AMERICANO,
NORTE-AMERICANO OU ESTADUNIDENSE?
A dúvida nos leva longe. As três formas têm
adeptos no português contemporâneo – o que não quer dizer que se equivalham
inteiramente – e sempre rendem discussões quentes.
Como toda discussão quente, esta costuma ignorar
argumentos baseados na razão, como o de que escolher entre americano,
norte-americano e estadunidense não é uma questão de certo e errado, mas uma
decisão vocabular legítima tomada por cada falante. Decisões vocabulares sempre
revelam algo sobre o sujeito, seu grau de informação, modo de encarar o mundo
e, sim, posição política.
Americano é a forma mais comum e também a mais
enraizada na história de nossa língua. De Machado de Assis a Caetano Veloso –
“Americanos são muito estatísticos/ Têm gestos nítidos e sorrisos límpidos” –
existe uma tradição cultural séria a legitimar americano como termo
preferencial para designar o que se refere aos Estados Unidos no português
brasileiro.
Sempre houve quem se incomodasse com isso, por
acreditar que essa escolha aparentemente inocente trazia embutida uma
concordância com o sequestro que os conterrâneos de John Wayne fizeram de
termos mágicos – América, americanos – que deveriam ser propriedade de todo o
Novo Mundo. Os brasileiros também somos, assim como argentinos, venezuelanos e
tobaguianos, americanos, certo? Claro que está certo.
Assim, de um impulso nacionalista ou
continentalista, surgiram dois subgrupos, o que prefere norte-americano e o que
opta por estadunidense. É provável que estadunidense – que já foi a terceira
opção dos brasileiros e é a que contém maiores dosagens de antiamericanismo –
tenha conquistado o segundo lugar durante o pesadelo dos oito anos de George W.
Bush.
O problema é que o principal argumento contra o
uso de americano – o de que o termo está “errado” porque quer dizer tudo
o que se refere às três Américas – é ingênuo. Americano quer dizer as duas
coisas. Assim como mineiro pode designar tanto um trabalhador em minas, seja
ele búlgaro ou cearense, quanto um natural do estado de Minas Gerais, e o
contexto resolve qualquer possível ambigüidade. Isso não é argumento. E ainda
que fosse, norte-americano sofreria do mesmo problema, o de excluir canadenses
e – dependendo da classificação – mexicanos de um termo que deveria incluí-los
por força de geografia e história.
Quanto a estadunidense, bem, aqui a questão é
política, ponto. Por que logo eles, os americanos, teriam o direito de usar
como emblema, medalha azul-vermelha-e-branca no peito, a sonoridade de América?
Se nós também somos América e temos até uma Iracema, isso não seria pura
pilhagem cultural, muque colonialista, arrogância ianque?
É claro que se pode pensar assim, e de certa
forma foi isso mesmo que ocorreu. Mas o fato cru é que, quando grande parte do
mundo estava sendo redividido e rebatizado, os caras foram espertos no trabalho
de branding. Correram logo ao cartório mundial com o bebê no colo e
assimilaram – se não a América-coisa, que é obviamente inassimilável – pelo
menos a palavra América e uma ideia de América. São os Estados Unidos da
América como nós já fomos os Estados Unidos do Brasil. Ninguém nos
chamava de estadunidenses na época.
Paciência, então? Isso vai de cada um. Minha
paciência é menor com episódios de gato-mestrismo linguístico – “você está
errado por falar como todo mundo, eu e uns poucos outros é que estamos certos”
– do que com os Estados Unidos da América, sobretudo na era Obama. No fim das
contas, bastaria o pernosticismo da palavra estadunidense para me indispor contra
ela.
Prefiro outra posição: a de que, do ponto de
vista da língua, não existe certo ou errado aqui. Assim como a mandioca também
pode ser, por questões regionais, chamada de aipim ou macaxeira, os termos
americano, norte-americano e estadunidense são opções vocabulares à disposição
do falante de português. Mas convém saber aquilo que cada um realmente implica
antes de sair brandindo argumentos furados de autoridade.
Sérgio Rodrigues in http://veja.abril.com.br/blog/sobre-palavras/consultorio/americano-norte-americano-ou-estadunidense/
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