de sua relação com a metrópole. Muitos estavam confusos ou indiferentes. De uma maneira geral, formaram-se dois grupos políticos:

Os realistas ou legalistas. Também chamados de “tories”, eram os colonos que insistiam em manter a união com a Grã-Bretanha por serem mais comprometidos com o sistema colonial, mais presos aos laços sentimentais com a metrópole e mais assustados com a violência das agitações populares. Compunham 20% dos colonos.

Os patriotas. Eram os colonos favoráveis à independência, que acabaram se tornando maioria. Estavam por sua vez subdivididos em duas facções, os conservadores e os radicais. Os patriotas conservadores eram formados pelos colonos mais ricos (grandes proprietários rurais, grandes mercadores), dominavam as assembléias e queriam evitar a perda dos seus privilégios (como o voto censitário) ou uma revolução social (como o fim da escravidão). Inicialmente sua posição política era de tendência realista, ainda que insistindo na autonomia das colônias, mas passaram a defender o separatismo na medida em que seus interesses eram contrariados pela metrópole, além de considerarem necessário apoiar o movimento de independência para reduzir a influência dos radicais. Os patriotas radicais eram constituídos pelos pequenos proprietários rurais, a pequena burguesia urbana e os trabalhadores assalariados, defendiam a democracia e um governo mais voltado aos interesses das camadas populares. Constituíam 45% dos colonos (outros 35% tentaram permanecer neutros).

A intensificação do confronto entre colonos e metrópole

1774. O Primeiro Congresso Continental. Para coordenar a luta contra a Grã-Bretanha, os colonos resolveram estabelecer o Congresso Continental, um congresso ilegal com representantes de 12 colônias (a Geórgia inicialmente não participou), reunido em setembro de 1774, que se transformou em uma assembléia geral revolucionária das Treze Colônias. O Congresso não propôs a independência e considerou os americanos súditos do rei, mas negou ao Parlamento o direito de tributar as colônias e decidiu pelo boicote do comércio com a metrópole. Comissões foram criadas nas cidades e condados para divulgar e garantir essa resolução. Em geral constituídas por radicais, essas comissões acabaram difundindo o ideal revolucionário entre os colonos, que passaram a se armar e formar milícias de minutemen (tropas irregulares ou não-profissionais, em geral pequenos proprietários rurais). Mas as posições anti-separatistas e indiferentes continuaram prevalecendo.

1775. O confronto em Lexington. As atitudes moderadas e de conciliação foram superadas pela evolução dos acontecimentos em Massachusetts, o centro da crise colonial. Em 19 de abril de 1775, tropas britânicas entraram num sangrento choque com os minutemen em Lexington e Concord, nas cercanias de Boston. Os radicais rapidamente exploraram o fato, difundindo informações exageradas sobre o acontecimento que resultaram em uma série de ações violentas contra os britânicos (derrubada de governadores, tomada de fortes e depósitos de armas etc).

1775. O Segundo Congresso Continental. Reunido rapidamente na Filadélfia, em maio, para tratar dos acontecimentos de Lexington e seus desdobramentos, com delegados de todas as 13 colônias (a Geórgia relutou a participar no início mas acabou aderindo). O Congresso decidiu organizar a defesa transformando as milícias em um Exército Continental, financiado pelos colonos. George Washington, líder conservador da Virgínia, foi nomeado seu comandante. Muitos hesitavam ainda quanto a independência, mas o conflito armado se alastrou. Em 17 de junho de 1775 ocorreu perto de Boston um outro e mais violento confronto entre britânicos e colonos – a Batalha de Bunker Hill. Num gesto final de tentativa de conciliação, o Congresso aprovou em julho a Petição do Ramo de Oliveira, confirmando que as colônias eram leais ao rei e apelando ao monarca por uma solução pacífica. Foi inútil e, em agosto, o rei George III proclamou que as colônias estavam em estado de rebelião.

b) A Guerra de Independência dos EUA (1775-1783)

A guerra entre as colônias e sua metrópole estourou em abril de 1775 depois do choque entre os colonos e os britânicos em Lexington.

Janeiro 1776. "O Bom Senso". A idéia de independência ganhou força com a publicação e a rápida divulgação do folheto Bom Senso ou Senso Comum (Common Sense) de Thomas Paine, radical britânico e simpatizante dos colonos, que condenou o rei e defendeu a instituição de uma república pelos americanos.

4 de julho de 1776. “Declaração de Independência”. Na verdade, foi a declaração das razões da independência (que tinha sido oficialmente aprovada dois dias antes e incorporada ao novo documento). Elaborada por uma comissão encabeçada por Thomas Jefferson, inspirou-se nas tradições políticas inglesas (liberais), afirmando que o governo é instituído pelos homens para proteger os direitos a vida, liberdade e busca da felicidade; que quando esses direitos são ameaçados por um governo tirânico e opressor, o povo tem o direito de se rebelar contra ele e estabelecer um novo governo.

O apoio internacional. Já no primeiro ano da guerra alguns voluntários da nobreza européia (como o francês Marquês de Lafayette) lutaram ao lado dos colonos. Oficialmente, os americanos negociaram com os governos europeus um apoio mais direto. Nessas negociações destacou-se Benjamin Franklin, embaixador em Paris. Depois da importante vitória das forças americanas sobre os britânicos na Batalha de Saratoga, em Nova York (outubro 1777) foi possível a aliança com a França, que reconheceu a independência dos EUA (fevereiro 1778) e entrou em guerra com a Grã-Bretanha (junho 1778). Os franceses enviaram um exército para a América, participando decisivamente dos combates. A Espanha e a Holanda também ajudaram os americanos e entraram na guerra contra a Grã-Bretanha em 1779 e 1780, respectivamente. Por sua vez, os países neutros da Europa, liderados pela Rússia, se comprometeram em defender a “liberdade dos mares” contra as ações britânicas que visavam bloquear o comércio americano. A Grã-Bretanha ficou, assim, isolada.

Setembro-outubro 1781. A Batalha de Yorktown e o fim da guerra. Na Batalha de Yorktown, na Virgínia, os franceses e os americanos obtiveram uma vitória decisiva sobre os britânicos, levando-os à capitulação. Embora os britânicos continuassem ocupando a cidade de Nova York até 1783, para todos os efeitos a Grã-Bretanha havia perdido a guerra nas Treze Colônias.

Baixas. Durante o conflito, Londres utilizou 20 mil soldados britânicos e 11 mil mercenários alemães, principalmente do principado de Hesse-Kassel (os “hessenianos”), apoiados por pelo menos 25 mil colonos realistas. Essas forças enfrentaram 20 mil americanos do exército regular e 230 mil milicianos (nunca mais de 90 mil colonos de uma vez), apoiados por 15 mil franceses e 8 mil espanhóis (a Holanda contribuiu mais com navios). Cerca de 20 mil negros lutaram ao lado da Grã-Bretanha e 5 mil nos exércitos revolucionários. A maioria dos índios apoiou os britânicos: 13 mil guerreiros nativos, entre os quais 5.000-1.500 iroqueses. Os americanos perderam 25 mil soldados (8 mil em combate, 17 mil de doenças, entre eles 10 mil enquanto prisioneiros dos britânicos) e tiveram outros 25 mil feridos. Os franceses perderam 850 soldados e os espanhóis 475. Do lado britânico foram 24 mil mortos (incluindo 5.700 hessenianos e 3.200 legalistas) e 20 mil feridos. O número de colonos civis mortos pode ter chegado a 30 mil. Com a vitória dos patriotas, cerca de 80 mil legalistas emigraram para o Canadá, as Índias Ocidentais e a Grã-Bretanha.

O Tratado de Paris (setembro, 1783). Com a assinatura do Tratado de Paris, a Guerra de Independência dos EUA foi encerrada formalmente. A Grã-Bretanha reconheceu a independência dos EUA e o direito do novo país ficar com os territórios a leste do Mississipi (vale do Ohio). A Guerra de Independência dos EUA implicou na maior derrota da história britânica. Mas a Grã-Bretanha conseguiu continuar dominando o Canadá e as Índias Ocidentais no Caribe.

c) A organização dos EUA (1781-1787)

Os Artigos da Confederação (1781-1787). Formalmente, em 1776, as Treze Colônias tinham se transformado em uma confederação, quer dizer, em uma associação voluntária de treze Estados soberanos com um órgão político comum (o Congresso Continental), composto por representantes de cada Estado. Como era de se esperar, os Estados preservaram uma ampla autonomia. Em 1777, o Congresso Continental aprovou os Artigos ou Estatutos da Confederação, que só foram ratificados em 1781. Oficialmente, os Artigos estabeleciam a Confederação dos Estados Unidos da América, sem um governo central, mas com um Congresso encarregado de assuntos de interesse comum dos estados como a gestão da política externa (inclusive a guerra), das relações com os índios, das finanças, da moeda, dos serviços postais, dos padrões de peso e medidas e da arbitragem das relações entre os estados. Mas não havia um poder executivo centralizado e a grande autonomia dos estados-membros limitou bastante os poderes do Congresso, que não podia criar impostos ou convocar tropas sem a aprovação dos legislativos estaduais. Rigorosamente falando, os Artigos da Confederação foram foi a primeira constituição dos EUA, mas muitos a consideram uma solução de emergência, uma espécie de legislação geral transitória para o que seria, de fato, a primeira constituição do país, a de 1787.

A Constituição de 1787. A organização política original dos EUA em 1781-1787 – a Confederação e seus Artigos – acabou demonstrando ser por demais descentralizada e incapaz de resolver os problemas financeiros e comerciais gerados pela Guerra de Independência, como a questão da dívida pública e as dificuldades de estabelecer acordos de comércio com outros países. A estrutura da Confederação também parecia ser muito fraca para lidar com questões de segurança nacional que exigiam uma defesa mais rigorosa. O resultado foi o crescimento do movimento pela revisão dos Artigos da Confederação e pela criação de uma nova organização política, com um governo central capaz de assegurar o máximo de liberdade dos cidadãos e de autonomia dos estados. Em março de 1787, uma convenção com delegados estaduais especialmente eleitos se reuniu na Filadélfia e elaborou, em setembro, a Constituição dos EUA. Aprovada pelos estados em 1787-1788, ela entrou em vigor em março de 1789 e até hoje continua vigorando (com o tempo recebeu acréscimos ou emendas de novos artigos). A Constituição de 1787 substituiu os Artigos da Confederação e buscou compatibilizar o poder central e os poderes estaduais, assim como estabelecer os mecanismos capazes de preservar os direitos individuais frente aos direitos públicos ou coletivos. Inspirada no Iluminismo, a Constituição criou nos EUA um regime liberal sob a forma de uma república presidencialista com três poderes (executivo, legislativo e judiciário), garantindo, porém, a maior autonomia estadual possível.

 – Executivo. Encabeçado pelo presidente, que é o chefe de Estado e de governo. Com mandato de 4 anos (podendo ser reeleito), ele é eleito indiretamente por um Colégio Eleitoral composto por delegados escolhidos pelos cidadãos.

– Legislativo. O Congresso, formado por duas câmaras, a Câmara dos Representantes (deputados eleitos diretamente por 2 anos, proporcionais aos habitantes de cada Estado) e o Senado (2 senadores por Estado).

– Judiciário. A Corte Suprema, com membros apontados pelo presidente, encarregada de solucionar os problemas legais e constitucionais.

– A autonomia estadual. Por exemplo, a questão da abolição ou conservação da escravidão seria resolvida por cada estado. Os estados do norte aboliram a escravidão, favorecendo o desenvolvimento de uma sociedade livre, capitalista, industrial e moderna. Os estados do sul preservaram a escravidão, conservando a estrutura agrária tradicional de origem colonial.

3. A PRESIDÊNCIA DE GEORGE WASHINGTON (1789-1797)

 
George Washington foi eleito o primeiro presidente dos EUA, como candidato da conciliação. Washington foi reeleito para um segundo mandato, favorecendo os federalistas.

■ Construção da capital, Washington, no Distrito de Colúmbia (antes tinha sido Filadélfia e Nova York).

■ Lançamento dos fundamentos da política externa dos EUA que predominaria até o início do século XX: a neutralidade e isolacionismo nas questões internacionais, sobretudo em relação à Europa. BIBLIOGRAFIA

 GODECHOT, Jacques. As Revoluções (1770-1799). São Paulo, Pioneira, 1976. Manual universitário de excelente nível, contextualizando a Revolução Americana e a Revolução Francesa no quadro geral da Revolução Ocidental.

 HEALE, M. J. A Revolução Norte-Americana. São Paulo, Ática, 1991. A melhor introdução em lingual portuguesa ao assunto
 
SELLERS, C., MAY H. e MCMILLEN, N. Uma Reavaliação da História dos Estados Unidos. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1990. Excelente obra sobre a história dos EUA. Inclui análises da historiografia dos momentos mais famosos da história americana.

QUESTÕES DE REVISÃO (VEJA TAMBÉM AS POSTAGENS 63 E 46)

1.   O que foram as Revoluções Ocidentais?

2.   Explique as razões da crise do Antigo Sistema Colonial.

3.   Descreva a negligência colonial britânica em suas colônias na América do Norte.

4.   Compare as regiões norte e sul das Treze Colônias britânicas apontando suas semelhanças e diferenças.

5.   Explique os conflitos coloniais entre britânicos e franceses na América do Norte.

6.   Explique as consequências da Guerra dos Sete Anos na América do Norte.

7.   Descreva a Nova Política Colonial Britânica.

8.   Discorra sobre a Revolução Conservadora na fase inicial da Revolução Americana.

9.   Descreva a influência das ideias políticas britânicas na Revolução Americana.

10. Descreva as ideias centrais da Declaração da Virgínia e da Independência dos EUA.

11. Explique o papel da França na revolução Americana.

13. Descreva a Constituição Americana de 1787.

 

 

quinta-feira, 2 de abril de 2015

65 - O Iluminismo


O Iluminismo

1. Significado

O Iluminismo, Ilustração ou Filosofia das Luzes foi um conjunto de ideias e atitudes que caracterizou a cultura das elites letradas da classe média, da burguesia e de parte da nobreza do Ocidente no século XVIII. Embora ele costume ser associado à cultura francesa – onde seus teóricos eram conhecidos genericamente como philosophes  o Iluminismo foi um fenômeno intelectual ocidental, presente em outros países da Europa e na América, sobretudo nas Treze Colônias britânicas. O Iluminismo foi a origem ideológica da modernidade, entendida, no seu aspecto cultural, como o pensamento secular baseado no conhecimento racional da realidade e na fé no progresso gerado pela ação humana.

2. Características gerais do Iluminismo

Como um pensamento, o Iluminismo foi complexo e diversificado, mas alguns pontos comuns podem ser apontados entre suas várias correntes:

O racionalismo

O racionalismo é a crença de que os fenômenos do universo, da natureza e da sociedade podem ser compreendidos racionalmente, isto é, por meio da Razão. Segundo os iluministas, a verdade deve ser descoberta por meio da inteligência, da crítica e da análise científica da realidade. As explicações sobre o mundo e as relações humanas inspiradas em princípios religiosos e metafísicos deviam ser rejeitadas pelo seu conteúdo irracional e supersticioso, que desviava a humanidade do conhecimento verdadeiro e da felicidade. Entre muitos iluministas, essa postura intelectual assumiu uma forma de racionalismo crítico: a aplicação da Razão às questões econômicas, sociais e políticas, que precisavam ser revistas visando à transformação da realidade. Os iluministas acreditavam que estavam levando a luz da Razão a uma humanidade encoberta pelas forças da ignorância, da superstição e do atraso.

A defesa da liberdade intelectual do indivíduo

Os iluministas destacaram-se pela ênfase na liberdade intelectual do indivíduo. Afirmavam que o conhecimento racional e a consciência individual, para serem adquiridos, precisavam da liberdade de pensamento, de opinião e de crítica. Isso implicou na condenação da censura, da superstição e dos dogmas da sociedade tradicional.

Crença no contrato social

Os iluministas rejeitavam qualquer autoridade que não pudesse ser justificada pela Razão. Repudiando a doutrina da origem divina do poder monárquico, os iluministas, em sua maioria, abraçaram a teoria do contrato social ou contratualismo, que afirma que o Estado foi criado pela sociedade e não por Deus. Mais precisamente, o contrato social acredita que o governo legítimo é resultado de um acordo voluntário entre as pessoas: os homens voluntariamente criaram o governo e lhe entregaram o poder porque precisam dele como garantidor da ordem. Portanto, não existe uma autoridade política “natural” ou “sagrada”. Ela é uma criação artificial e só existe porque tem o consentimento da sociedade. As noções mais remotas do contratualismo encontram-se na Grécia antiga com o conceito de polis e de governo eleito pelos cidadãos. Traços da teoria do contrato social também podem ser encontrados na Idade Média e na Renascença. Mas a época clássica da elaboração do contratualismo foi o período de 1650-1800, iniciado com a obra Leviatã (1651) de Thomas Hobbes, que produziu uma sofisticada teoria do contrato social em bases racionalistas. Embora o contratualismo de Hobbes tenha sido utilizado para justificar o absolutismo, sua teoria exerceu uma enorme influência sobre o Iluminismo, que acabou adaptando-a a noção de direto à liberdade individual.

O ideal de progresso e a busca da felicidade

A convicção de que, por meio do conhecimento racional, é possível transformar conscientemente e de forma sistemática a natureza, as instituições e a sociedade em benefício da maioria da população, criando um mundo melhor e mais avançado, com um nível sempre crescente de felicidade geral.

A postura diante de Deus e da religião

Por se tratar de um pensamento heterogêneo, ainda que unido pelo racionalismo, o Iluminismo não estabeleceu uma atitude única ou comum diante da existência de Deus e do papel da religião. De fato, a postura crítica dos iluministas tendia a levá-los a condenar os dogmas religiosos, o poder da Igreja e os privilégios do clero sobre a cultura de sua época, sobretudo nos países católicos, onde a intolerância e a censura eram maiores. Mas isso não significava necessariamente que o Iluminismo fosse, em sua essência, partidário do ateísmo (doutrina que nega a existência de Deus). Embora alguns iluministas tenham sido ateus, a maioria assumiu outras posições que buscavam conciliar o racionalismo, a crítica e a tradição religiosa cristã, sobretudo o seu humanitarismo. Como assinalou um historiador:

 A perspectiva dos philosophes foi permeada por um espírito humanitário, que em parte se devia, sem dúvida, à compaixão cristã. Esse espírito se manifestou nos ataques à tortura – freqüentemente utilizada em muitos países europeus como meio de se obterem confissões – às punições cruéis a que eram submetidos os criminosos, à escravidão e à guerra. O humanitarismo dos philosophes apoiava-se na convicção de que eram capazes de sentimentos bondosos uns em relação aos outros.1

De fato, muitos iluministas continuaram partidários do cristianismo, principalmente nos países protestantes. Na França e em outros países católicos, onde a presença da Igreja era considerada mais opressora, os iluministas afastaram-se da religião organizada e adotaram o deísmo (crença em Deus, porém rejeitando os dogmas, os rituais, o culto e o clero) e o agnosticismo (postura que considera inacessível ou incognoscível ao entendimento humano a compreensão da existência de Deus).

O filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) considerava que a característica essencial do Iluminismo era a emancipação humana da superstição e da ignorância. No ensaio “Uma Resposta à Questão: O que é o Iluminismo?” (1784), Kant escreveu

O Iluminismo representa a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo. O homem é o próprio culpado dessa menoridade se a causa dela não se encontra na falta de entendimento, mas na falta de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a direção de outrem. Sapere aude! Tem coragem para fazer uso do teu próprio entendimento! - esse é o lema do Iluminismo.  

A preguiça e a vileza são as causas pelas quais tão grande parte dos homens ainda permanecem de bom grado em estado de menoridade por toda a vida; e esta é a razão pela qual é tão fácil que outros se erijam como seus tutores. É tão cômodo ser tutelado! Se eu tiver um livro que pensa por mim, um diretor espiritual que tem consciência por mim, um médico que decide por mim sobre a dieta que me convém etc., não terei mais necessidade de me preocupar por mim mesmo.

3. Origens do Iluminismo

As origens do Iluminismo remontam ao Renascimento Cultural dos séculos XIV-XVI, com o humanismo e o resgate das tradições antropocêntricas e racionalistas da Antiguidade Clássica, mas a sua antecessora imediata foi a Revolução Científica dos séculos XVI-XVII, responsável pelo desenvolvimento do método experimental e do espírito crítico, resultando no aperfeiçoamento da matemática e no nascimento das ciências naturais, sobretudo a astronomia e a física (obras de Nicolau Copérnico, 1473-1543; Galileu Galilei, 1554-1642; Johannes Kepler, 1571-1630; Blaise Pascal, 1623-1662; Robert Boyle, 1627-1691, e Isaac Newton, 1642-1727). Paralelamente a Revolução Científica, e por ela influenciada, são lançados os fundamentos da filosofia moderna (pensamento de Francis Bacon, 1561-1626; René Descartes, 1596-1650; Baruch Spinoza, 1632-1677). Como na Renascença, os iluministas inspiraram-se na antiga cultura clássica greco-romana, mas adaptaram sua visão da Antiguidade ao racionalismo e às descobertas científicas do século XVII. A história e a política da Grécia e de Roma exerceram um enorme fascínio nos iluministas, constituindo objeto de estudo ou de referência para diversos pensadores, como Montesquieu e Rousseau. O Iluminismo estava, assim, inserido em um contexto cultural mais amplo das elites européias, fortemente marcado pelo avanço do racionalismo combinado com a admiração pelos gregos e romanos. Esse período da história do Ocidente, entre 1650 e 1800, englobando a Revolução Científica e o Iluminismo, costuma ser chamado de Era da Razão.

4. Destaques do Iluminismo

O Iluminismo abrangeu todas as áreas do conhecimento racional e das artes do Ocidente no século XVIII. É possível, assim, reunir os pensadores e cientistas iluministas por áreas de atuação, embora muitos tenham atuado simultaneamente em diversos ramos das ciências e da cultura artística. Na filosofia, por exemplo, os nomes mais destacados foram de John Locke (1632-1704), Gottfried Liebniz (1646-1716), David Hume (1711-1776), Claude Adrien Helvétius (1715-1771) e Immanuel Kant (1724-1804). Nas ciências naturais, destacaram-se Isaac Newton (1642-1727), Conde de Buffon (1707-1788), Joseph Priestley (1733-1804), Charles-Augustinde Coulomb (1736-1804), Jean-Baptiste Lamarck (1744-1829), Antoine Lavoisier (1743-1794) e Pierre Simon Laplace (1749-1827). Na História, o grande nome foi o de Edward Gibbon (1737-1794), autor da monumental A História do Declínio e Queda do Império Romano (1776-1788). Do ponto de vista do pensamento político, social e econômico os principais pensadores iluministas podem ser agrupados em um grupo de linha "liberal" e em grupo de linha "socialista".

4.1 Os iluministas "liberais"

Foram pensadores iluministas que contribuíram para o desenvolvimento do liberalismo ou doutrina liberal, que enfatiza os direitos naturais do indivíduo (vida, propriedade, liberdade), a isonomia (direitos iguais), o governo representativo constitucional (limitado pela lei), a tolerância ideológica (respeitar as ideias do outro) e a liberdade econômica (livre iniciativa, livre comércio, não intervenção governamental na economia). Esses iluministas não concordavam necessariamente com todas essas ideias em conjunto. Suas obras, porém, foram determinantes para a elaboração do pensamento liberal, concluído, em suas linhas gerais, no início do século XIX.

John Locke (1632-1704)

Britânico, defensor da Revolução Gloriosa (1688-1689) e da criação da monarquia constitucional, Locke costuma ser considerado o precursor do Iluminismo e “pai” do liberalismo político. Representante do empirismo britânico, no Ensaio Sobre o Entendimento Humano (1690), condena a doutrina das ideias inatas de Descartes, afirma que a mente humana (a “alma”) é uma tábula rasa (tábua sem inscrições, quer dizer, sem idéias inerentes) e que o conhecimento vem da experiência e da observação. Nos Dois Tratados Sobre o Governo (1689), afirma que as pessoas são em sua essência boas e que todas nascem com o direito natural à vida, liberdade e propriedade. O Estado foi criado pelos homens para proteger esses direitos e o poder de governar deriva do consentimento dos governados, com sua autoridade limitada pela lei. Se o governo vira uma tirania e oprime os indivíduos, ele age ilegalmente; nesse caso, o povo tem o direito de se rebelar e constituir um novo governo, compatível com os direitos naturais. Locke foi um dos primeiros teóricos a propor a divisão de poderes em três tipos: o “poder legislativo” (o principal, responsável pela elaboração das leis para o bem da sociedade), o “poder executivo” (executor das leis) e o “poder federativo” (diplomático, tratando das relações com outros Estados visando a segurança da sociedade).

Pierre Bayle (1647-1706)

Calvinista francês, Bayle foi um renomado professor de filosofia que, para escapar da censura na França, refugiou-se na Holanda (1682), onde escreveu uma série de livros. A sua obra mais importante foi o Dicionário Histórico e Crítico (1697) que antecipou a famosa Enciclopédia de Diderot. Dono de uma impressionante erudição, Bayle destacou-se pela defesa da tolerância e da liberdade de crítica. Suas idéias exerceram uma enorme influência sobre o Iluminismo. A seu respeito, Voltaire comentou: “O maior mestre que já escreveu sobre a arte de raciocínio, Bayle, grande e sábio, todos os sistemas derrubou”.

Montesquieu (1689-1755)

O francês Charles Louis de Secondat ou Barão de Montesquieu ficou famoso pela obra O Espírito das Leis (1748), com a defesa da monarquia constitucional de modelo britânico e a teoria dos “pesos e contrapesos” – a divisão de poderes (executivo, legislativo e judiciário) para impedir o absolutismo, aperfeiçoando as idéias de Locke. Um dos livros políticos mais importantes de todos os tempos, O Espírito das Leis exerceu uma grande influência na criação dos regimes políticos da Idade Contemporânea, começando pela república dos EUA, que incorporou as idéias de Montesquieu sobre a divisão de poderes na sua constituição. Montesquieu propôs também a reforma dos códigos de lei para regular os crimes, com punições humanas, destacando-se por ter sido um dos primeiros a defender a abolição da tortura.

Voltaire (1694-1778)

Escritor, propagandista e polemista francês, François Marie Arouet de Voltaire foi o mais famoso intelectual iluminista, embora não tenha desenvolvido uma teoria ou um estudo político sistemático. Voltaire destacou-se na defesa da liberdade de expressão e na condenação de todas as formas de opressão. É dele a famosa frase: “Posso não concordar com uma palavra do que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo”. Embora fosse um grande admirador das liberdades e do regime parlamentar da Grã-Bretanha (o “espelho da liberdade”), Voltaire não considerava que a França devesse adotar o sistema político britânico. Para ele, uma monarquia centralizada e forte poderia ser boa, justa e progressista – idéia que acabou associando-o ao despotismo esclarecido. De fato, Voltaire tentou orientar o rei absolutista Frederico II da Prússia na adoção de reformas modernizadoras, mas fracassou. De toda forma, ele achava que as verdadeiras fontes de opressão, de intolerância e de atraso na França eram a nobreza, a Igreja e as cortes soberanas de justiça ou parlements (que eram distintas do parlamento legislativo britânico). Essas “relíquias medievais”, dizia, impediam o estabelecimento de um governo monárquico eficiente capaz de modernizar o país. Crítico feroz da aristocracia e da Igreja, Voltaire condenou os abusos dos sacerdotes, com forte espírito anticlerical. Voltaire foi o mais famoso deísta do Iluminismo.

Rousseau (1712-1778)

De origem suíça e formação calvinista (converteu-se depois ao catolicismo), Jean-Jacques Rousseau é considerado o "pai da democracia moderna", destacando-se pela defesa da soberania popular. Suas obras mais famosas foram o Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade Entre os Homens (1755) e O Contrato Social (1762). Mas ele considerava Emílio, ou da Educação (1762), que aborda a relação entre o indivíduo e a sociedade, o seu livro mais importante. Rousseau acreditava que o homem é bom por natureza, mas corrompido pela sociedade. No entanto, por meio de uma educação eficiente, o “homem natural” poderia conviver com a sociedade corrupta. No Discurso Sobre a Desigualdade, reconheceu que a propriedade privada era a origem das desigualdades sociais: “O primeiro que, tendo posto uma cerca no terreno, se lembrou de dizer: ‘Isto é meu’, e encontrou pessoas bastante simples para o acreditarem, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil.” A propriedade privada não era um direito natural, dizia, mas um fato histórico, resultado do desenvolvimento da sociedade. Propôs corrigir a injustiça social, mas não abolir a propriedade, que considerava um direito concedido pela lei civil. O ideal eram reformas que alcançassem um ponto de equilíbrio na sociedade (“Querem dar consistência ao Estado? Aproximem os graus extremos tanto quanto for possível: não suportem gente opulenta nem esfarrapada”). Rousseau inicia O Contrato Social com a célebre frase “O homem nasce livre e por toda parte se encontra acorrentado”. Admirador da antiga polis grega e do espírito comunitário dos seus cidadãos, Rousseau propunha a criação de um regime democrático, governado de acordo com a “vontade geral” do povo, em que o indivíduo renunciaria aos seus interesses particulares em benefício de toda a comunidade. Essa vontade geral seria baseada no bom senso e na razão, e pressupunha a existência de cidadãos conscientes, justos e esclarecidos, dotados do espírito público, e da igualdade de direitos. Entretanto, as idéias políticas de Rousseau foram alvo de uma dupla interpretação: enquanto a soberania popular pode ser entendida como uma defesa da democracia, ela também pode implicar em um regime coletivista de linha totalitária, onde um Estado controlado por supostos representantes dos interesses ou da vontade geral sufoca as liberdades individuais.

Raynal (1713-1796)

O francês Guillaume Thomas François Raynal ou Abade Raynal, um ex-padre, foi autor de um importante livro: História Filosófica e Política dos Estabelecimentos e do Comércio dos Europeus nas Duas Índias (1770), em quatro volumes, que contou com a colaboração, entre outros, de Diderot. A obra foi um enorme sucesso e ficou famosa pelas suas críticas ao absolutismo, ao clero e, principalmente, pelo seu conteúdo anticolonialista e anti-escravista, ficando conhecida como a “Bíblia do anticolonialismo iluminista”. A História das Duas Índias foi proibida na França, Espanha e Portugal e entrou no Índex de livros proibidos pela Igreja. O livro de Raynal circulou clandestinamente nas colônias ibéricas na América. Nas investigações sobre a Inconfidência Mineira (1789), as autoridades portuguesas descobriram exemplares da obra com os inconfidentes. Conta-se que Napoleão Bonaparte afirmou ser um “discípulo zeloso de Raynal”.

A Enciclopédia (1751-1780)

Obra coletiva, reunindo e sintetizando o pensamento iluminista em 35 volumes, com mais de 71.800 artigos, a Enciclopédia foi organizada por Denis Diderot (1713-1784) e Jean Le Rond D’Alembert (1717-1783), e contou com a colaboração de cerca de 150 autores, entre eles Montesquieu, Voltaire, Rousseau, Quesnay e o Barão de Holbach. A obra inspirou-se na Cyclopedia ou Dicionário Universal das Artes e das Ciências (1704), do inglês Ephraim Chambers (1680-1740). Apesar dos problemas com a censura francesa e de ter sido condenada pelo papa Clemente XIII, a Enciclopédia expôs e difundiu o Iluminismo e levou seus autores e colaboradores a ficarem conhecidos como “enciclopedistas”.

A fisiocracia

Os fisiocratas lançaram as bases teóricas da doutrina econômica liberal (defesa da propriedade privada, da liberdade econômica, da redução das taxas), junto com a famosa máxima Laissez-faire, laissez-passer (“Deixai fazer, deixai passar”). Seu principal expoente foi François Quesnay (1694-1774), autor do Tableau Economique (1758). A escola fisiocrata considerava que a principal fonte de riqueza de um país era a terra (Natureza), mais precisamente a atividade agrícola, e viam a indústria e o comércio como  atividades  secundárias  a  ela  subordinadas,  que  apenas  transformavam  e  distribuíam  os  produtos  da  agricultura

Adam Smith (1723-1790)

 Economista escocês, Adam Smith foi o mais importante pioneiro da ciência econômica (a “economia política”) na visão liberal clássica. Sua obra mais célebre foi “Uma Investigação Sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações” (1776). Smith rejeitou o intervencionismo estatal na economia decorrente do mercantilismo, um conjunto de teorias e práticas econômicas típicas de sua época. O mercantilismo já tinha sido criticado por economistas “protoliberais” predecessores de Smith, como o inglês William Petty (1623-1687) e, principalmente, os fisiocratas franceses. Smith reconheceu o mérito dos fisiocratas na defesa do individualismo e da liberdade econômica, bem como na elaboração de uma teoria que explicava a criação da riqueza a partir da produção e não apenas da circulação (comércio). No entanto, ele discordou da tese de que a riqueza de um país estaria necessariamente na agricultura. Para Smith, essa riqueza dependeria do trabalho e da sua divisão ou especialização, isto é, da capacidade e organização produtiva de um país. A divisão do trabalho (divisão de tarefas e especialização das atividades) é responsável pelo crescimento qualitativo da produção, mas isso depende também de um contexto de liberdade econômica em escala nacional e global. O comércio internacional não pode sofrer restrições (como, por exemplo, de monopólios coloniais mercantilistas ou taxações protecionistas exageradas), sob o risco de afetar o fluxo de mercadorias entre os países e limitar o progresso geral. Uma economia eficiente seria aquela que combinasse a divisão de trabalho, a disponibilidade de capitais e um mercado amplo com a garantia de liberdade para os homens conduzirem os seus próprios negócios. Para justificar o ideal do laissez-faire, Smith elaborou o conceito da “mão invisível” que naturalmente coordenaria o mercado: movidos pelos seus interesses pessoais, os indivíduos são conduzidos por uma mão invisível a obter resultados que não estavam originalmente em seus planos, mas que acabam beneficiando a sociedade como um todo. Se os consumidores tiverem liberdade para escolher e comprar e se os produtores possuírem liberdade para produzir e vender, a produção e os preços serão estabelecidos de forma natural em um mercado autorregulado favorecendo a sociedade. 

D’Holbach (1723-1789)

Alemão que passou a maior parte de sua vida na França, Paul Heinrich Dietrich ou Barão d’Holbach, foi um famoso ateu. Seu livro mais destacado foi O Sistema da Natureza (1770), onde ele descreve o universo sob a ótica do materialismo. Holbach negava a existência de Deus (afirmava que a crença nele era decorrência do medo humano), da alma e do livre-arbítrio. Crítico dos abusos do poder dos monarcas, ele foi contra a ação revolucionária, por temer a as massas iletradas, e defendeu reformas dirigidas pela elite culta.

Marquês de Condorcet (1743-1794)

O pensamento do francês Jean-Antoine-Nicolas Caritat ou Condorcet, encarnou como poucos, o espírito da Filosofia das Luzes. Matemático (desenvolveu a teoria das probabilidades), filósofo e cientista político, Condorcet foi um dos grandes defensores da economia de mercado, do constitucionalismo, da educação pública e livre, da abolição da escravidão e da igualdade de direitos para as mulheres e para todos os povos, independente de sua raça.

4.2 Os iluministas "socialistas"

Os iluministas "liberais" são os mais famosos pensadores do Iluminismo, o que levou muitos a identificar Iluminismo com liberalismo. Contudo, muitos iluministas foram críticos da propriedade privada e da desigualdade social, defendendo uma nova sociedade igualitária e coletivista de feições comunistas ou socialistas, antecipando as ideias do comunismo ou socialismo do século XIX. Em geral, esses iluministas eram também ateus (não acreditavam na existência de Deus), uma postura materialista que também caracterizou a maioria das doutrinas comunistas ou socialistas posteriores.

Jean Meslier (1664-1729)

Padre francês, após sua morte foi descoberta uma obra oculta de sua autoria, Memórias dos Pensamentos e Sentimentos de Jean Meslier, mais conhecida como Testamento, que revelou ser Meslier um ateu e comunista. Uma versão adulterada por Voltaire, em que o ateísmo de Meslier foi substituído pelo deísmo, foi a primeira que circulou (1761). Apenas no século XIX a versão original foi integralmente publicada. Em uma visão dualista, Meslier opunha a miséria dos camponeses franceses à riqueza dos ricos e poderosos, uma desigualdade que considerava injustificável e contrária à lei natural: “Porque de modo algum se apóia no mérito de uns, nem no pouco merecimento de outros. Todos os homens são iguais pela natureza, todos têm igualmente o direito de viver e de caminhar sobre a terra, de nela gozarem igualmente a sua liberdade natural, e terem parte nos bens terrenos”. Meslier denunciou a nobreza e o clero como parasitas sociais e condenou a propriedade privada (“um abuso”), propondo em seu lugar a comunidade de bens (“Todos deveriam possuí-las em comum e todos igualmente as deveriam usufruir em comum”), onde o trabalho seria obrigatório (“Todos à tarefa”). Caberia ao povo lutar pela criação da nova sociedade: “Uni-vos, pois, povos, se sois sábios. Uni-vos todos se tendes ânimo para vos libertar de todas as vossas comuns misérias”. Talvez a sua frase mais famosa foi a do homem que “queria que todos os grandes homens e toda a nobreza do mundo pudesse ser enforcada e estrangulada com as tripas dos sacerdotes” (Diderot adaptou a frase para uma versão mais conhecida: “E com as tripas do último sacerdote vamos estrangular o pescoço do último rei.”).

Mably (1709-1785)

Gabriel Bonnot de Mably, francês, irmão de Condillac, foi um dos escritores mais populares do século XVIII, mas mergulhou na obscuridade no século XX. Entre suas obras destaca-se a Conversações com Phocion (1763), onde afirmou que as origens de todos os males da humanidade estava nas paixões ou desejos, que estabeleceram o direito individual em detrimento do interesse público. Mably foi outro iluminista que condenou a propriedade privada, contrária, segundo ele, a ordem natural. Foi também um crítico do comércio (“uma espécie de monstro que por suas próprias mãos se destrói”). Mas seus trabalhos mais influentes foram publicados postumamente: uma versão ampliada da História da França (o original é de 1765) e o Dos Direitos e Deveres do Cidadão (escrito em 1758). Ambos tiveram um grande impacto no início da Revolução Francesa por defenderem o estabelecimento de uma assembléia legislativa soberana.

Morelly (1717-?)

Misterioso pensador francês, do qual pouco se sabe, Étienne-Gabriel Morelly foi junto com Meslier representante do grupo comunista utópico do Iluminismo. Sua obra mais célebre foi o Código da Natureza (1755), onde condena o desejo humano de ter (“a base de todos os nossos vícios”) e propõe a criação de um novo regime sem propriedade privada e com a sociedade dividida em “classes de trabalho” em um sistema racional e equilibrado de distribuição, beneficiado pelo progresso da ciência.

William Godwin (1756-1839)

O inglês Godwin foi um dos precursores do anarquismo. Em meio a Revolução Francesa, escreveu a sua principal obra política, Inquérito Acerca da Justiça Política e sua Influência na Virtude e Felicidade Geral (1793), onde afirmou que naturalmente a sociedade iria evoluir por causa da racionalidade humana. Condenou o Estado, mas não defendeu uma revolução. No Inquérito, expôs também sua visão sobre o funcionamento de uma sociedade anarquista.

5. O Despotismo Esclarecido

 “Despotismo esclarecido” era uma monarquia absolutista que aceitava os princípios racionais do Iluminismo para modernizar o Estado, permitindo uma maior racionalização administrativa. Conhecido também como absolutismo “ilustrado”, “iluminado” ou “benevolente”, o despotismo esclarecido tinha objetivo de fortalecer a própria monarquia com a codificação de leis e o estabelecimento de forças militares mais capacitadas e um sistema tributário mais eficiente. Em alguns casos, medidas de tolerância religiosa foram adotadas, principalmente na Europa Oriental (liberdade para os protestantes na Rússia e Áustria e para os católicos na Prússia). Os principais exemplos de despotismo esclarecido foram o reinado da czarina Catarina II na Rússia (1762-1796), do rei Frederico II na Prússia (1740-1786), do imperador José II na Áustria (1780-1790), do rei Carlos III na Espanha (1759-1788) e o governo do primeiro-ministro Marquês de Pombal (1750-1777), do rei José I de Portugal.

6. A difusão do Iluminismo

O termo iluminista pode ser utilizado em dois sentidos no contexto do século XVIII. Em primeiro lugar, ele se refere aos teóricos do Iluminismo, quer dizer, aos autores de obras que desenvolveram e difundiram o pensamento iluminista, como os philosophes Montesquieu, Voltaire ou Rousseau. Em segundo lugar, iluministas também são as pessoas comuns de diversos estratos sociais que adotaram as idéias do Iluminismo, ou seja, que foram influenciadas por elas em suas atitudes diante do mundo do século XVIII (por exemplo, em sua visão da sociedade, da política, do conhecimento e da religião). Na maioria dos casos, essas pessoas comuns eram indivíduos letrados e com instrução, que tinham condições de ler e discutir a Filosofia das Luzes. Além da própria nobreza e do clero, as pessoas cultas pertenciam, em geral, aos grupos urbanos, como a burguesia e a classe média de advogados, médicos, engenheiros, arquitetos, professores e pequenos lojistas, entre outros. Esses setores urbanos costumam ser vistos como os principais seguidores do pensamento iluminista, razão de muitos estudiosos considerarem que o Iluminismo foi uma “mentalidade da burguesia em ascensão”, marcada pela ênfase na liberdade e no individualismo. Na verdade, o Iluminismo encontrou seguidores em todas as camadas sociais, mas ficou mais concentrado junto às elites políticas e econômicas e à classe média das cidades.

Nos países onde a liberdade de expressão já era considerável para os padrões da época, como na Grã-Bretanha, Treze Colônias e Países Baixos, a mentalidade iluminista foi propagada mais facilmente pela livre circulação de livros e jornais. Nos países absolutistas, sobretudo nos católicos, a censura era mais forte e muitas obras circularam clandestinamente. Em todos os países, a maçonaria ou franco-maçonaria (sociedade semi-secreta voltada para a prática de fraternidade e da filantropia entre seus membros) foi um importante instrumento de difusão do Iluminismo. Na França, dois focos de divulgação e discussão da Filosofia das Luzes se destacaram: os salões literários e as academias. Os salões literários surgiram no século XVII como locais de reuniões das elites eruditas em residências ou hotéis, geralmente da aristocracia. Em muitos casos eram mulheres da alta sociedade que patrocinavam esses encontros, como Madame de Deffand (Marie Anne de Vichy-Chamrond, 1697-1780), Madame Geoffrin (Marie Thérèse Rodet Geoffrin, 1699-1777), Madame Helvétius (Anne-Catherine de Ligniville, 1722-1800) e Madame Necker (Suzanne Curchod, 1737-1794), mãe de outra famosa organizadora de salões, a escritora Madame de Staël (Anne Louise Germaine de Staël-Holstein, 1766-1817). Os salões eram freqüentados pelos principais teóricos do Iluminismo, possibilitando que debatessem suas idéias diretamente com membros da nobreza e da burguesia. Já as academias eram instituições de pesquisa e de conhecimento que davam aos seus associados um alto prestígio. Duas modalidades de academias emergiram na França no século XVII e floresceram no século XVIII: as academias de artes e as academias de ciências, ambas patrocinadas pelo Estado. Na verdade, a Grã-Bretanha foi pioneira na construção da moderna academia de ciências, com a fundação da Royal Society de Londres (1660), influenciando sua similar francesa. Em 1666, Luis XIV fundou a Academia de Ciências de Paris e patrocinou a criação de uma academia de pintura e escultura (1699) e uma instituição de arquitetura (1671). Especialmente no caso das academias de ciências, o desenvolvimento e difusão do conhecimento científico e dos valores do racionalismo ganharam um enorme impulso, contribuindo para a formação de uma mentalidade crítica que buscava rever diversos dogmas ou certezas da época.

Apesar de seu caráter mais elitista, compartilhado pela aristocracia progressista, pela burguesia e pela classe média, o Iluminismo gerou também uma versão vulgar e popular que enfatizava a crítica aos privilégios e hábitos da nobreza e da monarquia, muitas vezes destacando as (supostas) depravações sexuais da aristocracia. Difundido por meio de panfletos entre os setores mais pobres e marginalizados das cidades, principalmente na França, essa modalidade de Iluminismo contribuiu para a formação de um clima politicamente hostil ao Antigo Regime e favorável à transformação da sociedade.

Contudo, como em todas as ideologias, as pessoas comuns partidárias do Iluminismo raramente moldaram sua visão de mundo seguindo exclusivamente as idéias iluministas. Elas podem ser chamadas de iluministas por adotarem as proposições básicas do Iluminismo, como o conhecimento racionalista, a defesa da liberdade intelectual e a fé no progresso. Na prática, elas adaptaram essas idéias a outras, o que explica porque antigas tradições continuaram sendo amplamente aceitas, como a religião. Essa conciliação (mais corretamente a tentativa de conciliação) entre o novo e o antigo ou tradicional também pode ser encontrada entre os philosophes do Século das Luzes, refletida em algumas contradições e limites intelectuais de suas obras, como na questão do racionalismo crítico diante da religião ou da monarquia.

7. Iluminismo e as mulheres

O Iluminismo foi ambíguo em relação às mulheres. A defesa da liberdade e da igualdade, e as discussões intelectuais patrocinadas por mulheres inteligentes e sofisticadas nos salões pareciam indicar que o Iluminismo abraçaria a emancipação feminina, rompendo com as antiqüíssimas tradições do patriarcalismo. De fato, poucos iluministas, como Condorcet, se posicionaram a favor da emancipação das mulheres. A maioria continuou considerando-as seres naturalmente inferiores aos homens, que deveriam continuar afastadas da política, com menos direitos do que os homens. No entanto, é claro que os ideais iluministas tendiam a abrir espaço para a emergência de um movimento feminista que, na sua fase embrionária, teve na inglesa Mary Wollstonecraft (1759-1797) uma de suas pioneiras. Esposa de William Godwin e mãe de Mary Shelley (autora do famoso livro Frankenstein), Mary Wollstonecraft escreveu a Reivindicação dos Direitos das Mulheres (1792), afirmando que as mulheres pareciam inferiores aos homens por causa da falta de educação. Propôs a criação de uma nova ordem social baseada na Razão em que homens e mulheres seriam tratados como seres iguais racionais.

8. Iluminismo e revolução

Os principais teóricos do Iluminismo, apesar de sua postura crítica, não pregavam a derrubada dos governos ou a revolução popular. Mas os pressupostos iluministas de liberdade, de questionamento dos dogmas e de crença na capacidade de mudança geraram entre vários setores das sociedades, do final do século XVIII em diante, uma mentalidade política que acreditava na possibilidade e na legitimidade da transformação social – o progresso, visto como algo necessário, possível e legítimo para o benefício da maioria. Com efeito, o Iluminismo possuía um potencial revolucionário por criticar diversos aspectos do Antigo Regime e por abrir espaço para a elaboração de propostas de criação de novos regimes que assegurassem o progresso, a liberdade e a felicidade. Em uma carta à princesa Dashkoff (1771), Diderot escreveu sobre esse potencial revolucionário do Iluminismo:

Cada século tem o espírito que o caracteriza. O espírito do nosso parece ser o da liberdade. O primeiro ataque contra a superstição foi violento, desmedido. Uma vez que os homens ousaram de qualquer maneira lançar-se ao assalto da muralha da religião, esta muralha, a mais formidável que existe, assim como a mais respeitada, é impossível deterem-se. Desde que voltaram os olhares ameaçadores contra a majestade do Céu, não deixarão, um momento depois, de os dirigir contra a soberania da Terra.2 

Ainda assim, a hostilidade do Iluminismo em relação ao Antigo Regime precisa ser vista com cautela, como escreveu T. Blanning sobre os iluministas franceses:

É também difícil encarar o Iluminismo como inequivocamente hostil ao Antigo Regime como um todo. As características fundamentais deste último podem ser resumidas como absolutista, católico, privilegiado, hierárquico, particularista (no sentido de que as lealdades que ultrapassavam o âmbito da comunidade local eram antes sentidas em relação a uma província ou ao rei do que em relação a uma abstração como a nação) e agrário. Dentre estas, apenas a segunda pode ser considerada como axiomaticamente rejeitada pelos filósofos. O catolicismo, enquanto ideologia, era rejeitado por seu irracionalismo, e a Igreja Católica, enquanto instituição, era rejeitada por sua riqueza, poder, corrupção e intolerância.3

Com efeito, na França, a crítica política dos principais iluministas dirigiu-se mais contra os excessos ou distorções do Antigo Regime:

Entretanto, em outros departamentos, a hostilidade se voltava menos para a essência do Antigo Regime do que para os seus abusos. (...) As concepções políticas dos filósofos não eram nem coesas nem revolucionárias. No entanto, compartilhavam um objeto comum de aversão: o despotismo. Referiam-se com isto a uma forma degradada de absolutismo, o governo da autoridade arbitrária, caprichosa e não limitada pela lei. “Despotismo” era o termo predileto do período para designar o abuso, e abarcava uma multidão de pecados, mas como William Doyle escreveu: “Acima de tudo, despotismo era uma acusação lançada com uma freqüência cada vez maior sobre o governo e seus agentes. Por volta dos anos 1780, era quase como se governo e despotismo fossem sinônimos na opinião pública. E isso sugere que a velha ordem havia perdido a confiança daqueles que nela viviam”.4 

De fato, a expectativa de transformação da realidade não foi criada pelo Iluminismo, mas remonta às tradições cristãs da Idade Média, com a idéia de que um novo mundo de justiça e de igualdade seria criado por Deus em benefício de uma comunidade de eleitos (os fiéis escolhidos para a Salvação) – idéia chamada de milenarismo, uma forma de escatologia (doutrina das coisas que devem acontecer no fim do mundo ou dos tempos). Essa tradição milenarista, que representa uma forma de utopia (no sentido de uma descrição imaginativa de uma sociedade ideal) estimulou diversas revoltas populares nos séculos XIV-XVII, reprimidas pelas forças da ordem. Ela também esteve presente nas duas grandes revoluções políticas vitoriosas do século XVII, a Revolução Neerlandesa (1568-1648) e a Revolução Inglesa (1648-1689). No caso de ambas, uma outra tradição medieval, a do constitucionalismo que limitava o poder da monarquia, foi ideologicamente mais importante. A tradição constitucionalista (parlamento representativo e subordinação do rei à lei dos homens) foi preservada e aperfeiçoada pelo Iluminismo, que concordava com a teoria do contrato social. Porém, ela não implicava necessariamente na idéia de revolução, entendida como uma mudança radical para se criar algo novo. Ao contrário, a tradição constitucionalista nos séculos XVII e XVIII era vista mais como uma questão de restauração de antigos direitos desrespeitados pela monarquia e não de criação de uma estrutura constitucional nova. De uma forma geral, ela envolvia mais a necessidade de reforma ou de ajuste no sistema político, sem alteração da estrutura econômica e social.

Contudo, a tradição cristã de mudança escatológica continuou existindo e foi se adaptando às novas ideias desenvolvidas no século XVIII. De fato, o Iluminismo deu uma outra dimensão a antiga expectativa de mudança escatológica ao introduzir nela um conteúdo racionalista: a mudança não era mais uma questão dos desígnios de Deus, mas dos desdobramentos da evolução da sociedade, seguindo um caminho que poderia ser demonstrado pelo conhecimento racional, ou mais precisamente, por uma ciência social e política. A política era uma criação da sociedade e deveria representar, sobretudo, os interesses do seu conjunto (o contrato social). Portanto, a felicidade da maioria era um objetivo racional e justo que deveria ser assegurado por um sistema político que representasse as necessidades da coletividade e não os interesses exclusivos de uma minoria privilegiada. Sistemas políticos que reproduziam esses privilégios setoriais impediam o progresso social e econômico e precisavam ser superados. Não era uma questão de fé religiosa, mas de fé secular. Esse ideal de transformação da sociedade formou uma cultura de inconformismo com a realidade social e desenvolveu a idéia de ação política reformista ou revolucionária, que encontra eco atualmente em expressões como “Um novo mundo é possível”.

9. Iluminismo, modernidade e as doutrinas políticas modernas

Apesar de ter sido formulado em uma época em que as sociedades ainda eram agrárias e aristocráticas, o Iluminismo lançou os fundamentos da mentalidade da modernidade – fundamentos culturais que foram rapidamente disseminados e consolidados pela expansão da industrialização e da urbanização nos séculos XIX e XX. Ideias como o racionalismo, a idealização do conhecimento científico como o único caminho para se compreender a realidade, a liberdade como um direito humano, regimes políticos seculares justificados pela teoria do contrato social, a crença no dinamismo da sociedade e na capacidade dos homens progredirem na direção de um sistema socialmente mais avançado, superando a ignorância, o atraso e a injustiça. Nesse sentido, o Iluminismo lançou as bases ideológicas das principais doutrinas políticas da modernidade, como o liberalismo, o socialismo e o nacionalismo.

O liberalismo

O liberalismo baseia-se na crença na existência dos direitos naturais do indivíduo (vida, propriedade, liberdade), no conceito de cidadania (direitos e deveres políticos), na isonomia (igualdade diante da lei), no governo eleito e constitucional (limitado pela lei), na tolerância ideológica e na liberdade econômica, favorecendo o desenvolvimento do capitalismo e a meritocracia (predomínio dos que tem mais mérito pelo seu esforço, dedicação e inteligência). Na sua versão clássica ou oligárquica, fundamentou-se também no voto censitário (de acordo com a renda) e no ideal de Estado mínimo (com pouca intervenção na economia, poucas atribuições, poucos gastos e poucos impostos), enfatizando o laissez-faire. Na sua versão radical ou democrática (democracia liberal ou democracia moderna), destacou a soberania popular ou governo do povo, baseado no sufrágio universal. A busca do compromisso entre os direitos individuais e os interesses coletivos, em um regime com participação popular e liberdade de oposição pacífica, preservando-se o capitalismo, é a essência da moderna democracia liberal.

O socialismo

A doutrina do socialismo baseia-se no ideal de criação de uma sociedade coletivista sem propriedade privada dos meios de produção e sem classes sociais, beneficiando os trabalhadores. Dependendo do contexto, o termo socialismo é utilizado como sinônimo de comunismo. O socialismo rejeita o capitalismo e o liberalismo e considera que a sociedade coletivista (socialista ou comunista) que propõe construir é mais avançada e justa do que a capitalista. Mas o socialismo dividiu-se em diversas correntes, com divergência quanto ao caminho para se alcançar essa sociedade coletivista pós-capitalista e quanto ao regime político que deveria preservá-la: Reforma gradual do capitalismo (evolucionismo) ou revolução anticapitalista? Revolução liderada por partidos de trabalhadores ou por sindicatos? Estado democrático com liberdade política, ditadura revolucionária (com duração indefinida) ou abolição imediata do governo? Socialismo nacional ou movimento internacional?

O nacionalismo

O nacionalismo baseia-se no conceito de nação – um povo que se vê como distinto de outros povos e, portanto, com direito de constituir o seu próprio Estado nacional independente (soberania nacional) em um determinado território. O nacionalismo pode se manifestar como um movimento político de autodeterminação nacional: a constituição do Estado nacional por meio da independência de um povo dominado por outro povo, ou por meio da unificação de um povo dividido em Estados separados. Em alguns casos, o povo/nação se identifica com uma única etnia (comunidade unida pela língua, costumes, história e, em geral, religião), negando às outras etnias que vivem no mesmo território o direito de pertencerem ao Estado nacional, quer dizer, de possuirem cidadania. Em outros casos, o povo/nação é composto por várias etnias que, mesmo com línguas e culturas diferentes, compartilham uma mesma história e um mesmo Estado nacional. Também no sentido político, o nacionalismo pode agir sob a forma do chauvinismo, isto é, como um patriotismo exagerado e belicoso que mobiliza o povo contra outras nações. O nacionalismo econômico, por sua vez, entende que a verdadeira soberania nacional pressupõe também independência econômica: a nação deve possuir o máximo de auto-suficiência (autarquia) e não depender do capital estrangeiro ou de importações. Assim, o Estado tem um papel central no desenvolvimento econômico, interferindo no capitalismo. A produção nacional deve ser protegida (protecionismo) e o livre-comércio rejeitado. Nos casos extremos, os setores estratégicos da economia (energia, transporte, comunicações) devem ser controlados pelo Estado (monopólios estatais).

NOTAS

  1. Perry (1999: 306)
  2. Albert Soboul in Droz (1976: 130)
  3. Blanning (1991: 30-31)
  4. Blanning (1991: 37-38)
BIBLIOGRAFIA

BLANNING, Timothy C. W. Aristocratas Versus Burgueses? A Revolução Francesa. São Paulo: Ática, 1991. Excelente introdução revisionista das concepções tradicionais da Revolução Francesa.

DROZ, Jacques (org). História Geral do Socialismo, Volume 1. Lisboa: Livros Horizonte, 1976. Possivelmente o mais detalhado estudo sobre a história do pensamento e dos movimentos socialistas de suas origens à década de 1970.

FALCON, Francisco José C. Iluminismo. São Paulo: Ática, 1986 Pequeno estudo do pensamento iluminista, muito útil como introdução ao assunto.

YOLTON, John W. (org). The Blackwell Companion to the Enlightenment. Cambridge: Blackwell, 1995. Uma enciclopédia do Iluminismo, fundamental para os interessados no tema.