3. A Grã-Bretanha e seu império
colonial na América em 1600-1750
3.1 As ilhas britânicas em 1600
As ilhas britânicas são compostas, principalmente, por duas grandes
ilhas, a Grã-Bretanha (da qual fazem
parte Inglaterra, Escócia e Gales) e a Irlanda.
Em 1600, as ilhas britânicas estavam divididas em três reinos: Inglaterra (que
incluía Gales), Escócia e Irlanda
O Reino da Inglaterra. Era governado pela rainha Elisabete I (reinado
em 1558-1603), da dinastia Tudor. Em termos religiosos, a maioria da população
era protestante, dividida em seguidores da Igreja Anglicana e das igrejas
calvinistas independentes.
O Reino da Escócia. Era governado pelo rei Jaime VI (reinado em
1567-1625), da dinastia Stewart ou Stuart. A maioria da população também era
protestante, seguidora da Igreja Presbiteriana, de linha calvinista
O Reino da Irlanda. Era governado pelos monarcas da Inglaterra. A
maioria da população era católica.
A tradição constitucionalista
Em cada um dos reinos existia um Parlamento,
supostamente representante do povo mas, na prática, composto por membros das
elites (nobreza e burguesia). Na Inglaterra, o Parlamento estava dividido em
uma Câmara dos Lordes (grande nobreza e alto clero anglicano) e Câmara dos
Comuns (pequena nobreza e burguesia). Essas assembleias não eram permanentes e
só se reuniam, separadamente em cada reino, quando convocadas pela monarquia.
Os parlamentos britânicos seguiam uma tradição constitucionalista medieval de
preservar as liberdades dos súditos e de limitar a autoridade do monarca,
especialmente na questão tributária (eram os parlamentos que autorizavam o
aumento de impostos). Como conciliar esse constitucionalismo com o crescente
poder da monarquia (absolutismo e taxação arbitrária) foi a principal questão
política dos séculos XVI e XVII.
3.2 A Inglaterra no século XVII
a) Aspectos gerais
Economia e sociedade
No início do século XVII, a transição do feudalismo para o capitalismo
avançava na Inglaterra. O comércio e a indústria manufatureira (sobretudo de tecidos)
cresciam, enquanto ocorriam importantes mudanças agrárias, como a expansão dos
cercamentos (enclosures) e as privatizações
das terras comuns, resultando no êxodo rural e no aumento do número de
trabalhadores livres pobres no campo e nas cidades. A acumulação de capital
aumentou, beneficiando a burguesia em ascensão, especialmente a gentry (pequena nobreza capitalista ou
burguesia agrária). A demanda por metais preciosos, gêneros agrícolas exóticos
e terras levou a rainha Elisabete I a apoiar iniciativas privadas de
colonização da América do Norte na segunda metade do século XVI, mas as
colônias inglesas criadas na Era Elisabetana fracassaram.
A questão religiosa: anglicanismo
e puritanismo
A Inglaterra foi um dos centros da Reforma Protestante, apoiada pela
dinastia Tudor. No reinado de Elisabete I, os católicos foram perseguidos e
proibidos de exercer cargos públicos, beneficiando o movimento protestante. Contudo,
o protestantismo inglês ficou dividido entre partidários do anglicanismo e
partidários das igrejas não conformistas. A Igreja Anglicana, criada por Henrique VIII em 1534, era a igreja
oficial, chefiada pelo monarca, o que contribuiu para o fortalecimento do poder
real. Mas ela era uma igreja híbrida, que preservou diversas tradições
católicas (cerimônias, culto de santos, organização clerical) combinadas com
ideias calvinistas. Muitos protestantes não aceitaram essa presença católica no
anglicanismo e tentaram reformá-lo ou então dele se afastaram para criar
igrejas independentes da Coroa. Esses protestantes não anglicanos, seguidores
do calvinismo, ficaram conhecidos genericamente como puritanos e o seu movimento religioso como puritanismo.
A influência do calvinismo. O calvinismo, na sua modalidade anglicana e
puritana, teve um importante papel na formação da cultura britânica e americana
nos séculos XVII e XVIII. A doutrina calvinista baseia-se na crença da salvação
espiritual pela predestinação divina (Deus define quem será salvo). Os
escolhidos ou eleitos de Deus eram aqueles cristãos esforçados e dedicados às
suas tarefas e profissões, que não recuavam diante de desafios e não se
acomodavam. A riqueza gerada pelo trabalho honesto e o sucesso obtido com o
esforço pessoal são sinais da predestinação. O calvinismo formou, assim, uma
cultura que valorizava a moralidade cristã, o trabalho, o esforço e o sucesso
individual; que condenava o desperdício e estimulava a poupança e a
responsabilidade financeira; que reconhecia o direito ao lucro e ao capital;
que idealizava o self-made man; e
que, portanto, favoreceu o capitalismo.
Mudança dinástica (1603):
ascensão dos Stuart
Em 1603, a rainha Elisabete I morreu, solteira ( a "Rainha
Virgem") e sem filhos, encerrando a dinastia Tudor. Seu parente mais
próximo era Jaime VI Stuart, rei da Escócia desde 1567. O monarca escocês
assumiu o trono da Inglaterra e da Irlanda com o nome de Jaime I, iniciando o reinado da dinastia Stuart (1603-1714). Inglaterra, Escócia e Irlanda
continuaram sendo reinos separados, mas agora com um mesmo rei.
No século XVII, sob a dinastia Stuart, as relações entre a monarquia
(absolutismo) e o Parlamento na Inglaterra se deterioraram. Os problemas
religiosos também se agravaram quando os Stuart tentaram impor o anglicanismo
para estabelecer a uniformidade religiosa e fortalecer a monarquia – o ideal de
"um mesmo rei, uma mesma fé", fazendo do anglicanismo um instrumento
do absolutismo. Os protestantes dissidentes, como os puritanos, passaram a ser
perseguidos pela monarquia e pelas autoridades anglicanas. O resultado foi a crise
política e religiosa mais grave do reino, que culminaria na revolução, na
guerra civil e na derrubada de dois monarcas.
Avanço do mercantilismo e do
colonialismo
No século XVI, a dinastia Tudor conseguiu uma relativa harmonia entre a
monarquia e o parlamento, mas fracassou em estabelecer um império colonial no
Novo Mundo. No século XVII, ao contrário, a dinastia Stuart não conseguiu criar
laços estáveis com o parlamento, mas foi bem sucedida na colonização da
América, iniciando um processo de expansão colonial que, no início do século
XX, culminaria na criação do maior império da história. De fato, no século XVII
a procura de colônias na América do Norte e no Caribe foi intensificada pelos
governantes ingleses e por empresas privilegiadas pelo governo (companhias
comerciais), inspiradas no mercantilismo. A expansão colonial inglesa foi
motivada pela busca de metais preciosos (que não foram encontrados nos
territórios conquistados) e de terras que pudessem produzir gêneros agrícolas para
o mercado europeu (açúcar, tabaco), que serviriam também para receber excedentes
populacionais e refugiados religiosos, como os puritanos.
b) O reinado de Jaime I (1603-1625)
No reinado de Jaime I Stuart teve início a efetiva colonização inglesa
da América, centrada em duas regiões: a costa leste da América do Norte e o
Caribe. Na costa leste, foram criados dois núcleos coloniais, os primeiros das
famosas Treze Colônias. No Caribe, começou
também a formação de um outro centro de colonização, as Índias Ocidentais Britânicas. Uma parte do leste do Canadá (a Terra
Nova) também começou a ser colonizada no reinado de Jaime I, mas a maior parte
do território canadense oriental, especialmente o Quebec, ficou sob controle
francês.
O nascimento das Treze Colônias
O processo de formação das Treze Colônias começou com Jaime I mas só foi
concluído na segunda metade do século XVIII. No entanto, os dois modelos de
colonização que caracterizaram as Treze Colônias (exploração na parte sul e
povoamento na parte norte) foram lançados em seu reinado.
As colônias do Sul. A colonização da parte sul das Treze Colônias
começou com a fundação de Jamestown, em 1607, na Virgínia, a primeira das
colônias. Nela e nas demais colônias criadas no sul, uma região de clima quente
e favorável ao cultivo de gêneros agrícolas de exportação, foi desenvolvido um
tipo de colonização de exploração de
inspiração mercantilista. Sua característica econômica mais importante era a
agricultura de plantation (latifúndio
monocultor e exportador), sobretudo de tabaco, utilizando o trabalho escravo
negro. Na sociedade escravista sulista
formou-se uma elite colonial latifundiária, a aristocracia rural.
As colônias do Norte. A colonização da parte norte das Treze
Colônias começou com a fundação de Plymouth, criada por refugiados puritanos
(os "Pais Peregrinos") em 1620, em Massachusetts, a segunda das
colônias. A região norte possui clima e natureza semelhantes aos da metrópole,
razão do território ficar conhecido como Nova
Inglaterra, onde foi desenvolvida uma colonização
de povoamento. Suas características econômicas básicas eram a pequena
propriedade rural, a policultura, o uso mais intenso do trabalho livre e o
desenvolvimento de atividades comerciais e da indústria pesqueira, madeireira e
naval. A quantidade de escravos era menor, o proletariado mais comum e,
sobretudo, a classe média rural e urbana era mais numerosa do que no Sul. No
Norte, formou-se uma sociedade
capitalista pré-industrial (no sentido de não existirem ainda máquinas) e
uma elite de comerciantes e industriais manufatureiros, a burguesia colonial.
As colônias do Centro. A divisão das Treze Colônias em colônias do
Sul e do Norte é, na verdade, uma simplificação da colonização inglesa da
América do Norte. Uma classificação mais rigorosa costuma destacar um terceiro
grupo de colônias, as colônias do Centro, que combinaram características das
outras duas. Contudo, como as características nortistas predominaram nas
colônias do Centro, elas costumam ser incluídas no grupo do Norte e assim serão
consideradas.
A questão indígena. Os dois núcleos coloniais criados no reinado
de Jaime I (Jamestown e Plymouth) só sobreviveram porque, inicialmente,
contaram com a colaboração dos índios locais. Contudo, na medida em que
chegavam mais colonos e aumentava a pressão pela ocupação das terras, os
conflitos armados entre invasores ingleses e os nativos foram inevitáveis.
Gradualmente, nos séculos XVIi e XVIII, os colonos conquistaram os territórios
indígenas, beneficiados por suas vantagens tecnológicas e militares e pela
propagação de doenças do Velho Mundo que dizimaram uma grande quantidade de
nativos, facilitando a tomada de suas terras. Parte dos índios foi escravizada
no início da colonização, mas a escravidão de africanos importados pelo tráfico
negreiro rapidamente superou em importância o uso de escravos nativos. Contudo,
algumas tribos indígenas estabeleceram relações amistosas com os colonos e
tornaram-se aliadas nas guerras contra outras tribos e contra os franceses em
expansão pela América do Norte.
As Treze Colônias em 1750. Mais de cem anos após a morte de Jaime I, as
Treze Colônias eram as seguintes: no Sul,
a Virginia, Maryland, Carolina do Norte, Carolina do Sul e a Geórgia (a última
das colônias, criada em 1733); no Norte,
Massachusetts, New Hampshire, Rhode Island, Connecticut (essas quatro compondo
a Nova Inglaterra), Nova York, Nova Jersey, Pennsylvania e Delaware (essas
outras quatro correspondendo às colônias do Centro).
O nascimento das Índias
Ocidentais Britânicas
Caribe começou a ser colonizado pelos ingleses também no reinado de
Jaime I. As ilhas dessa região são conhecidas coletivamente como Antilhas e as
que foram conquistadas pelos ingleses constituíram as Índias Ocidentais
Britânicas (as "Índias Orientais" eram a Índia e a Malásia, entre outras
partes da Ásia). A primeira colônia foram estabelecida em St Kitts (1624) e,
depois de Jaime I, outras foram criadas, como Barbados (1627), Antigua (1632),
Bahamas (1646) e Jamaica (tomada dos espanhóis em 1655). Nas Antilhas inglesas
foi adotada a colonização de exploração
com plantations que utilizavam
escravos negros (mais do que no sul das Treze Colônias) para produzir tabaco e,
principalmente, açúcar. Uma elite colonial aristocrática também foi formada
nessas colônias, mas parte dos proprietários residia na metrópole e tinha suas plantations gerenciadas por
administradores locais contratados.
A servidão de contrato nas
colônias
O trabalho compulsório ou forçado (não remunerado e imposto pela
violência, na época respaldada pela lei) mais utilizado na colonização inglesa
foi a escravidão negra, mas uma outra modalidade também foi empregada: a
servidão de contrato ou servidão temporária de brancos, aplicada sobre
imigrantes europeus pobres ou sentenciados. Na servidão de contrato, o
imigrante sem recursos para viajar ou se estabelecer na América, tinha sua
viagem paga por um comerciante ou um colono com o qual ficava endividado,
pagando sua dívida trabalhando para o seu credor durante alguns anos (em geral
de 4 a 7
anos). Depois disso, ele recuperava sua liberdade. Em muitos casos, o servo
recebia também um pedaço de terra ao término do contrato. Calcula-se que mais
de 75% dos imigrantes brancos para as Treze Colônias e o Caribe tenha sido de servos
de contrato. No século XVII, a maioria era de origem inglesa, e no XVIII, a
maior parte era irlandesa e alemã. Muitos, entretanto, não foram para as
colônias como servos que aceitavam voluntariamente o contrato: foram submetidos
à força pelas autoridades ou pelos comerciantes envolvidos nesse negócio. Foi o
caso de condenados, mendigos e órfãos. Além disso, não era incomum os servos
serem tratados como escravos, sofrendo humilhações e abusos. A maioria
esmagadora dos servos (talvez 80%), depois de libertada não conseguia ser
bem-sucedida e enriquecer ou se tornar um pequeno proprietário rural próspero,
comerciante ou artesão, sobretudo no Caribe e no sul das Treze Colônias. A grande
massa desses servos virou parte dos brancos pobres, ainda que, possivelmente,
em condições de vida um pouco melhores do que as da metrópole.
c) O reinado de Carlos I (1625-1649)
A colonização da América do Norte e do Caribe avançou no reinado de Carlos
I Stuart, não só por causa do mercantilismo mas também pela intensificação das
perseguições religiosas na Inglaterra. Foi em seu reinado que ocorreu a Grande
Migração de puritanos para a Nova Inglaterra (20 mil imigrantes) e para as
Índias Ocidentais (outros 20 mil). Os católicos também procuraram um refúgio e
criaram a colônia de Maryland (1634), mas
o povoamento desse território incluiu protestantes, que acabaram predominando.
A Revolução Inglesa (1640-1689)
O acontecimento mais importante no reinado de Carlos I foi o começo da
Revolução Inglesa (1640-1689), concluída com a derrubada do seu filho Jaime II
(1685-1688). Apesar de frequentemente chamada de "inglesa", a
revolução não ficou restrita a Inglaterra e ocorreu também na Escócia e na
Irlanda – nesse sentido, ela foi mais corretamente uma "Revolução
Britânica", mas a expressão Revolução Inglesa ficou consagrada. A Revolução Inglesa foi composta por duas
revoluções inicialmente semelhantes mas que acabaram se diferenciando: a
Revolução Puritana (1640-1660), iniciada sob Carlos I, e a Revolução
Gloriosa (1688-1689), no reinado de Jaime II. A Revolução Inglesa
foi uma revolução política e religiosa que envolveu tanto a luta do Parlamento
contra o absolutismo e suas medidas de taxação arbitrária, como a luta de
protestantes contra a igreja oficial que a monarquia tentava ou ameaçava impor.
No sentido político, ela foi um exemplo de revolução constitucionalista –
revolução que visa criar um governo
limitado pela lei e por uma assembleia representativa, que definiria os
impostos e garantiria as liberdades individuais. Como a Revolução Inglesa foi
apoiada, principalmente, pela burguesia e criou um regime constitucional que
favoreceu ainda mais o capitalismo, ela também costuma ser considerada uma revolução
burguesa.
A fase inicial da Revolução
Puritana. O confronto entre o Parlamento e
Carlos I eclodiu durante a Guerra dos Bispos ou Guerra Anglo-Escocesa de
1638-1640 (os escoceses rebelaram-se contra a monarquia quando ela tentou impor
o anglicanismo e invadiram a Inglaterra), seguida de uma revolta anti-inglesa
na Irlanda em 1641. Esses dois conflitos iniciaram as Guerras dos Três Reinos
(1638-1651) – uma série de guerras na Inglaterra, Escócia e Irlanda, que
mataram 100 mil pessoas. O Parlamento tentou controlar os recursos da Coroa
(1640) e seu exército (1642), mas Carlos I resistiu, desencadeando a guerra civil
inglesa (1642-1648) entre a monarquia e os rebeldes parlamentares, unidos
aos escoceses. A nobreza ficou dividida, com parte apoiando o rei (os
realistas, com maioria anglicana) e outra parte o Parlamento, apoiado também
pela burguesia urbana, pela gentry e pelos
yeomen (pequenos proprietários
rurais), em geral puritanos. No comando militar das forças parlamentares destacou-se
Oliver Cromwell. Os realistas foram derrotados e Carlos I capturado, mas
o exército puritano entrou em conflito com o Parlamento e com os escoceses, que
queriam um acordo com o rei. Liderado por Cromwell, o exército assumiu o poder
em dezembro de 1648. Carlos I foi julgado, condenado por traição e executado em
janeiro de 1649. Em março, a monarquia foi abolida.
d) A República Puritana
(1649-1660)
A República Puritana foi,
na prática, uma ditadura militar encabeçada por Oliver Cromwell,
inspirada na ideia calvinista do povo “eleito por Deus” (os ingleses puritanos).
Inicialmente chamada de Commonwealth ("comunidade
nacional"), a partir de 1653 a República adotou o nome de Protetorado e
Cromwell recebeu o título de Lorde Protetor. Como o período republicano foi
relativamente curto (durou um pouco mais de uma década) e está situado entre
dois reinos (o de Carlos I e o do seu filho Carlos II), os anos de 1649-1660 também
ficaram conhecidos como o Interregnum.
A República Puritana fortaleceu o poder inglês nas ilhas britânicas (que foram
brevemente unificadas), intensificou o mercantilismo e o colonialismo e favoreceu
o comércio, a privatização das terras da Coroa e a liberdade industrial,
beneficiando a burguesia e o capitalismo em gestação na Inglaterra.
Mudanças políticas e religiosas
A Revolução Puritana não democratizou a Inglaterra e nem estabeleceu um
regime dominado pelo Parlamento. De fato, o absolutismo monárquico foi
substituído pelo autoritarismo de Cromwell, respaldado pelo exército. Como no
passado, o Parlamento do Interregum
não era um órgão permanente e só se reunia quando convocado pelo governo. No
entanto , o Parlamento foi reformado (extinção da Câmara dos Lordes) e
expurgado (expulsão dos parlamentares oposicionistas), ficando reduzido a uma
assembleia de radicais que, embora defensora da nova ordem, manteve sua
independência perante o governo. Na verdade, a existência do Parlamento e sua
relativa autonomia foram importantes para dar legitimidade ao regime
cromwelliano. Além disso, os eventos de 1649-1660 demonstraram que era possível
o funcionamento de um regime na Inglaterra sem monarcas e com um Parlamento sem
uma Câmara dos Lordes.
O governo de Cromwell reprimiu os monarquistas e os levellers (republicanos
defensores da democracia, espalhados no exército). Nessa época, surgiu um outro
grupo mais radical, os diggers (“cavadores”),
com ideias comunistas utópicas, também sufocados (mais pela ação dos grandes
proprietários do que do Estado). Cromwell conquistou a Irlanda (1649),
esmagando a Revolta Católica, e a Escócia (1650-1651), derrotando os
presbiterianos. O resultado foi o fim da Guerra dos Três Reinos e a unificação
das ilhas britânicas sob um mesmo regime político.
A República aboliu os bispos e outras instituições do anglicanismo o
que, na prática, significou a eliminação da Igreja Anglicana. A tolerância
religiosa para a maioria dos protestantes foi instituída (1653) e os judeus
foram readmitidos na Inglaterra (1655), mas os católicos, protestantes radicais
(como os quakers) e ateus foram
perseguidos.
Mercantilismo e colonialismo
A República reforçou o mercantilismo e ampliou o colonialismo. Um
rebelião pró-monarquia estourou nas colônias (1649) mas foi sufocada por uma
expedição militar inglesa (1652). O Ato de Navegação (1651) estabeleceu o monopólio inglês
no comércio externo do país, banindo a presença estrangeira no transporte naval
de produtos importados e exportados, com exceção de navios da mesma origem das
mercadorias importadas. O protecionismo do Ato de Navegação prejudicou as
Províncias Unidas dos Países Baixos (do qual fazia parte, principalmente, a Holanda),
que tinham uma grande participação nas atividades mercantis da Inglaterra. A
tensão entre Inglaterra e os Países Baixos (duas repúblicas calvinistas)
cresceu e resultou na Primeira Guerra Anglo-Neerlandesa ou Anglo-Holandesa (1652-1654), vencida
pelos ingleses. Em 1654-1659,
a Inglaterra também foi vitoriosa na guerra contra a
Espanha, tomando dos espanhóis a Jamaica (1655).
O fim da República
Oliver Cromwell morreu em setembro de 1658 e a direção da República
passou para o seu filho, Ricardo. Contudo, Ricardo não possuía o
prestígio e o carisma do pai, não conseguiu governar e renunciou (maio, 1659),
passando o poder para o exército. Sob o comando do general Monk e com o apoio
do Parlamento, os militares restauraram a monarquia Stuart, assumida por Carlos
II (maio, 1660), que retornou do seu exílio nos Países Baixos. A queda do
regime republicano encerrou a Revolução Puritana.
e) O reinado de Carlos II
(1660-1685)
A época do reinado de Carlos II e do seu irmão
Jaime II, ambos filhos de Carlos I, é chamada de Restauração (1660-1688),
período situado entre a Revolução Puritana e a Revolução Gloriosa. Com o
retorno da monarquia, a Câmara dos
Lordes e a Igreja Anglicana também foram restabelecidas e a Câmara dos Comuns voltou a ser dominada pela gentry anglicana. A união
forçada das ilhas britânicas, fruto das ações militares cromwellianas, foi
dissolvida e os Três Reinos (Inglaterra, Escócia e Irlanda) voltaram a ficar
separados sob um mesmo rei.
Política e religião
Carlos II, que iniciou seu reinado com grande
popularidade, tentou conciliar o poder da Coroa com o do Parlamento e
estabelecer uma relativa tolerância religiosa no país – uma medida que
beneficiaria os puritanos e, especialmente, os católicos, de quem o rei buscava
se aproximar (a rainha Catarina de Bragança, esposa de Carlos II desde 1662, era
uma princesa portuguesa católica). No entanto, o Parlamento vetou ou anulou as
medidas de liberdade religiosa do monarca, favorecendo a perseguição anglicana aos
católicos e aos puritanos, que começaram a ser chamados de dissidentes ou não
conformistas. A popularidade de Carlos II diminuiu na década de 1660, em parte
por causa de sua política pró-católica e de novas guerras contra a Holanda
calvinista. Nessa época, duas calamidades atingiram Londres, uma cidade de 460
mil habitantes: a Grande Peste (1665), que matou mais de 90 mil pessoas, e o
Grande Incêndio (2-5 de setembro de 1666), que matou poucas pessoas mas
destruiu a maior parte da cidade. O empenho da família real na reconstrução da
capital e no auxílio aos desabrigados não foi suficiente para recuperar a
imagem de Carlos II, cada vez mais associado ao catolicismo e ao absolutismo. De
fato, em 1670, Carlos II fez um acordo secreto com o poderoso rei da França,
Luis XIV: o monarca francês daria dinheiro para o monarca inglês não depender
do Parlamento, Carlos II declararia ser católico e o catolicismo seria
restaurado na Inglaterra com o auxílio do exército francês. Contudo, o plano
fracassou diante das manobras do Parlamento, que lançou o Ato do Teste (1673),
proibindo não anglicanos de exercerem cargos governamentais, e o Ato do
Habeas Corpus (1679), que
protegeu o indivíduo da prisão arbitrária e salvaguardou sua liberdade pessoal.
A situação política e religiosa se agravou porque o herdeiro do trono, seu
irmão Jaime (Carlos II não tinha filhos ou filhas), tinha se convertido ao
catolicismo.
Mercantilismo e colonialismo
Como Cromwell, Carlos II buscou ampliar o império colonial e estimular o
comércio externo inglês. O pacto colonial, por exemplo, foi regulamentado por novos
Atos de Navegação (1660 e 1663). Em
1662, o casamento de Carlos II com Catarina de Bragança foi acompanhado de um
importante acordo entre Inglaterra e Portugal. Os portugueses cederam aos
ingleses a colônia de Bombaim (atual Mombai) na Índia e privilégios comerciais
no Brasil, em troca da proteção inglesa contra a Espanha e a liberdade de culto
para Catarina. A formação das Treze Colônias continuou com a criação da colônia
da Carolina, na região sul, em 1663 (dividida em Carolina do Sul e Carolina do
Norte em 1729). Por sua vez, as disputas comerciais e coloniais com os
neerlandeses ("holandeses") e as manobras diplomáticas de Luis XIV
acabaram envolvendo a Inglaterra em duas guerras contra os Países Baixos.
Franceses, neerlandeses e suecos
na América do Norte. No século
XVII, enquanto os ingleses começavam a colonizar a costa leste da América do
Norte e o Caribe, os franceses, os neerlandeses e os suecos fizeram o mesmo. Os
franceses estavam construindo duas grandes colônias: (1) a Nova França, composta por territórios no leste do Canadá (fundação
de Quebec em 1608 e Montreal em 1642) e na bacia fluvial do Mississipi (colônia
de Louisiana, 1682); (2) as Índias
Ocidentais Francesas, no Caribe, que incluía Saint Christophe (1625),
Martinica (1635), Guadalupe (1635) e, principalmente, Saint Domingue, atual
Haiti (1664). Os franceses acabariam se transformando nos principais rivais
imperialistas dos ingleses, mas isso só aconteceria no século XVIII. No século
XVII, os maiores rivais dos ingleses na colonização da América do Norte foram
os neerlandeses, que, em 1614, estabeleceram a colônia da Nova Netherlands ou Novos
Países Baixos, separando as colônias inglesas do sul e a Nova Inglaterra ao norte – territórios
que depois formariam as colônias do Centro das Trezes Colônias. A principal
cidade colonial neerlandesa era Nova Amsterdã, atual Nova York, fundada em
1625. Os suecos, por sua vez, criaram em 1638 uma pequena colônia no atuais
estados americanos do Delaware, Nova Jersey e Pennsylvania – a Nova Suécia, conquistada pelos neerlandeses
em 1655.
1665-1667. Segunda Guerra
Anglo-Neerlandesa. Também
chamada de Segunda Guerra Anglo-Holandesa, foi causada pela rivalidade
comercial e colonial entre a Inglaterra e os Países Baixos. Em 1663, os
ingleses atacaram as feitorias neerlandesas na África Ocidental que forneciam
escravos para o Novo Mundo e, em 1664, invadiram os Novos Países Baixos,
tomando Nova Amsterdã (renomeada Nova York em 1665). A guerra que se seguiu
inicialmente favoreceu os ingleses mas eles ficaram debilitados com a Grande
Peste (1665) e o Grande Incêndio de Londres (1666), seguidos de ousados ataques
navais neerlandeses na Inglaterra (1667). Para piorar, Luis XIV da França,
temendo uma aliança dos ingleses com a Espanha (rival dos franceses) entrou na
guerra ao lado dos neerlandeses. No final, a Inglaterra foi derrotada de forma
humilhante, o que contribuiu para desgastar Carlos II. Nova York e os territórios
dos Novos Países Baixos, contudo, ficaram sob o controle da Inglaterra que,
assim, ampliou os seus domínios na América e conseguiu uma ligação terrestre
entre as colônias do norte e as colônias do sul.
1672-1674. Terceira Guerra Anglo-Neerlandesa. No final
da década de 1660, Carlos II aproximou-se de Luis XIV da França, com quem fez
uma aliança contra os Países Baixos (1670) – ocasião em que selou o acordo
secreto de restauração do catolicismo na Inglaterra. O resultado foi a Terceira
Guerra Anglo-Neerlandesa ou Anglo-Holandesa. Os neerlandeses reconquistaram
Nova York e infligiram derrotas navais aos ingleses. A guerra ficou impopular
na Inglaterra e o Parlamento, desconfiando das manobras de Carlos II favoráveis
aos católicos (ele tentou aprovar uma medida de tolerância religiosa, rejeitada
pelo Parlamento), pressionou pela paz. A Inglaterra saiu da guerra em 1674, mas
conseguiu nas negociações com os neerlandeses recuperar definitivamente Nova
York.
Apesar do reinado marcado pela tensão religiosa e por uma política
externa desastrosa, a verdade é que Carlos II, ao morrer (1685), deixou como
legado um império colonial maior do que recebera, fortalecendo a presença
inglesa na América do Norte e na Ásia. Ironicamente, a França, que foi a
principal aliada da Inglaterra durante a maior parte do seu reinado, acabaria
se transformando na maior rival dos ingleses pelo controle daqueles territórios
coloniais.
f) O reinado de Jaime II
(1685-1688)
Com a morte de Carlos II em 1685, seu irmão Jaime II assumiu os tronos
da Inglaterra, da Escócia e da Irlanda. O novo monarca buscou fortalecer as
relações com Luis XIV da França, o que o afastou ainda mais dos Países Baixos,
potência comercial e naval que, nas últimas décadas do séculos XVII, havia se
transformado na maior rival do rei francês. Em 1686, Inglaterra e França
assinaram um acordo de neutralidade na América para evitar um conflito
colonial.
Absolutismo e catolicismo
Jaime II foi o último monarca católico e absolutista dos Três Reinos.
Seu reinado foi marcado por medidas favoráveis ao catolicismo e pela
intensificação do confronto entre a Coroa e o Parlamento que, depois de se
reunir por sete meses em 1685, foi dissolvido pelo rei (a dissolução oficial só
foi proclamada em 1687). Jaime II nomeou católicos para vários cargos (proibido
pelo Ato do Teste de 1673) e lançou decretos de liberdade religiosa
(Declarações de Indulgência, 1687-1688). Apesar dos decretos também favorecerem
os protestantes não anglicanos, seu principal objetivo era beneficiar e fortalecer
o catolicismo. Além disso, essas medidas eram demonstrações do absolutismo do
monarca pois anulavam as leis religiosas pró-anglicanos aprovadas pelo
Parlamento no reinado de Carlos II. Na verdade, Jaime II acreditava poder
contar com o apoio de um novo Parlamento a ser convocado em 1688. Para
assegurar esse apoio, ele tomou medidas que excluíam ou dificultavam a eleição
de anglicanos e opositores. Com efeito, os problemas políticos e religiosos se
agravaram no primeiro semestre de 1688. Em maio, bispos anglicanos foram presos
por terem recusado ler a Declaração de Indulgência de Jaime II em suas igrejas.
Em junho, contrariando a vontade do monarca, eles foram inocentados por uma
Corte de Justiça. Nesse mesmo mês, estourou uma crise política de sucessão
monárquica que culminou em uma revolução.
O problema sucessório
Para os protestantes ingleses, inicialmente o catolicismo de Jaime II
parecia ser um problema grave mas temporário, tendo em vista que o rei, casado em
um segundo matrimônio com a princesa italiana Maria de Modena (outra católica
devota), não possuía filhos. As herdeiras do trono eram suas duas filhas do
casamento anterior, ambas protestantes: Maria (nascida em 1662) e Ana (nascida
em 1665). Na ordem da sucessão, o terceiro herdeiro era outro protestante, o
príncipe neerlandês Guilherme de Orange,
stadtholder (dirigente) dos Países
Baixos. Nascido em 1650, Guilherme era neto de Carlos I por parte da mãe e
casado com Maria, sua prima, filha de Jaime II, de quem era sobrinho e genro.
Inimigo de Luis XIV e defensor do protestantismo, Guilherme de Orange governava
a república neerlandesa desde 1672 e tentava costurar uma aliança
anglo-neerlandesa contra a França. A expectativa de sua esposa assumir o trono
da Inglaterra após a morte de Jaime II indicava que essa aliança poderia se
tornar realidade. Contudo, os planos dos protestantes e de Guilherme de Orange
ficaram comprometidos com a notícia da gravidez da rainha Maria de Modena. Em
junho de 1688, para alegria do casal real, dos católicos e de Luis XIV, nasceu
o príncipe Jaime Eduardo, novo e imediato herdeiro dos Três Reinos. Não havia
dúvida que ele seria criado no catolicismo, a religião dos pais, e que
possivelmente continuaria a política pró-francesa de Jaime II. A situação se
invertera radicalmente: a Inglaterra parecia caminhar na direção da restauração
do catolicismo e da sua transformação em um Estado vassalo da França, possivelmente
seguida da repressão aos protestantes ingleses. Imediatamente após o nascimento
de Jaime Eduardo, começaram a correr rumores de que ele não era filho legítimo
de Jaime II e Maria Modena, e sim uma criança roubada ou comprada. Como
consequência, anglicanos e protestantes não conformistas uniram-se em uma
revolução apoiada por Guilherme de Orange contra Jaime II e sua política
católica absolutista.
g) A Revolução Gloriosa
(1688-1689)
A Revolução Gloriosa foi a etapa final da Revolução Inglesa. Ocorrida no
reinado de Jaime II, ela foi um movimento político da nobreza e burguesia
protestantes da Inglaterra e da Escócia contra o absolutismo católico da
monarquia, acompanhado pela ascensão de Guilherme de Orange e Maria II aos
tronos dos Três Reinos. A Revolução de 1688-1689 não foi um acontecimento exclusivamente
interno da história política e religiosa britânica. Desde o seu início ela assumiu
uma dimensão internacional e envolveu diretamente os Países Baixos que,
liderados por Guilherme de Orange, interviram na luta contra Jaime II. De fato,
sem a intervenção militar neerlandesa, possivelmente a revolução teria
fracassado. Além disso, por causa da revolução, a Inglaterra entrou na Guerra
da Liga de Augsburgo (1688-1697) contra a França.
A queda de Jaime II (1688)
Em julho de 1688, um grupo de nobres oposicionistas (os "Sete
Imortais") enviou um pedido para Guilherme de Orange invadir a Inglaterra
e colocar sua esposa Maria no trono, alegando a ilegitimidade de Jaime Eduardo e
as crescentes ameaças de Jaime II às liberdades e propriedades dos súditos. Na
ocasião, a tensão crescia na Europa entre a França e a Liga de Augsburgo, uma
aliança antifrancesa composta por vários países criada em 1686 por Leopoldo I,
imperador da Alemanha, sob orientação de Guilherme de Orange. Uma guerra
parecia eminente e Guilherme queria o apoio dos ingleses. Em setembro, logo
após a França atacar a Alemanha, iniciando a Guerra da Grande Aliança, Guilherme
aceitou invadir a Inglaterra e, visando ampliar o número de aliados nesse país, lançou um decreto que condenava o
absolutismo e defendia um Parlamento livre. Jaime II recusou a ajuda militar
oferecida por Luis XIV e recuou na sua política católica, buscando uma
conciliação com a oposição protestante, em vão. Em novembro, Guilherme de
Orange desembarcou na Inglaterra com mais de 15 mil soldados, sendo recebido
como libertador pelos protestantes. O principal comandante militar da forças
realistas, o Duque de Marlborough (John Churchill), e diversos outros
partidários de Jaime II passaram para o lado de Guilherme. Em dezembro, Jaime
II fugiu para a França (com a permissão de Guilherme, que não queria que ele
fosse morto e transformado em mártir da causa católica), enquanto a nobreza
rebelde formava um governo provisório que convocou o Parlamento.
A nova ordem política e religiosa
(1689)
A nova ordem política e religiosa criada pela queda de Jaime II foi
definida em 1689 por três medidas respaldadas pelo Parlamento: a monarquia
conjunta de Guilherme III e Maria II, o Ato de Tolerância e a Bill of Rights, esta última simbolizando
o fim da revolução.
A ascensão de Guilherme III e
Maria II. O Parlamento inglês reuniu-se
em janeiro de 1689 e, depois de muita negociação política, ofereceu a Coroa da
Inglaterra para Guilherme de Orange e sua esposa Maria, que viraram monarcas conjuntos
do país com os títulos de Guilherme III e Maria II. A monarquia conjunta
significava que quando um dos dois morresse, o outro continuaria reinando
(Maria II morreu em 1694 e o reinado uno de Guilherme III continuou até o seu
falecimento em 1702). Ambos foram coroados em abril. No mesmo mês, na Escócia,
onde Jaime II também perdera apoio, foi formada uma assembleia revolucionária,
a Convenção dos Estados (com representantes do clero, nobreza e burguesia), que
ofereceu a Coroa escocesa para Guilherme e Maria, assumida por ambos em maio.
Na Inglaterra e na Escócia, a revolução foi relativamente pacífica, razão de
ter sido chamada de "gloriosa". Contudo, na Irlanda a situação foi
diferente. Os irlandeses, em sua maioria católicos, continuaram apoiando Jaime
II e Guilherme III precisou conquistar o país por meios militares em uma guerra
que só se encerrou em 1692. Com a sua vitória na Irlanda, Guilherme II
assegurou para si e para a esposa o governo sobre os Três Reinos. Além disso,
Guilherme continuou sendo dirigente ou stadtholder
dos Países Baixos, onde governava de acordo com as leis neerlandesas.
O Ato de Tolerância. Em maio de 1689, com incentivo de Guilherme
III e Maria II, preocupados em conciliar e unir seus súditos protestantes
ingleses, o Parlamento aprovou o Ato de Tolerância. O Ato concedeu liberdade de
culto para os protestantes anglicanos e não conformistas (puritanos), mas
excluiu os católicos, os unitaristas (crença em Deus uno e não numa trindade de
Pai, Filho e Espírito santo) e os ateus. Na prática, o catolicismo não foi
perseguido, mas como o Ato do Teste (1673) continuou em vigor, os não
anglicanos continuaram excluídos do Parlamento até o século XIX. De toda forma,
o Ato
A Bill of Rights. Apesar da autoridade de Guilherme III e Maria
II só ter se consolidado na Irlanda em 1692, considera-se que a Revolução
Gloriosa foi concluída com a aceitação, por ambos, da Bill of Rights, em 16 de dezembro de 1689. A Bill of Rights ou Carta de Direitos (em geral traduzida como
"Declaração de Direitos"), foi um ato do Parlamento inglês que
estabeleceu os limites do poder da Coroa frente ao Parlamento e aos súditos.
Entre outras coisas, ela definiu que o monarca não poderia interferir na lei ou
agir como juiz; que o Parlamento decidiria os impostos e a autorização de um
exército em época de paz; que deveriam ocorrer eleições parlamentares
regulares; que os deputados poderiam livremente se expressar no Parlamento sem
sofrerem represálias; que os súditos protestantes teriam o direito de portar
armas para a sua defesa; e que punições cruéis e incomuns seriam abolidas. A Bill of Rights foi um marco na história
constitucional inglesa e na história dos direitos políticos modernos de uma
maneira geral, antecipando e influenciando as declarações de direitos da
Revolução Americana e da Revolução Francesa do final do século XVIII.
Consequências da Revolução Gloriosa
A Revolução Gloriosa acabou definitivamente com o absolutismo nos Três
Reinos e eliminou a última oportunidade de restauração do catolicismo na
Inglaterra e na Escócia. O novo regime que ela criou – a monarquia limitada
pelo Parlamento – representou o triunfo da tradição constitucionalista inglesa
iniciada na Idade Média. Por ter desconhecido a guerra civil e o nível de
violência que caracterizaram a Revolução Puritana, a Revolução Gloriosa foi
muito menos radical do que aquela. Na verdade, a Revolução Gloriosa conseguiu
realizar o que o Parlamento havia tentado fazer em 1640 com Carlos I (acabar
com o absolutismo mas preservar a monarquia) e fracassara. Nesse sentido, os
acontecimentos de 1688-1689 foram mais uma revolução política do que uma
revolução social, quer dizer, eles transformaram a organização do Estado (o
poder do monarca e do Parlamento e as relações entre ambos) mas não alteraram a
sociedade – as elites tradicionais (nobreza, gentry, burguesia urbana) continuaram controlando as riquezas e o
Parlamento, consolidando-se no poder em um regime que assumiu feições
oligárquicas.
Criação da monarquia
constitucional aristocrático-burguesa. A monarquia que emergiu em
1689 ficou com o poder limitado pela lei e pelo Parlamento, transformado na
principal instituição política do país. O regime constitucional nascido na
revolução serviu de inspiração para o desenvolvimento do liberalismo político,
sobretudo com a obra de John Locke (1632-1704) que, no livro Dois
Tratados Sobre o Governo (1689), defendeu a existência de direitos naturais
(vida, propriedade, liberdade) que deveriam ser assegurados por um Estado de
contrato social (criado pelos homens), dividido em um poder executivo e um
poder legislativo. Além disso, a revolução e o novo regime foram justificados
por Locke com o argumento do direito de rebelião contra um governo opressor – um
governo que agia ilegalmente e ameaçava os direitos dos indivíduos. Em uma
situação de opressão governamental, o povo tinha o direito de derrubar o
governante e colocar outro em seu lugar. O poder executivo na
monarquia constitucional britânica inicialmente continuou encabeçado pelo rei.
A partir do reinado de Jorge I (1714-1727),
monarca de origem alemã, o governo passou a ser chefiado, de fato, por um primeiro-ministro
dependente do apoio do partido majoritário no Parlamento, mesmo sendo
oficialmente apontado pelo rei (o primeiro primeiro-ministro foi Robert Walpole,
em 1721-1742). Assim, a monarquia constitucional governada pelo rei evoluiu
para uma monarquia parlamentar onde o rei, como chefe de Estado, "reina,
mas não governa”, e o governo é exercido por um primeiro-ministro subordinado
ao Parlamento. Como o voto era censitário até o século XIX, o Parlamento continuou
dominado por uma oligarquia endinheirada, constituída por nobres e burgueses, e
suas leis favoreciam os interesses dos grupos capitalistas agrários e urbanos,
caracterizando o regime inglês como um “Estado
burguês”. Entre as medidas que
beneficiaram o desenvolvimento do capitalismo inglês, destacam-se: (I) as Leis
dos Cercamentos ou Enclosures,
determinando que as terras de uso comum, segundo as tradições medievais, seriam
transformadas em propriedade privada (cercadas) dos fazendeiros com recursos
econômicos para investir na produção agrícola (trigo) e pecuária (ovelhas),
visando a modernização do campo e o aumento da produtividade rural. Essa medida
beneficiou a gentry e a nobreza
tradicional, favorecendo a expansão do capitalismo no campo, mas prejudicou os
camponeses (a modernização dispensou mão de obra e dificultou o acesso à
terra), inclusive os yeomen
(arruinados com a concorrência das grandes propriedades capitalistas). Além
disso, os cercamentos, provocaram o crescimento do êxodo rural, favorecendo a
formação do proletariado urbano; (II) estabelecimento do Banco da Inglaterra
(1694), fundamental para financiar as despesas do Estado inglês nas guerras do
século XVIII, emitindo títulos públicos.
Envolvimento
da Grã-Bretanha nas guerras contra a França. O principal motivo de Guilherme de Orange ter aceitado
a Coroa inglesa foi poder usar os recursos militares da Inglaterra contra Luis
XIV da França. Portanto, uma das consequências da Revolução Gloriosa foi o
envolvimento da Inglaterra na guerra contra o monarca francês. De fato, a partir do reinado de Guilherme III
(1689-1702), a França passou a ser vista como a maior rival da Inglaterra na
Europa e nas disputas coloniais, especialmente na América. Em fevereiro de
1689, os Países Baixos, sob o governo de Guilherme, entraram na Guerra da Liga de Augsburgo, também
conhecida como Guerra da Grande Aliança
ou Guerra dos Nove Anos (1688-1697), conflito
entre a França e a Liga de Augsburgo. Enquanto Guilherme consolidava seu poder
na Inglaterra e na Escócia, ainda neutras na guerra europeia, Jaime II invadiu a
Irlanda com auxílio dos franceses e apoio maciço dos irlandeses católicos. Em
maio, Guilherme III convenceu o Parlamento a aprovar a entrada da Inglaterra na
Guerra da Liga de Augsburgo e, em dezembro, formou a Grande Aliança com os
países da coligação antifrancesa (entre eles a Espanha e diversos Estados
alemães, além dos Países Baixos). Um dos episódios desse conflito foi a Guerra Irlandesa (1689-1692), a pelo
controle da Irlanda entre as forças protestantes de Guilherme III e os católicos ou
"jacobitas" partidários de Jaime II, auxiliados pelos franceses. Na
América, o conflito anglo-francês ficou conhecido como Guerra do Rei Guilherme
e caracterizou-se pela luta por territórios coloniais. A guerra foi encerrada
com o Tratado de Ryswick (outubro, 1697), pelo qual Luis XIV reconheceu o
direito de Guilherme III aos tronos dos Três Reinos, os Países Baixos receberam
concessões comerciais e a França e os
membros da Grande Aliança desistiram da maior parte das suas conquistas
territoriais. Contudo, por mais de um século até o final das Guerras
Napoleônicas em 1815, Inglaterra e França continuariam se enfrentando na Europa
e na América em outras guerras, o que levou alguns historiadores a chamarem o
conjunto desses conflitos (nove no total) de a "Nova Guerra dos Cem
Anos" (1689-1815).
Ascensão da Grã-Bretanha como a maior potência
capitalista mundial. O “Estado burguês” criado pela revolução favoreceu o
desenvolvimento capitalista da Inglaterra, que rapidamente superou os Países
Baixos como o maior centro financeiro, comercial e naval do mundo. No reinado
da rainha Ana (1702-1714), outro impulso para o fortalecimento do país
ocorreu quando, pelo Ato da União (1707), Inglaterra e Escócia uniram-se
pacificamente constituindo um único reino, com monarquia, Parlamento, moeda,
forças armadas e política externa comuns – o Reino Unido da Grã-Bretanha,
dominando também a Irlanda. No transcorrer do século XVIII, alicerçada em
amplos recursos financeiros e em uma poderosa marinha, além de obter várias
vitórias nas guerras contra a França, a Grã-Bretanha projetou-se também como
uma grande potência colonial.
3.3 A América colonial inglesa
nos séculos XVII e XVIII
a) Aspectos gerais
A negligência colonial
A
colonização das Treze Colônias e das Índias Ocidentais foi, inicialmente,
responsabilidade de indivíduos, empresas privadas ou companhias de comércio
autorizadas pela Coroa, de quem recebiam uma série de privilégios e direitos
exclusivos (monopólios). Assim, no século XVII, surgiram dois tipos de
colônias, do ponto de vista governamental: as colônias reais (da Coroa) e as colônias
de proprietários (privadas), estas inicialmente mais comuns. No século XVIII, porém,
o governo britânico assumiu o controle das colônias, que passaram a ser parte
de um sistema colonial mais formal. O império colonial britânico no Novo Mundo,
entretanto, por mais que tenha se inspirado no mercantilismo, possuía algumas
particularidades que o distinguiam radicalmente do colonialismo ibérico. O
império britânico era territorialmente menor do que o império espanhol ou
português, mas era também muito mais descentralizado, composto por colônias
administrativamente (mas não economicamente) separadas uma das outras. Além
disso, e principalmente, apesar de subordinadas oficialmente à Coroa ou, mais
precisamente, aos governadores que a representavam na América, as colônias
britânicas possuíam assembleias
coloniais com uma considerável autonomia para tratar dos assuntos locais.
Os impostos eram relativamente baixos e o comércio externo, na prática, menos
controlado do que o das colônias ibéricas, embora não fosse de forma alguma
livre de restrições metropolitanas. Essa situação de controle mercantilista
mais relaxado da Grã-Bretanha sobre suas colônias foi chamada de “negligência colonial britânica”.
O trabalho compulsório
Como nos outros
impérios coloniais dos séculos XVII e XVIII, a “lógica” do colonialismo britânico,
em uma época pré-industrial, mas com uma economia que objetivava o lucro por
meio do comércio, era empregar uma mão de obra barata e não remunerada para
reduzir o máximo possível os custos de produção. O resultado foi a utilização
das duas formas tradicionais de trabalho compulsório: a escravidão, principalmente, e uma modalidade de servidão, a “servidão de contrato” (indentured servitude).
A escravidão. Em um primeiro momento, os colonos na
parte sul das Treze Colônias e no Caribe chegaram a utilizar escravos nativos
em pequena escala, mas a mortandade e fuga de índios levaram à preferência por
escravos de origem africana, utilizados com sucesso nas colônias ibéricas. A
maioria dos escravos negros do império britânico (75%) foi obtida por
traficantes europeus e americanos na costa ocidental da África, entre o Senegal
e o Congo. Em geral, esses escravos eram pessoas capturadas no interior pelos
reinos e chefias do litoral africano, que as trocavam com os traficantes por
produtos europeus ou coloniais (armas, rum). A demanda colonial por escravos
enriqueceu não apenas os traficantes da Europa e da América, mas também os
monarcas, chefes tribais e mercadores africanos, estimulando-os a escravizar
outros negros, o que intensificou as guerras locais entre tribos e etnias
rivais. Em um processo que havia sido iniciado pelos portugueses, o
colonialismo britânico acelerou o desenvolvimento do comércio atlântico,
integrando Europa, América e África em uma rede de interdependência econômica
que, se trouxe aspectos positivos (como trocas culturais e de produtos
materiais entre povos diferentes), teve também efeitos calamitosos sobre
diversas sociedades (como a expansão do escravismo). De fato, o tráfico
negreiro foi fundamental para a reprodução do escravismo colonial, tendo em
vista a mortalidade elevada entre os escravos devido aos maus tratos, má
alimentação e a o trabalho excessivo. No caso britânico, essa grande mortandade
foi mais típica das Índias Ocidentais, onde, em 1770, viviam cerca de 430 mil
negros de um total importado de mais de 1,5 milhões nos séculos XVII-XVIII. Nas
Treze Colônias, os escravos aparentemente estavam submetidos a condições menos
rigorosas e sua natalidade superou a mortalidade (tornando aquelas colônias
menos dependentes do tráfico): em 1780, existiam nas Treze Colônias mais de 570
mil escravos e cerca de 250 mil haviam sido importados em quase 200 anos. Na
verdade, durante a própria viagem transatlântica, muitos escravos morriam nos
porões abarrotados de pessoas em péssimas condições de higiene. No século XVII,
20% morriam na viagem e, no século XVIII, 10%. Nas colônias, os escravos eram
utilizados, sobretudo, no sistema de plantations
de açúcar (Índias Ocidentais) e de tabaco e algodão (sul das Treze
Colônias). Mas os médios e pequenos proprietários coloniais nas áreas de
exploração também utilizaram bastante a mão de obra escrava em razão do seu
preço relativamente baixo e acessível.
A servidão de contrato. Essa modalidade de
servidão foi aplicada sobre imigrantes europeus pobres ou sentenciados, sendo
bastante utilizada no Caribe e nas Treze Colônias até ser substituída, como
principal trabalho compulsório, pela escravidão. Na servidão de contrato, o
imigrante pobre, sem recursos para viajar ou se estabelecer na América, tinha
sua viagem paga por um comerciante ou um colono com o qual ficava endividado,
pagando sua dívida trabalhando para o seu credor durante alguns anos (em geral
de 4 a 7
anos). Depois disso, ele recuperava sua liberdade. Em muitos casos, o servo
recebia também um pedaço de terra ao término do contrato. Calcula-se que mais
de 75% dos imigrantes brancos para as Treze Colônias e o Caribe tenha sido de
“servos de contrato”. No século XVII, a maioria era de origem inglesa, e no
XVIII, a maior parte era irlandesa e alemã. Muitos, entretanto, não foram para
as colônias como servos que aceitavam voluntariamente o contrato: foram
submetidos, à força, pelas autoridades ou pelos comerciantes envolvidos nesse
negócio. Foi o caso de condenados, mendigos e órfãos. Além disso, não era
incomum os servos serem tratados como escravos, sofrendo humilhações e abusos.
A viagem transatlântica também não era muito diferente do tráfico negreiro, com
péssimas condições de alojamento, alimentação e higiene, que matavam em média
4% dos passageiros. Por fim, a maioria esmagadora dos servos (talvez 80%),
depois de libertada não conseguia ser bem-sucedida e enriquecer, ascender para
a elite colonial, se tornar um pequeno proprietário rural próspero, comerciante
ou artesão, sobretudo no Caribe e no sul das Treze Colônias. A grande massa
desses servos tornava-se parte dos “pobres brancos”, ainda que, possivelmente,
em condições de vida um pouco melhores do que as da metrópole.
Aspectos ideológicos
O calvinismo
(em suas várias modalidades e igrejas, como a puritana, presbiteriana e
anglicana) predominava nas Treze Colônias, formando uma cultura que valorizava
o esforço pessoal, o trabalho e o espírito de poupança, além de reconhecer a
legitimidade do lucro e a busca do sucesso. Os valores calvinistas, aliados à
prosperidade das Treze Colônias, criaram entre os colonos a ideia de que eles
constituíam um povo eleito ou escolhido por Deus para a salvação, e que seu
território era uma espécie de “Terra Prometida”, uma “Nova Jerusalém” –
sentimentos que contribuíram pra o desenvolvimento de um rudimentar espírito de
nacionalidade americana.
Ao mesmo
tempo, havia nas colônias uma forte influência das ideias políticas
britânicas liberais (crença nos direitos individuais, na liberdade, na
teoria do contrato social, em governos representativos eleitos, no
constitucionalismo etc), reforçadas pelas experiências desenvolvidas nas assembleias
coloniais e pela estrutura parlamentarista da metrópole. Dessa herança
intelectual britânica destacaram-se os princípios de John Locke,
particularmente sua crença no direito do povo se rebelar contra a tirania ou
contra as medidas ilegais de um governo – o pensamento que legitimou a Revolução Inglesa do século XVII.
Igualmente importante foi a presença das tradições políticas britânicas mais
radicais, de conteúdo republicano e popular, que remontavam à época da
Revolução Inglesa (como o pensamento dos levellers). Essas ideias foram
propagadas a partir da década de 1720 por escritores britânicos como John
Trenchard, Thomas Gordon, Robert Viscount Molesworth e James Burgh, que
apontavam os desvios e a corrupção das tradições constitucionais da Grã-Bretanha
em razão das ações dos ministros e da própria monarquia, ameaçando a liberdade
e os direitos individuais. Com pouca aceitação na metrópole, esse pensamento
adquiriu grande popularidade nas Treze Colônias e forneceu, posteriormente, os
argumentos para os colonos enfrentarem o governo britânico. Foi nesse ambiente
de efervescência intelectual que se desenvolveu o Iluminismo americano,
representado, entre outros, por Benjamin Franklin (1706-1790), John
Adams (1735-1826) e Thomas Jefferson (1743-1826). Em 1750-1775, as ideias
iluministas de liberdade, racionalismo, progresso e busca da felicidade
espalharam-se nas camadas mais letradas da sociedade colonial, sobretudo entre
as elites, reforçando o movimento de oposição ao colonialismo britânico.
b) As Treze Colônias em 1750
Em meados do
século XVIII, as Treze Colônias haviam se transformado em uma das regiões mais
prósperas do Ocidente, com uma economia diversificada, um povo empreendedor e
letrado (o analfabetismo era maior na metrópole do que nas colônias) e uma
estrutura política com um considerável grau de liberdade entre uma parte dos
colonos, favorecendo a livre-iniciativa individual. De fato, essa liberdade
precisa ser considerada em termos relativos, tendo em vista o uso generalizado
do trabalho compulsório (servidão de contrato e escravidão) nas colônias. Sua
população cresceu de 200 mil habitantes, em 1700, para 1,2 milhões, em 1750,
dos quais 240 mil negros (20%) – a maioria escravos – em uma área de 600 mil km2
(na mesma época a Grã-Bretanha possuía 7 milhões de habitantes em um
território de 240 mil km2). As Treze Colônias era a região
potencialmente mais rica e promissora do império britânico em 1770, mas em
termos de valor da exportação para a Grã-Bretanha elas eram superadas pelas
Índias Ocidentais. Em 1768-1772, enquanto que as Treze Colônias exportaram
aproximadamente 1.450.000 de libras para a metrópole (tabaco, arroz, índigo,
peles e peixe), as Índias Ocidentais exportaram cerca de 3.400.000 de libras
(açúcar e rum). Por outro lado, as Treze Colônias eram mais importantes como
mercado consumidor dos produtos britânicos.
A divisão das Treze Colônias
As Treze
Colônias ficaram divididas em três agrupamentos regionais: as colônias do norte ou Nova Inglaterra (New Hampshire,
Massachusetts, Rhode Island e Connecticut), que costumam ser consideradas
“colônias de povoamento”; as colônias do
sul (Maryland, Virginia, Carolina do Norte, Carolina do Sul e Geórgia),
consideradas “colônias de exploração”; e as colônias do meio ou do
centro (Nova York, Nova Jersey, Pensilvânia e Delaware), que combinaram
características de “povoamento” e de “exploração”.
Nas regiões norte (a Nova Inglaterra) e central. Colônias de povoamento, com 650
mil habitantes (a maioria brancos) em 1750, onde predominava o trabalho livre,
com uma grande quantidade de pequenos proprietários rurais abastados – os “yeomen”
americanos, caracterizando uma sociedade camponesa relativamente rica. A região
também se destacou pelas atividades madeireiras, pesqueiras e pela construção
naval, gerando um formidável desenvolvimento urbano e comercial, com as três
maiores cidades da América britânica – Filadélfia, Nova York e Boston. O
resultado foi a formação do mercado interno mais avançado do império colonial
britânico, estimulando o desenvolvimento de diversas atividades industriais
(artesanato e manufatura) e de serviços. A expansão urbana e comercial, por sua
vez, possibilitou a formação de uma importante burguesia colonial. Os
mercadores da região dedicaram-se a um comércio
triangular ligando as Treze Colônias, as Índias Ocidentais e a África:
exportavam cereais, peixe e carne para o Caribe em troca de rum, açúcar e
melaço, revendendo parte dos seus produtos e dos caribenhos na África, onde
eram trocados por escravos que eram enviados para a América. Para a metrópole,
as colônias do norte e do centro exportavam principalmente peixe, potassa,
cereais, ferro e madeira. Mas a maior parte das exportações da região era para
outros países europeus e para as Índias Ocidentais. Em 1768-1772, o valor das
exportações para a Grã-Bretanha e Irlanda foi de 200.000 libras
(menos de 20% do total das exportações), para o resto da Europa 250.000 libras e
para as Índias Ocidentais 500.000 libras.
Na região sul. As colônias de exploração, com 550 mil habitantes (entre eles
mais de 180 mil negros) em 1750, onde predominava o trabalho escravo,
utilizado, sobretudo, no sistema agrário de plantations de algodão e tabaco. As
elites coloniais locais constituíam uma espécie de aristocracia rural de
grandes proprietários de terras. A região sul tinha um mercado interno menos
desenvolvido do que as partes norte e centro, mas exportava mais para a
metrópole: em 1768-1772, o valor das exportações de tabaco, arroz, índigo,
peles e cereais, entre outros, foi de 1.250.000 libras.
Além disso, o mercado externo da região
sul era bem menos diversificado do que o dos produtos da Nova
Inglaterra/colônias centrais: a metrópole sozinha recebia quase 80% das
exportações sulistas.
Os conflitos com os franceses
Em 1750, as principais colônias da França na
América eram a Nova França (a região do Quebec, no leste do Canadá), a Louisiana
(a região do Mississipi, com centro em Nova Orleans, no sul dos EUA) e Saint Domingue
(o Haiti, no Caribe). Na primeira metade do século XVIII, os colonos franceses,
especialmente os da Nova França, e os anglo-americanos das Treze Colônias
passaram a disputar a região do vale do Ohio – os territórios a leste do
Mississipi, a oeste dos Montes Apalaches (a fronteira ocidental das Treze
Colônias) e ao sul dos Grandes Lagos. O quadro se tornou mais complexo em
função do envolvimento de tribos indígenas rivais que firmaram alianças com os
colonizadores europeus (os iroqueses com os britânicos e os huron
com os franceses). As guerras entre a Grã-Bretanha e a França na Europa, por
sua vez, acabaram estendendo-se à América e envolveram os colonos em uma série
de conflitos: a Guerra do Rei Guilherme (na Europa, Guerra dos Nove Anos
ou da Liga de Augburgo 1689-1697), a Guerra da Rainha Anne (ou Guerra da
Sucessão Espanhola 1702-1713) e a Guerra do rei George (ou Guerra da
Sucessão Austríaca 1744-1748). O último desses conflitos coloniais
anglo-franceses na América – a Guerra
dos Sete Anos – foi o mais decisivo.
A Guerra dos Sete Anos (1756-1763). A Guerra dos Sete
Anos foi um conflito militar que envolveu todas as grandes potências européias
com desdobramentos que foram fundamentais para a crise do Antigo Regime e do
antigo sistema colonial no Ocidente. A guerra teve um palco europeu e outro
colonial, sobretudo na América e Índia. Na Europa, a Grã-Bretanha e a Prússia
enfrentaram a França, a Áustria, a Espanha, a Rússia, a Suécia e a Saxônia. Nas
áreas coloniais, ela foi basicamente um confronto entre britânicos e franceses.
A guerra começou mais cedo na América do Norte, causada pelas disputas pelo
território do Ohio e ficou conhecida nas Treze Colônias como Guerra Francesa
e Indígena (1754-1763). A guerra mobilizou os colonos anglo-americanos, que
adquiriram experiência militar e de cooperação intercolonial, embora pouco
contribuíssem para custeá-la. O conflito terminou com a vitória da
Grã-Bretanha, reconhecida na Paz de Paris (1763) que resultou na reorganização
dos impérios coloniais na América em benefício dos britânicos:
■ A Grã-Bretanha tomou da França o
Quebec (transformando o Canadá em colônia britânica) e algumas ilhas no Caribe
(como Granada e Dominica) e anexou o território a leste do Mississipi, com a
região de Ohio.
■ A Grã-Bretanha também adquiriu
da Espanha a Flórida.
■ Como compensação pela perda da
Flórida, a Espanha recebeu da França o território da Louisiana.
■ Os franceses continuaram
controlando Saint Domingue e outras possessões no Caribe (como Martinica e
Guadalupe), mas, salvo duas pequenas ilhas na costa do Canadá (St Pierre e
Miquelon), eles foram expulsos da América do Norte.
c) A crise do colonialismo
britânico
Problemas britânicos (1763-1764)
A
Grã-Bretanha alcançou uma vitória extraordinária na Guerra dos Sete Anos e
expandiu seu império colonial, não apenas tomando territórios franceses e
espanhóis na América, como também ampliando seus domínios na Índia em
detrimento da França. Contudo, a vitória britânica veio acompanhada de alguns
problemas:
■ A França era a maior ameaça à
segurança das Treze Colônias que, por isso, precisavam da proteção da
metrópole. Com a expulsão dos franceses da América do Norte, essa ameaça
desapareceu e a Grã-Bretanha perdeu importância para a segurança dos colonos.
■ A guerra teve um custo
financeiro muito elevado e, junto com os gastos necessários para a
administração de um império que ficou mais extenso, aumentou a dívida do
governo britânico para níveis alarmantes (ela duplicou, ultrapassando 130
milhões de libras).
■ Os territórios a leste do
Mississipi foram incorporados ao Império Britânico, mas as tribos indígenas
locais resistiram à ocupação branca da região, desencadeando a Revolta de
Pontiac (1763-1764) – um grande levante de várias tribos nativas, lideradas
por Pontiac, chefe dos ottawa. A revolta foi sufocada com dificuldade pelos
britânicos, que ficaram preocupados com a possibilidade de novos levantes
ocorrerem em um futuro próximo, no momento em que o governo buscava evitar
novas despesas e equilibrar as contas públicas.
A Nova Política Colonial (1763-1774)
Nos
primeiros anos do reinado de George III (1760-1820), a ampliação do
império colonial britânico, as necessidades financeiras decorrentes da Guerra
dos Sete Anos e os problemas com os índios no leste do Mississipi levaram a
Grã-Bretanha a adotar uma nova política colonial. Essa reorganização imperial
foi iniciada pelo governo do primeiro-ministro Grenville (1763-1765) e
continuou na administração de seus sucessores Rockingham (1765-1766), Pitt,
o Velho (1766-1767), Grafton (1767-1770) e Lord North
(1770-1782). Suas diretrizes gerais foram:
A Proclamação de 1763. Proibiu a colonização dos territórios
anexados a oeste dos Apalaches (Ohio), para evitar conflitos com os índios e
controlar a cessão de terras. Essa medida resultou em um conflito entre os
colonos e a metrópole, com os americanos considerando que o governo britânico
os privava dos benefícios de uma vitória que haviam ajudado a alcançar.
Intensificação do controle político e da exploração econômica das
Treze Colônias. A intenção era integrá-las efetivamente ao sistema colonial
mercantilista, cobrir os gastos da guerra e custear a manutenção de tropas
britânicas na América, necessárias, na ótica da metrópole, para a defesa das
colônias. Essa política caracterizou-se pelas tentativas de aumento dos
impostos, de adoção de um pacto-colonial mais rigoroso, do combate ao
contrabando e de redução da autonomia das assembleias coloniais.
Adotada em uma época de dificuldades
econômicas nas colônias, sobre uma população acostumada com uma situação de
semi-autonomia dentro do Império Britânico, zelosa de seus direitos e
liberdades (ou do que acreditava serem seus direitos e liberdades) e sequiosa
por novas terras, a Nova Política Colonial desagradou os colonos e precipitou
uma crise política nas relações entre a metrópole e as Treze Colônias – crise
que evoluiu para uma rebelião generalizada contra o governo britânico e se
transformou em revolução.
A questão dos impostos e a reação dos colonos
Até 1763, os
colonos anglo-americanos pagavam impostos suaves, mais baixos do que os cobrados
na metrópole. Em sua visão, como eles não tinham representantes no Parlamento
britânico, consideravam que somente as assembleias coloniais possuíam
competência para aumentar ou estabelecer novos tributos. Para muitos colonos,
portanto, a nova política fiscal do governo britânico (elevação das taxas
alfandegárias e aplicação de novas tarifas), ainda que decidida pelo
Parlamento, era ilegal e arbitrária. Sua imposição, pensavam, tornavam a
monarquia de George III e seu ministério “tirânicos” e implicavam na
“escravização” dos seus súditos na América. Instigados pelos grupos radicais e
reivindicando a aplicação dos direitos constitucionais britânicos, os colonos
reagiram com uma surpreendente determinação contra essas medidas.
Sugestão de leituras. Existem poucos livros em português
especializados na história da Grã-Bretanha e do seu império colonial nos
séculos XVII-XVIII. Um dos poucos sobre a Inglaterra na época dos Stuarts e da
Revolução Inglesa é O Século das
Revoluções 1603-1714, de Christopher
Hill (São Paulo: UNESP, 2012). Em inglês, veja o Early Modern England 1485-1714 – A Narrative
History, de Robert Bucholz e Newton Key (Chichester:
Wiley-Blackwell, 2009), A Monarchy
Transformed: Britain 1603-1714, de Mark
Kishlansky (Nova York: Penguin, 1997) e o excelente dicionário histórico The Stuart Age 1603-1714, de John Wroughton (Londres: Longman,
1997). Sobre a América colonial
inglesa, o melhor livro em português ainda é Uma Reavaliação da História dos Estados Unidos, de Charles Sellers, Henry May e Neil R. McMillen (Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editores, 1990). A escravidão na América colonial, de uma forma
geral, e na América inglesa, de forma particular, é analisada magistralmente em
A Construção do Escravismo no Novo Mundo,
de Robin Blackburn (Rio de Janeiro:
Record, 2003). Em inglês, veja The British in the Americas 1480-1815, de Anthony McFarlane (Londres: Longman, 1994) e American Colonies: The Settling of North America, de Alan Taylor (Nova York: Penguin, 2002).