quinta-feira, 23 de agosto de 2012

29 - A independência da América Espanhola


A independência da América Espanhola

1.  Antecedentes: a América Espanhola em 1760-1810


A ascensão da dinastia Bourbon na Espanha, em 1700 (rei Felipe V, 1700-1746) coincidiu com a aceleração do declínio do poder espanhol na Europa, iniciado na segunda metade do século XVII. Entretanto, apesar de ser uma potência decadente no século XVIII, a Espanha continuava possuindo o maior e mais valioso império colonial da América – as Índias Ocidentais Espanholas, com uma área de aproximadamente 13 milhões de km2 e cerca de 12 milhões de habitantes em 1760. O império era um conjunto diversificado de colônias de exploração, voltadas para a exportação de metais preciosos e gêneros tropicais produzidos pelo trabalho compulsório (principalmente de índios) e submetidas a regulamentos mercantilistas. Contudo, em meados do século XVIII, a metrópole tinha reduzido o controle sobre seus territórios no Novo Mundo, abrindo espaço para a ascensão das elites coloniais.

1.1 Características gerais da América espanhola

As principais colônias e suas riquezas. A colônia mais rica e populosa era o Vice-Reino da Nova Espanha (México e sudoeste dos EUA), com cerca de 5 milhões de habitantes, seguida do Vice-Reino do Peru, com 1,5 milhões de pessoas (1760). Ambas eram as maiores produtoras de prata, a principal riqueza do império espanhol. Contudo, a partir da década de 1730, as áreas periféricas (região do Prata, Venezuela, Colômbia) adquiriram maior importância com a diversidade das atividades econômicas (agricultura de exportação, pecuária, manufaturas têxteis) e o desenvolvimento de novos centros urbanos e rotas comerciais, inclusive no abastecimento do mercado colonial.

A população colonial. Na maior parte das colônias, a maioria da população era formada por índios semi-livres (em geral camponeses), os principais trabalhadores das haciendas (fazendas) e minas. A escravidão negra não predominou no conjunto do império hispano-americano (ao contrário do Brasil), mas foi importante em algumas regiões do Caribe, Venezuela e Colômbia. Os colonos brancos, chamados genericamente de “espanhóis”, constituíam a camada superior da sociedade colonial, mas não constituíam uma categoria uniforme, dividindo-se em grupos de acordo com a renda, função e influência política. A divisão mais importante que emergiu no século XVIII foi entre os “espanhóis” nascidos na América, os criollos, e os da metrópole, que viviam temporariamente nas colônias, os peninsulares ou chapetones. Também no século XVIII, na medida em que a colonização se desenvolvia, aumentou o número de mestiços livres, em geral exercendo atividades no artesanato, pequeno comércio e agricultura voltada para o mercado local. Os mestiços e negros eram chamados coletivamente de castas (com predomínio dos primeiros). No final do século XVIII, a composição étnica dessas categorias em algumas colônias era a seguinte: no México 18% de espanhóis, 21% de castas e 61% de índios; no Peru 13% de espanhóis, 29% de castas e 58% de índios; em Buenos Aires (1810) 66% de espanhóis, 33% de castas e 1% de índios.

A ascensão das elites criollas. O acontecimento mais importante na história da América espanhola no século XVIII foi a ascensão das elites criollas, formadas pelos grandes proprietários de terras, de minas, das empresas manufatureiras (as obrajes, oficinas que produziam tecidos para o consumo local) e pelos comerciantes do mercado interno. Essas elites transformaram-se na classe dominante da América espanhola, assumindo a maior parte dos cargos inferiores na administração colonial e na Igreja (baixo clero). A elite criolla também controlava os cabildos (os conselhos municipais) e as audiências (as cortes de justiça, o mais importante órgão do período). Embora os cargos mais elevados do governo (vice-reis, a alta cúpula da burocracia imperial, parte dos juízes) e da Igreja (bispos), além do comércio externo, continuassem nas mãos dos peninsulares, em meados do século XVIII os grupos metropolitanos haviam perdido espaço na administração colonial para os criollos.

O Iluminismo. O pensamento iluminista conheceu uma grande expansão na sociedade hispano-americana. As ideias e textos iluministas circularam com relativa liberdade, em parte facilitados pela existência de cerca de 20 universidades nas colônias (a maior parte delas era controlada pela Igreja mas as duas principais, as da Cidade do México e de Lima, eram autônomas). Como na Espanha, o Iluminismo hispano-americano não era antirreligioso: muitos dos intelectuais das colônias eram do clero. Embora a vertente iluminista hispano-americana fosse de base mais prática (investigações científicas) do que ideológicas (crítica política e social), o Iluminismo lançou as sementes para o desenvolvimento de uma visão mais racional do mundo e da sociedade, evoluindo para a reivindicação de maior liberdade e direitos para os criollos.

1.2 As Reformas Bourbônicas (1764-1782)
  
As Reformas Bourbônicas foram reformas administrativas e econômicas do sistema colonial espanhol visando modernizá-lo e fortalecer a monarquia e o controle da metrópole sobre seus territórios no Novo Mundo. Elas tinham a intenção de recuperar o poder do Estado espanhol por meio de uma exploração mais racional e eficiente de suas colônias, buscando reconquistar o espaço perdido para os criollos na América. As reformas foram feitas, sobretudo, no reinado de Carlos III (1759-1788), um “déspota esclarecido”, precipitadas pela necessidade de fortalecer o império hispano-americano frente à Grã-Bretanha, depois de revelada a crescente debilidade espanhola com a sua derrota na Guerra dos Sete Anos (1756-1763). Principais medidas:

Maior intervenção da metrópole nos assuntos coloniais com a intensificação do mercantilismo.

Criação de intendências, que substituíram os governadores e corregedores (alcaides): os intendentes eram administradores com amplos poderes (governamental, financeiro, militar, jurídico) representantes do rei nas cidades mais importantes das colônias.

Diminuição das liberdades municipais e do poder dos cabildos, nomeação de peninsulares para as Audiências: o espaço político dos criollos foi reduzido.

Aumento de impostos.

Fim do sistema de porto único no comércio colônias-metrópole. Outros portos espanhóis passaram a participar do comércio com a América.

Livre comércio entre as colônias.

O comércio entre as colônias e outras nações continuou proibido: o pacto-colonial foi reforçado e o contrabando foi combatido com maior rigor.

Proibição de indústrias e atividades agrícolas que competissem com a metrópole (vinhedos, olivais, têxteis).

Expulsão dos jesuítas da Espanha e do seu império (1767) e expropriação de seus bens. A Companhia de Jesus foi considerada por demais internacionalista, poderosa e independente da Coroa, desafiando a lógica do absolutismo.

Criação do Vice-Reino do Prata (atuais Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolívia ou Alto Peru), em 1776, separado do Vice-Reino do Peru por razões econômicas (aproveitar a posição estratégica de Buenos Aires e seu porto no escoamento da prata dos Andes) e de segurança (enfrentar a expansão portuguesa no Uruguai ou Banda Oriental). Essa medida gerou um grande desenvolvimento de Buenos Aires, mas a administração e defesa do novo vice-reinado dependia muito da produção de prata do Alto Peru, que estava em declínio (75% das despesas do Vice-Reino vinha dos rendimentos da mineração da prata).

Ampliação das forças militares, motivadas pela necessidade de defender o império contra ataques de outras potências, principalmente da Grã-Bretanha. Foi criado um núcleo de unidades regulares do exército (comandados por peninsulares), reforçado por milícias de colonos (forças não-profissionais treinadas regularmente). Os militares adquiriram privilégios corporativos, com tribunais especiais (o fuero militar). Os gastos militares cresceram e passaram a ser a principal despesa dos vice-reinos e a maior razão do aumento dos impostos coloniais.

As Reformas Bourbônicas foram uma espécie de “nova conquista espanhola da América” – a tentativa de retomar o controle espanhol sobre suas colônias, em detrimento dos criollos. Nesse sentido, elas geraram uma maior insatisfação com a política metropolitana e causaram um maior confronto entre os criollos e os peninsulares.

1.4  As revoltas coloniais (1780-1782)

No início da década de 1780, ocorreram duas importantes revoltas populares nas colônias hispano-americanas. De base indígena e mestiça, elas foram dirigidas principalmente contra os espanhóis, mas acabaram se voltando também contra os criollos. As revoltas foram desencadeadas pelo descontentamento popular com os altos impostos e a corrupção e abusos das autoridades espanholas no contexto das Reformas Bourbônicas, além de serem uma reação contra a exploração generalizada dos índios pelas elites coloniais.

A Revolta de Tupac Amaru (1780-1781). Ocorrida no Peru e na Bolívia, foi a mais importante das revoltas – um levante das massas indígenas, lideradas pelo cacique (curaca) da província de Pinta, José Gabriel Kunturkanku (1740-1781), um rico mestiço que, afirmando ser descendente da antiga família real inca, adotou o nome de Tupac Amaru II (o primeiro Tupac Amaru foi o último imperador inca, morto em 1572). Os objetivos de Tupac Amaru II foram confusos. Oficialmente, ele afirmou reconhecer a soberania da Espanha, mas, na prática, passou a lutar pela abolição da servidão indígena (o trabalho da mita), pela eliminação dos impostos e pelo direito dos índios assumirem cargos no governo. Ele também proclamou ser “rei do Peru”, dando a entender que iria restaurar um Estado inca independente. Inicialmente os criollos viram a revolta com certa simpatia. Mas logo retiraram seu apoio quando o movimento assumiu um caráter revolucionário, ameaçando seus interesses. O terror dos criollos aumentou quando os brancos passaram a ser massacrados indiscriminadamente pelos rebeldes indígenas. Tupac Amaru II assumiu o controle do sul do Peru, Bolívia e norte da Argentina, mas a revolta acabou fracassando por diversas razões, como a ausência de unidade entre os índios (caciques rivais ficaram contra Tupac Amaru), a superioridade militar dos espanhóis e a falta de apoio dos criollos. Tupac Amaru II e sua família foram capturados (março, 1781), torturados e executados em Cuzco. Seus aliados, especialmente os índios aymaras, liderados por Tupac Katari, continuaram lutando na Bolívia até 1782, mas acabaram derrotados. Contudo, a revolta forçou a Coroa a fazer algumas reformas, como a diminuição da mita, a substituição de funcionários e a instalação de uma corte de justiça em Cuzco.

A Revolta dos Comuneros (1781). Na Colômbia e Venezuela, foi um levante de camponeses mestiços e índios, liderados por José Antonio Galan. Também contou com o apoio inicial do clero e dos criollos, mas novamente o massacre de brancos afastou-os do movimento, que acabou sendo sufocado pela Espanha.

2.  As Revoluções Hispano-Americanas  (1810-1825)

2.1 Significado e motivos

As Revoluções Hispano-Americanas foram movimentos liberais e nacionalistas, liderados pelos criollos, inicialmente com a intenção de obter o direito de autogoverno e liberdade econômica para as colônias espanholas, recuperando e ampliando o espaço político que as elites coloniais possuíam antes das Reformas Bourbônicas. Diante da resistência da Espanha em fazer concessões, o movimento evoluiu para uma luta separatista, visando a independência das colônias. As Revoluções Hispano-Americanas assumiram feições de guerra civil, e não opuseram apenas criollos contra os peninsulares, mas também criollos liberais contra criollos conservadores, com os primeiros defendendo não só a independência, mas também a abolição dos privilégios do clero e dos militares (eliminação dos foros ou tribunais especiais), enquanto os segundos insistiam em mantê-los. Em alguns casos, como no México, o movimento possuiu um aspecto mais radical, caracterizando-se pela insurreição camponesa indígena contra as elites e pela guerra racial entre índios e brancos. Mas em todas as colônias, o poder foi assumido e mantido pelos criollos (no México esse poder criollo foi mais instável), sobretudo por grandes chefes políticos e militares conhecidos genericamente como caudilhos. As Revoluções Hispano-Americanas foram causadas pela crise do Antigo Sistema Colonial, combinada com a insatisfação gerada pelas Reformas Bourbônicas e com o impacto da Revolução Americana (1775-1783) e da Revolução Francesa (1789-1799), que expandiu as críticas iluministas e liberais ao colonialismo e ao Antigo Regime, enfraquecendo suas estruturas tradicionais de poder. Todos esses elementos geraram um potencial de revoltas contra a Espanha, mas o fator mais importante para desencadear as revoluções e destruir a autoridade espanhola no Novo Mundo foram as Guerras Napoleônicas.

2.2 Antecedentes: a Espanha, a Revolução Francesa e Napoleão

 Quando a Revolução Francesa estourou, o trono espanhol era ocupado por Carlos IV (1788-1808), um rei fraco e vacilante. O verdadeiro governante era o impopular primeiro-ministro Manuel de Godoy (1792-1808). Em um primeiro momento, depois que o rei Luis XVI (primo de Carlos IV) foi executado pelo governo revolucionário francês, a Espanha aderiu à coligação antifrancesa e entrou em guerra contra a França (1793-1795). A guerra foi um desastre para a Espanha e, em 1796, pelo Tratado de Santo Ildefonso, o governo espanhol aliou-se à França no conflito contra a Grã-Bretanha (1796-1808). Essa aliança organizada por Godoy foi mantida no início do Período Napoleônico, mas seus efeitos foram piores do que os da guerra de 1793-1795, sobretudo porque transformou o império espanhol em alvo de ataques britânicos. Os principais momentos do confronto anglo-espanhol foram: 

Outubro, 1805. Batalha de Trafalgar. As marinhas espanhola e francesa são destruídas pela armada britânica. A Espanha fica sem condições de proteger suas colônias de um ataque da Grã-Bretanha.

1806-1807. A Grã-Bretanha tenta tomar Buenos Aires, mas é derrotada pelas milícias dos criollos locais (os portenhos). Os criollos assumem a defesa da colônia sem ajuda da Espanha e ficam fortalecidos.

1807. Pelo Tratado de Fontainebleau (outubro) França e Espanha decidem conquistar Portugal, que havia furado o Bloqueio Continental imposto por Napoleão contra a Grã-Bretanha, e dividi-lo entre os dois países. Portugal é invadido pelas forças franco-espanholas e a Corte portuguesa foge para o Brasil (dezembro).

Fevereiro, 1808. Napoleão exige concessões territoriais da Espanha e ocupa o norte do país. Carlos IV e Godoy perdem apoio interno.

Março, 1808. Revolta de Aranjuez. Nobres e militares espanhóis rebelam-se contra Godoy e forçam Carlos IV a abdicar em favor do seu filho Fernando VII.

Maio, 1808. Napoleão interfere na questão da sucessão espanhola. Convoca Carlos IV e Fernando VII para uma reunião em Bayone, força os dois a abdicarem, aprisiona-os e coloca seu irmão José Bonaparte no trono espanhol. O exército francês tenta ocupar toda a Espanha, desencadeando a revolta dos espanhóis.

A Guerra Peninsular (1808-1814). Um dos episódios mais violentos das Guerras Napoleônicas, a Guerra Peninsular foi a guerra dos espanhóis (sobretudo de guerrilheiros) e britânicos contra os invasores franceses. Os espanhóis e os colonos revoltaram-se contra os franceses, exigindo a volta de Fernando VII, “o Desejado” (aprisionado na França). Comitês de resistência antifrancesa, conhecidos como juntas, foram estabelecidos em várias cidades da Espanha e da América em nome do rei aprisionado. Em 1809, a Grã-Bretanha invadiu a Espanha para ajudar na luta contra os franceses. A metrópole e suas colônias ficaram mergulhadas no caos e o pacto-colonial foi interrompido em várias partes da América.

1810-1814. As Cortes de Cádiz. Um parlamento revolucionário espanhol dominado pela burguesia, que tenta governar a Espanha e suas colônias em nome de Fernando VII. Em 1812, as Cortes estabeleceram uma constituição liberal que manteve a monarquia, mas limitou seu poder, aboliu a Inquisição e garantiu a liberdade de expressão. Delegados criollos participaram dessas deliberações, mas as Cortes recusaram abolir o monopólio do comércio colonial.

A situação na América ficou confusa. Em algumas colônias, os espanhóis continuaram no comando, mas em outras os criollos começaram a assumir o poder (Argentina, Venezuela). Em alguns casos eclodiram insurreições indígenas contra espanhóis e criollos (México). Os criollos ficaram divididos. Inicialmente, somente uma minoria mais radical (conhecida como “patriotas”) defendeu a separação total das colônias. A maioria dos criollos desejava uma nova estrutura imperial, com a América e a Espanha unidas por uma mesma monarquia e a presença do exército espanhol em território americano (garantindo a ordem e impedindo revoltas). Mas eles queriam também direitos iguais aos dos espanhóis, autonomia política e a liberdade comercial nas colônias.

Dezembro, 1813. Tratado de Valencay. Derrotado na Espanha, Napoleão devolveu a coroa espanhola a Fernando VII.

2.3 O reinado de Fernando VII (1813-1833)

O novo monarca Bourbon frustrou as expectativas dos liberais espanhóis e criollos. Em 1814, apoiado pela Igreja e pelos elementos mais conservadores, ele rejeitou a Constituição de 1812, impôs o absolutismo e tentou restaurar o controle espanhol sobre as colônias enviando mais tropas à América para reprimir os movimentos separatistas e de autonomia. A crise nas relações metrópole-colônias se aprofundou e a revolução e a guerra civil expandiram-se pelos territórios hispano-americanos. A desintegração do império colonial espanhol foi acelerada pela Revolução Espanhola de 1820-1823, um movimento liberal que forçou Fernando VII a restaurar a Constituição de 1812 e a abolir os privilégios do clero,  mas que deixou a Espanha também mergulhada na guerra civil. Em 1823, em comum acordo com outras potências europeias, a França invadiu a Espanha e ajudou Fernando VII a esmagar a revolução liberal. Nos três anos seguintes, a monarquia instalou um regime de terror contrarrevolucionário na metrópole mas, a essa altura, o poder espanhol na América havia entrado em total colapso e as colônias tinham ficado independentes com apoio da Grã-Bretanha e dos EUA.

3. Principais momentos das Revoluções Hispano-Americanas

3.1 O colapso espanhol no México e na América Central (1810-1821)


O movimento de independência do Vice-Reino da Nova Espanha (México) foi iniciado por uma revolução camponesa de índios e mestiços liderados por Hidalgo e Morelos. Contudo, a independência só triunfou quando contou com o apoio dos criollos, liderados por Iturbide. A Espanha também perdeu a Capitania da Guatemala (América Central) na mesma época da independência do México.

1810-1814. A Revolta de Hidalgo e Morelos. O México foi palco do movimento mais popular e radical do período na América espanhola, caracterizado por uma insurreição das massas camponesas indígenas e mestiças, lideradas pelos padres Hidalgo e Morelos. Hidalgo foi o primeiro líder. Afirmou agir em nome de Fernando VII mas na prática defendeu a expulsão dos espanhóis, a abolição dos tributos indígenas e a devolução de suas terras. O movimento transformou-se em uma guerra racial e os brancos (peninsulares e criollos) foram massacrados nas áreas controladas pelos rebeldes. Os espanhóis conseguiram capturar Hidalgo e o fuzilaram (1811). A luta continuou sob a liderança de Morelos, que abandonou a lealdade a Fernando VII e proclamou uma república independente com direitos iguais para todos e um plano de reforma agrária. Morelos também foi capturado e executado pelos espanhóis (1815).

1815-1821. A resistência guerrilheira e a independência do México. Depois do fracasso da Revolta de Hidalgo e Morelos, grupos rebeldes continuaram resistindo com uma luta de guerrilha, liderados por Vicente Guerrero e Guadalupe Victoria. O movimento de independência parecia ter pouca chance de triunfar. Os criollos estavam divididos e a facção conservadora prevalecia, defendendo a monarquia e os privilégios do clero e dos militares. O principal comandante do exército era um criollo conservador, Agustín de Iturbide, que estava preparando-se para sufocar a guerrilha anti-espanhola quando a Revolução Liberal de 1820 estourou na metrópole. A revolução, que visava reduzir a autoridade do rei, eliminar os privilégios do clero e dos militares (os tribunais especiais) e confiscar os bens da Igreja, assustou os conservadores. Temendo que as medidas revolucionárias fossem aplicadas na colônia, Iturbide e os conservadores mudaram de posição e passaram a apoiar a independência, buscando um acordo com os rebeldes. O resultado foi o Plano de Iguala (24 fevereiro 1821), um compromisso entre as lideranças criollas (Iturbide) e indígenas e mestiças (Guerrero) que proclamou a independência do México. Buscando conciliar interesses conservadores e liberais, o Plano estabeleceu as “três garantias”, que seriam protegidas pelo exército: (I) o México seria uma monarquia independente com um monarca europeu, de preferência da dinastia espanhola; (II) mexicanos (criollos, mestiços e índios) e peninsulares teriam direitos iguais; (III) a Igreja Católica manteria seus privilégios. Em setembro de 1821, a Espanha reconheceu a independência da sua colônia mais importante. Contudo, na ausência de um monarca europeu, Iturbide acabou assumindo o trono mexicano em 1822-1823 com o título de Augustin I. Iturbide tentou também dominar as colônias espanholas da América Central (1821), mas elas acabaram se separando do México para constituírem, em 1823, as Províncias Unidas Centro-Americanas (em 1838, essa federação centro-americana se fragmentou nas pequenas repúblicas da Guatemala, Honduras, El Salvador, Nicarágua e Costa Rica). Augustín I não conseguiu apoio suficiente para se manter (o exército ficou dividido) e foi derrubado pelos militares. O México virou uma república, presidida por Guadalupe Victoria (1824-1829).

3.2 O colapso espanhol na América do Sul

A luta pela independência das colônias espanholas na América do Sul foi mais demorada do que o do México. Não houve um levante de índios e mestiços mas uma guerra dos criollos, mobilizando as camadas populares, contra os espanhóis. O envolvimento dos britânicos nesses eventos foi maior do que na Nova Espanha, com o fornecimento de mercenários, armas e ajuda financeira. Os principais líderes ou caudilhos da luta separatista na região foram Simon Bolívar, San Martin, Sucre e O’Higgins.

1810-1825. A independência do Vice-Reino do Prata e do Chile. Os territórios do Vice-Reino do Prata foram os primeiros que conseguiram ficar independentes. Como vimos, os criollos de Buenos Aires haviam adquirido autonomia política, na prática, desde 1806. Em 1810, as juntas criadas em nome de Fernando VII tentaram assumir o controle da colônia, que ficou envolvida em uma guerra contra os espanhóis. Os criollos triunfaram mas o Vice-Reino do Prata acabou se dividindo em repúblicas independentes: o Paraguai (1811), o Uruguai (1811-1815, anexado por D. João VI ao Brasil em 1816) e a Argentina (1816, oficializada pelo Congresso de Tucuman). O principal líder da independência argentina foi o general criollo José de San Martin que, do Prata, lançou uma campanha contra os espanhóis no Chile e no Peru. Em 1817-1818, ele ajudou o líder separatista chileno Bernardo O’Higgins a libertar o Chile, onde a luta emancipacionista havia começado em 1814. Na luta pela independência chilena (concluída em 1818) destacou-se o mercenário britânico Lorde Thomas Cochrane, almirante da esquadra rebelde, que mais tarde participaria da independência do Brasil. Em 1820, San Martin partiu para libertar o Peru. A Bolívia (o “Alto Peru”, formalmente parte do Vice-Reino do Prata), só obteve a independência em 1825 depois que o venezuelano Antonio José de Sucre, auxiliar de Simon Bolívar, derrotou as últimas forças espanholas no vizinho Peru, no final de 1824. Os criollos do Alto Peru chamaram o novo país de “Bolívia” em homenagem a Bolívar e elegeram Sucre o seu primeiro presidente.

1811-1822. A independência da Venezuela e do Vice-Reino de Nova Granada. A luta pela independência da Venezuela e de Nova Granada (Colômbia, Equador e Panamá) foi uma das mais difíceis e confusas, com criollos e espanhóis se revezando no controle desses territórios. Já em 1806, o revolucionário Francisco de Miranda havia tentado, sem sucesso, expulsar os espanhóis da Venezuela. Em 1810, os criollos venezuelanos assumiram o controle da junta de Caracas e, em 1811, declararam a independência da Venezuela, liderados por Miranda. Contudo, os espanhóis contra-atacaram e recuperaram o controle da colônia (1812). Miranda foi preso e a liderança do movimento separatista foi assumida por Simon Bolívar que, depois de alguns sucessos iniciais, foi derrotado pelos espanhóis na Venezuela (1813-1814) e na Colômbia (1815), onde havia se refugiado. Bolívar fugiu para o Haiti (1816) e, auxiliado pelo presidente haitiano Alexandre Pétion, retornou para a Venezuela, conseguindo finalmente libertar a maior parte do país (1817-1819). Em 1819 ele invadiu a Colômbia e derrotou os espanhóis na decisiva Batalha de Boyacá (agosto 1819). Em 1820-1821 as forças bolivarianas expulsaram os espanhóis da Colômbia e do que restava da Venezuela. Com a vitória, os criollos reunidos no Congresso de Cúcuta (1821) estabeleceram a República da Grã-Colômbia – Colômbia, Venezuela, Panamá e Equador (que continuava ocupado pelos espanhóis) – cujos fundamentos políticos tinham sido aprovados anteriormente no Congresso de Angostura (1819). Bolívar assumiu a presidência do novo país. Em 1822, junto com Sucre, expulsou os espanhóis do Equador e encontrou-se com San Martin em Guayaquil. No “Encontro de Guayaquil” (julho 1822) os dois maiores líderes da luta contra a Espanha debateram o futuro da América do Sul e as operações contra as forças espanholas no Peru. Ao término da conferência, San Martin resolveu retornar para a Argentina e Bolívar assumiu a tarefa de comandar a campanha final contra os espanhóis.

1820-1824. A independência do Vice-Reino do Peru. O Peru e a Bolívia foram os últimos territórios libertados dos espanhóis na América do Sul. A libertação do Peru começou com a ofensiva de San Martin que, partindo do Chile, invadiu o Peru (1820). Em julho de 1821, San Martin tomou Lima e avançou na direção do Equador para se encontrar com Bolívar (1822). Como visto, depois da Conferência de Guayaquil, San Martin retirou-se do Peru e a ofensiva final contra os espanhóis foi assumida por Bolívar e Sucre. Em 1824 os remanescentes do exército espanhol foram derrotados nas batalhas de Junin (agosto) e de Ayacucho (dezembro). Depois de comandar a vitória criolla em Ayacucho, Sucre ocupou a Bolívia (1825). Em 1826, as últimas tropas espanholas abandonaram a América do Sul.

3.3 Os EUA, a Grã-Bretanha e a independência da América Latina

A independência da América Latina contou com o apoio decisivo das duas maiores nações liberais da época, a Grã-Bretanha e os EUA, que temiam que outras potências europeias instigadas pela Santa Aliança tentassem ocupar os territórios perdidos pela Espanha e Portugal. Além disso, ambas possuíam interesses econômicos que poderiam ser atendidos com o fim do pacto colonial e o estabelecimento do livre comércio na América Latina.

Os EUA. A posição dos EUA foi definida pela Doutrina Monroe (1823), elaborada por John Quincy Adams, secretário de Estado do presidente James Monroe (1817-1825). Os EUA afirmaram que os países americanos tinham o direito de se separar de suas metrópoles e que não aceitariam intervenções estrangeiras na região (“A América para os americanos”). Por outro lado, os EUA se comprometeram em manter a política de não envolvimento nos assuntos da Europa, posição adotada logo após sua independência – a política de isolacionismo.

A Grã-Bretanha. Na Grã-Bretanha, o reconhecimento demorou mais, apesar dos interesses geopolíticos e econômicos em jogo. O país tinha compromissos com a Espanha e com Portugal, o que deixou o Parlamento dividido. Enquanto o novo monarca, George IV (1820-1830) e parte do gabinete ministerial foi contra apoiar movimentos revolucionários, a opinião pública britânica era simpática à causa dos latino-americanos. Depois de muita discussão, o secretário do Exterior George Canning convenceu o governo conservador do primeiro-ministro Liverpool a reconhecer as independências em 1825-1827.

3.4 Consequências das Revoluções Hispano-Americanas

Dissolução do império colonial espanhol na América.
A Espanha só manteve o domínio sobre Cuba e Porto Rico (até 1898).

Fragmentação da América espanhola. Ao contrário das Treze Colônias Britânicas, que formaram a federação dos Estados Unidos da América, e do Brasil, que constituiu um império unitário, as nações hispano-americanas não conseguiram estabelecer um Estado centralizado, nem em escala regional. A Argentina assumiu o nome oficial de Províncias Unidas do Rio da Prata, mas ficou separada do Uruguai, do Paraguai e da Bolívia; a República da Grã-Colômbia dividiu-se em 1830, com a separação da Colômbia, Venezuela e Equador; e as Províncias Unidas ou Federação Centro-Americana implodiu em 1838, formando a Guatemala, Honduras, El Salvador, Nicarágua e Costa Rica. Antes dessa fragmentação, Bolívar havia tentado inutilmente estabelecer uma unidade maior da América espanhola ao organizar o Congresso do Panamá (1826), inspirado no ideal do pan-americanismo – união ou solidariedade dos povos americanos. Sua proposta de uma espécie de federação hispano-americana foi rejeitada e o pan-americanismo malogrou. As principais razões dessa fragmentação política e da falta de unidade foram: (I) a herança administrativa da colonização espanhola, que havia criado agrupamentos políticos separados; (II) as distâncias consideráveis e o transporte precário em um enorme território, dificultando as comunicações; (III) a existência de lideranças regionais autônomas, os caudilhos, que temiam perder poder e influência no caso de uma unificação ou da criação de uma estrutura maior mais centralizada.

A permanência de estruturas econômicas “coloniais”. A independência política da América hispânica não foi acompanhada por modificações profundas em suas estruturas econômicas (produção de matérias-primas para a exportação, monopólio das terras nas mãos dos criollos), embora tenham ocorrido algumas alterações em suas estruturas sociais (abolição da escravidão e da servidão, igualdade de direitos entre brancos, índios, negros e mestiços). Com efeito, a abolição do pacto-colonial e a adoção do livre-comércio aproximaram ainda mais as economias latino-americanas da Grã-Bretanha, enquadrando-as na divisão internacional do trabalho desenvolvida pela Revolução Industrial – países produtores de matérias-primas e países produtores de bens industriais, que eram também grandes “exportadores de capital”, quer dizer, investidores e fornecedores de capital. Na verdade, o livre-comércio estimulou a especialização da América Latina na produção de matérias-primas, consolidando uma situação de dependência econômica (de bens industriais e de capital estrangeiro), principalmente em relação à Grã-Bretanha, o que levou alguns estudiosos a considerar que a região havia se tornado parte “informal” do Império Britânico.

A instabilidade política. Ao longo do século XIX, as nações hispano-americanas continuaram envolvidas em violentas disputas políticas e na guerra civil, de uma maneira geral entre liberais e conservadores, tendo como ponto central a questão de eliminar ou não os privilégios do clero e dos militares e a expropriação das terras da Igreja. Por outro lado, tanto liberais quanto conservadores resistiram em fazer reformas mais radicais em benefício das massas indígenas e mestiças, reproduzindo um quadro de exclusão política e de forte desigualdade social.

Bibliografia

BETHELL, Leslie (org). História da América Latina, Volume III – Da Independência Até 1870. São Paulo, Edusp, 2004. O mais completo estudo disponível em língua portuguesa sobre o processo de independência da América ibérica e a formação dos Estados na região.

 

 

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