domingo, 16 de fevereiro de 2014

44 - O Ocidente em 1600-1750 (Parte 1)

UNIDADE 1 - O Ocidente em 1600-1750

1. Introdução: Ocidente ou civilização ocidental

Países da Europa e de forte povoamento europeu (América, Austrália, Nova Zelândia) que compartilham uma cultura geral comum baseada no ou nas:

cristianismo: religião, moralidade, família

tradições clássicas greco-romanas: filosofia/racionalismo, direito, cidadania, republicanismo

tradições germânicas: poder do rei/governo limitado pela lei e por uma assembleia representativa (parlamento). Originou o moderno constitucionalismo (constituição/leis seculares acima do governo, coexistindo com um poder legislativo/assembleia eleita)

Cada país do Ocidente possui uma cultura particular única, base da sua identidade nacional (a cultura francesa, a cultura britânica, a cultura americana, a cultura portuguesa, a cultura brasileira), além de culturas regionais ou locais dentro do seu território (a cultura gaúcha, a cultura baiana). Mas os países da Europa, da América e da Oceania têm uma afinidade cultural, independente de suas culturas nacionais, porque compartilham valores e costumes comuns de origem europeia, o que os torna parte de uma espécie de "clube cultural", que chamamos de civilização – a civilização ocidental ou Ocidente.

Essa afinidade cultural não significa unidade política ou econômica e não implica, necessariamente, em cooperação ou alianças. Ao contrário, a história das relações entre os países do Ocidente foi marcada por rivalidades e guerras. O mesmo ocorreu em outras civilizações, como na civilização islâmica ou Islã (vários países com línguas diferentes compartilhando uma cultura geral comum, no caso derivada do islamismo, com um histórico de conflitos e guerras entre si).

O Ocidente é formado por diversos países com força econômica e militar desigual, de forma que alguns Estados são mais poderosos do que outros – as chamadas grandes potências. O núcleo do Ocidente, quer dizer, o conjunto de grandes potências ou a grande potência que se destaca como o centro do poder econômico-militar e de influência política e cultural sobre as demais, variou durante a história. Esses núcleos foram, em 1000-1914, a Europa (mais precisamente as grandes potências europeias) e, a partir de 1914, os EUA.

Cabe lembrar que o Ocidente é a civilização mais poderosa do mundo em termos econômicos, tecnológicos e militares, mas nem sempre foi assim. Até o século XVII, havia um equilíbrio global de poder entre o Ocidente e outras civilizações, como a islâmica e a chinesa. As grandes potências europeias tinham conquistado ou estavam conquistando a América nos séculos XVI-XVII (as populações nativas ameríndias não possuíam os superiores recursos tecnológicos e militares dos europeus, nem defesas biológicas contra os microrganismos trazidos pelos conquistadores) e tinham adquirido alguns pequenos territórios e cidades litorâneas na África e Ásia. Mas o Ocidente ainda não tinha desenvolvido os meios para submeter a maioria dos africanos e asiáticos ao seu poder. A China e o mundo islâmico, por exemplo, possuíam Estados, recursos econômicos, tecnologia e exércitos capazes de enfrentar as forças ocidentais, o que limitou o imperialismo europeu no Velho Mundo. Na verdade, o império turco otomano (a principal potência muçulmana) estava em expansão na Europa Oriental no século XVII e ameaçava conquistar territórios ocidentais. Contudo, essa situação de relativa balança do poder entre as civilizações começou a ser alterada no século XVIII com o desenvolvimento mais acelerado da ciência, de novas tecnologias e de novas formas de produção na Europa, em parte graças aos ganhos econômicos com a exploração colonial da América, que culminou com a eclosão da Revolução Industrial na Grã-Bretanha por volta de 1780. Esse processo de transformação radical das sociedades europeias, especialmente a partir da segunda metade do século XVIII, ficou conhecido como modernização capitalista – um processo simultaneamente econômico, político e cultural caracterizado pela industrialização, intensa urbanização, secularização (declínio relativo da religião no conhecimento e na política), maior mobilidade social e criação de Estados modernos (regimes constitucionais vistos como representativos da nação/povo), acompanhado do desenvolvimento do capitalismo (economia de mercado, direito ao lucro individual e de propriedade privada do capital, elite capitalista ou burguesa, trabalho livre e assalariado). Em  1750-1850, enquanto parte do Ocidente modernizava-se rapidamente, as demais civilizações do Velho Mundo continuavam baseadas em sociedades tradicionais (economias agrárias ou pré-industriais, forte religiosidade, baixa mobilidade social, regimes despóticos) e pré-capitalistas, o que as deixou defasadas em relação ao poder europeu. O resultado foi que, a partir do século XVIII, o Ocidente ascendeu à posição de civilização mais poderosa do mundo e começou a dominar direta ou indiretamente imensos territórios na Ásia e na África. No século XIX, o imperialismo europeu avançou ainda mais e atingiu seu auge em 1914 (nessa época, o Japão era a única potência não ocidental que havia conseguido se modernizar). As duas guerras mundiais de 1914-1945 enfraqueceram a Europa e resultaram na descolonização afro-asiática, mas a liderança econômica e militar dos EUA (o novo núcleo ocidental) e a recuperação europeia pós-1945 asseguraram que o Ocidente continuasse na posição de civilização mais poderosa do mundo,  apesar das outras civilizações, especialmente as da Ásia, terem também se modernizado.

Sugestão de leitura. A obra fundamental sobre o conceito de Ocidente e da relação da civilização ocidental com as outras civilizações é o livro O Choque de Civilizações e a Recomposição da Ordem Mundial, de Samuel P. Huntington (Editora Objetiva, 1997). Cabe observar que para Huntington, a Rússia e América Latina não são parte do Ocidente e sim duas outras civilizações separadas.

2. A Europa em 1600-1750

A Europa era o núcleo do Ocidente nos séculos XVII-XVIII, mas era um núcleo fragmentado, sem unidade política, dividido em diversos Estados rivais com poder diferenciado (alguns mais fortes do que outros). A ordem internacional europeia era, assim, multipolar – composta por várias potências, como a França, a Inglaterra, a Holanda, a Espanha, a Áustria, a Rússia, a Prússia, a Suécia, a Polônia e Portugal, entre outros centros de poder. Essas potências disputavam territórios na própria Europa e colônias ultramarinas, muitas vezes misturando interesses dinásticos, geopolíticos e econômicos com rivalidades religiosas como, por exemplo, entre católicos e protestantes.

2.1 O Antigo Regime

O termo Antigo Regime surgiu na França, no final do século XVIII, no contexto de expansão das ideias do Iluminismo (racionalismo, fé no progresso, liberdade) e da Revolução Francesa. Os defensores da revolução formularam o termo em um sentido negativo e crítico (o “antigo” como sinônimo de “atrasado”) para se referir à sociedade francesa pré-revolucionária, caracterizada pelo absolutismo monárquico, por uma ordem social que privilegiava a aristocracia e pela persistência da religiosidade e do poder da Igreja Católica – elementos que os revolucionários iluministas consideravam ultrapassados e que deveriam ser substituídos por um novo regime moderno, baseado na liberdade, igualdade e tolerância. Com o tempo, o termo Antigo Regime passou a se aplicado sobre as sociedades pré-modernas de uma forma geral, especialmente as sociedades tradicionais europeias dos séculos XVII-XIX, virando sinônimo de velha ordem ou ordem tradicional. As principais características do Antigo Regime foram o absolutismo, o regime senhorial, a sociedade de ordens e a intolerância religiosa.

Economia agrária

O Antigo Regime estava baseado em economias fundamentalmente agrárias e pré-industriais. A terra era a principal riqueza e a maioria da população vivia no meio rural, praticando diversas modalidades de agricultura, pecuária ou pastoreio. O setor mais importante era a agricultura mercantil (produção de gêneros agrícolas para o mercado) em razão do crescimento populacional e das cidades (aumento de consumidores urbanos, não produtores de alimentos) e do desenvolvimento do comércio. A indústria manufatureira (tecnologia pré-mecânica, trabalho manual em equipe), sobretudo de têxteis, avançava fora das cidades, onde a produção industrial era controlada e regulamentada pelas corporações de ofício artesanais.

O absolutismo

O absolutismo foi a característica mais famosa do Antigo Regime, a ponto de muitos estudiosos considerarem ambos equivalentes. A monarquia absolutista era um Estado centralizado com uma numerosa burocracia civil e forças armadas, governando sem os entraves das assembleias ou parlamentos medievais, que deixaram de ser convocados ou foram abolidos. Esses corpos representativos reuniram-se pela última vez durante a Idade Moderna na França em 1614, na Bélgica em 1632, no Reino de Nápoles em 1642, em Castela em 1665, em Portugal em 1697-1698 e em Aragão foram abolidos em 1707. Na Holanda, na Inglaterra e na Escócia os parlamentos nunca desapareceram, o que impediu o aparecimento de um efetivo absolutismo nesses países (ver adiante item 2.2). Como a maior parte da burocracia e dos cargos no governo absolutista ficou com a nobreza, muitos estudiosos consideram o absolutismo um “Estado feudal centralizado”.

O absolutismo era legitimado pela religião (o poder monárquico era visto como de origem divina), pela própria tradição feudal (o rei considerado o maior dos suseranos, árbitro supremo, mantenedor da ordem e garantidor dos direitos dos súditos) e pelo direito romano, redescoberto no final da Idade Média, que recuperou o ideal de soberania absoluta inspirada no Dominado do Baixo Império Romano.

Contudo, o absolutismo no Antigo Regime nunca foi total, principalmente na Europa Ocidental, e ele precisa ser compreendido de forma relativa. A monarquia era absolutista se comparada às realezas descentralizadas medievais, mas o rei não tinha poder ilimitado sobre os seus súditos ou sobre suas propriedades, como acontecia nos despotismos orientais dos Estados islâmicos (Império Turco Otomano, Pérsia dos Safávidas, Império Mughal na Índia). As assembleias ou corpos representativos deixaram de ser convocados, mas havia, ainda que em teoria, a possibilidade deles serem restaurados. Ainda assim, no caso dos países europeus que adotaram o absolutismo, a evolução política implicou na superação tanto da tradicional descentralização feudal como do constitucionalismo medieval. O apogeu do Estado absolutista na Europa Ocidental foi nos séculos XVII-XVIII. Seu símbolo foi a monarquia francesa do “Rei Sol” Luís XIV (1638-1715), famoso pelas frases: “O Estado sou eu” e “É legal porque assim desejo.”

A persistência do regime senhorial

Apesar do declínio do feudalismo nos séculos XVII-XVIII, o sistema senhorial continuou predominando no Antigo Regime, o que assegurou à aristocracia feudal se manter como classe dominante, com vários privilégios (isenção de impostos; monopólio de alguns cargos, sobretudo os militares; justiça e tribunais especiais). A maioria da população era camponesa e trabalhava para a aristocracia como servos (mais na Europa Oriental) ou trabalhadores livres dependentes (mais na Europa Ocidental). Por outro lado, parte da burguesia conseguiu obter alguns cargos, títulos nobiliárquicos e honrarias, vendidos pela Coroa, ávida por recursos financeiros. Isso acabou formando dois tipos de nobrezas no Antigo Regime: a nobreza de espada ou de armas (a aristocracia tradicional de origem medieval e guerreira) e a nobreza de toga (a nova aristocracia, formada pela burguesia enobrecida, geralmente ocupando cargos na burocracia civil).

Sociedade dividida em ordens

Como na Idade Média, oficialmente a sociedade do Antigo Regime estava organizada de forma estamental ou corporativa, quer dizer, dividida em grupos hierarquizados de acordo com suas funções, em geral transmitidas pelo nascimento. A estratificação desses grupos – conhecidos como estamentos, estados ou ordens  – inspirava-se no antigo conceito de scala naturae (escala natural ou cadeia dos seres), uma estrutura hierárquica imutável supostamente criada por Deus como parte de um plano divino para dar ordem ao universo, reforçada por antigas tradições medievais. A função de cada estamento implicava em determinados direitos, privilégios e honras ou na ausência deles. As ordens superiores, constituídas pela nobreza e clero, possuíam funções mais respeitáveis (atividades guerreiras e religiosas) e eram mais privilegiadas. Por serem grupos fechados, entre as ordens superiores e as ordens inferiores (povo, principalmente camponeses) havia pouca mobilidade social. A imagem era de um corpo social composto por partes interdependentes e desiguais, mas com obrigações recíprocas em uma relação orgânica (como se a sociedade fosse um organismo) que beneficiava a todos e assegurava a estabilidade. Fundamental nessa concepção de sociedade era a ideia de permanência e de aceitação pelos indivíduos do seu papel na estrutura geral. Dessa forma, a ideologia da sociedade de ordens era utilizada para justificar a desigualdade e o poder da aristocracia. A configuração das ordens variava dependendo da sociedade. A da França foi a mais famosa, com a sua divisão em Primeiro Estado (clero/Igreja), Segundo Estado (nobreza) e Terceiro Estado (povo, incluindo a burguesia).

No entanto, havia uma forte tensão entre essa estrutura oficial conservadora e a realidade de uma sociedade em processo de transformação por causa do avanço do comércio, da riqueza monetária e do capital. De fato, a imobilidade não era absoluta. O critério de descendência na transmissão dos direitos e privilégios não podia ser totalmente aplicado, já que a ordem do clero tinha que ser preenchida por membros das outras ordens. Por sua vez, ocasionalmente títulos nobiliárquicos podiam ser comprados por plebeus ricos. Mas as brechas na estrutura estamental apenas beneficiavam uma minoria. No quadro geral, a aristocracia e suas ordens permaneciam como um grupo em grande medida fechado e mais privilegiado.

Forte religiosidade

Por se tratar de uma sociedade tradicional e pré-moderna (no sentido de ser anterior a modernidade), o Antigo Regime caracterizou-se pela forte religiosidade. A religião não só servia para legitimar o absolutismo e a sociedade de ordens, como era a base para explicar o mundo natural. Apesar da crescente postura revisionista e crítica das interpretações religiosas por parte das elites intelectuais dos séculos XVII e XVIII, a maioria esmagadora da população continuou guiando os seus hábitos, comportamentos e moral pela religião. Com o absolutismo a Igreja ficou subordinada ao poder da monarquia e dependente do seu apoio e proteção, consagrando o velho princípio da cuis regio, eius religio (“De acordo com a sua região, sua religião”) – a fé dos súditos tem que ser a do soberano. A união Estado-Igreja no Antigo Regime implicou na manutenção de uma Igreja oficial (em alguns casos, como na Inglaterra, de uma Igreja nacional) e em uma grande intolerância religiosa. De fato, a monarquia e a Igreja tentavam impor uma forte censura política e religiosa, mas, nos séculos XVII e XVIII, a demanda pela liberdade de pensamento aumentou. Em alguns casos, como na Inglaterra, essa demanda partiu também de grupos religiosos dissidentes, com origem na Reforma Protestante, e contou com respaldo popular. Na maioria das vezes, contudo, a liberdade de pensamento foi resultado do crescimento da mentalidade racionalista e crítica entre as elites letradas, influenciadas pelos desdobramentos da Revolução Científica do século XVII (nascimento da ciência moderna, como a física e astronomia, contrariando dogmas religiosos) e, principalmente, pelo Iluminismo do século XVIII (defesa da Razão e da ciência, condenação da superstição). Nos países que ainda viviam sob o Antigo Regime no século XIX, a bandeira da liberdade de expressão foi assumida pelos defensores do liberalismo e do socialismo.

2.2 Os regimes constitucionais do século XVII: Holanda e Inglaterra

No século XVII, na Holanda e na Inglaterra, o absolutismo foi superado e substituído por regimes constitucionais oligárquicos – governos limitados pela lei (constituição) e por uma assembleia representativa das elites aristocráticas e burguesas. Nesses dois países, a forte presença da burguesia no poder político resultou a elaboração de leis favoráveis ao comércio, à propriedade privada, aos bancos e à navegação.

Na Holanda ou, mais precisamente, nos Países Baixos, esse regime assumiu a forma de uma república dominada pela burguesia, resultado da Revolução Holandesa ou Revolução Neerlandesa (1568-1648). No século XVII, em grande medida por causa das vantagens políticas e econômicas obtidas com essa revolução (legislação capitalista), a Holanda virou a maior potência comercial e marítima do Ocidente e assumiu a hegemonia no nascente capitalismo global.

Na Inglaterra e na Escócia (na época um reino separado da Inglaterra, com o seu próprio parlamento, mas sob o mesmo monarca), esse regime era uma monarquia parlamentar, onde a nobreza e a burguesia compartilhavam o poder político. O absolutismo inglês e escocês foi derrubado na Revolução Inglesa ou Revolução Britânica (1640-1689), sobretudo no seu episódio final, a Revolução Gloriosa (1688-1689). Em 1707, Inglaterra e Escócia foram unificadas e formaram o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda, chamado simplesmente de Grã-Bretanha. No século XVIII, a Grã-Bretanha substituiu a Holanda como maior potência comercial e marítima do Ocidente e assumiu a hegemonia do capitalismo global nos séculos XVIII e XIX.

2.3 O mercantilismo

Os Estados europeus dos séculos XVII-XVIII estavam erguidos sobre sociedades tradicionais agrárias em transição para a modernidade capitalista. A terra era o bem mais valorizado e procurado, mas o contexto de guerras endêmicas, de elevação das despesas militares, de crescente custo da máquina administrativa e de expansão do comércio fez da moeda, especialmente as de metais preciosos, outra riqueza imprescindível para a manutenção do Estado. A busca de recursos monetários, mais precisamente de ouro e prata, era uma das principais preocupações dos monarcas e seus ministros na Idade Moderna. O metalismo ou bulionismo (acumulação de metais preciosos) foi reforçado pela crença de que a riqueza do mundo era fixa e que havia um jogo de soma-zero nas relações econômicas entre os países – para um país ganhar o outro teria que perder. A lógica dessa ideia baseava-se no fato do tesouro do Estado ser identificado com a quantidade de ouro e a prata disponível, bens que não podiam ser criados ou reproduzidos, mas extraídos diretamente da natureza, onde tendiam a se esgotar. Esse pensamento desenvolveu-se associado a uma tradição pré-capitalista que remontava ao Império Romano de ter a economia regulamentada pelo governo. A combinação desses fatores resultou no mercantilismo, a política econômica intervencionista dos Estados europeus da Idade Moderna, fossem eles monarquias absolutistas, monarquias parlamentares ou repúblicas oligárquicas.

Apesar da diversidade do mercantilismo, algumas ideias e medidas foram comuns a todos os países europeus. A intervenção do Estado na economia foi um aspecto essencial e generalizado da política mercantilista. O dirigismo governamental foi mais um meio do que um objetivo em si, uma necessidade de sobrevivência em um mundo de competição entre Estados por riquezas limitadas. Com efeito, a tese da soma-zero do metalismo teve vários corolários, todos buscando meios de transferir a riqueza dos outros para o seu próprio país, onde ela poderia ser mais facilmente apropriada pelo Estado por meio da taxação da população. A busca do superávit na balança comercial foi uma das estratégias mais disseminadas. Uma medida nesse sentido era o protecionismo, estabelecido por meio da elevação das tarifas alfandegárias para reduzir as importações e, com isso, diminuir o envio de moeda para o exterior. Em alguns casos a estratégia comercial foi acompanhada de incentivos às manufaturas de exportação, principalmente de produtos de luxo. Outra prática mercantilista usual foi o estabelecimento de monopólios comerciais do Estado ou concedidos a grupos privilegiados de mercadores organizados em Companhias de Comércio com fortes ligações com o governo. A regulamentação das atividades econômicas foi outra norma, na verdade mais intensa nas cidades, onde a fiscalização era menos difícil, a circulação de moeda era maior e as tradições medievais de guildas e corporações de ofício (associações monopolistas de artesãos ou de comerciantes) foram preservadas.

Na Europa Atlântica (Portugal, Espanha, França, Inglaterra, Holanda), o mercantilismo esteve também associado ao colonialismo, mais precisamente ao que se convencionou chamar de “antigo sistema colonial”, voltado para o estabelecimento de colônias ultramarinas fornecedoras de metais preciosos e gêneros tropicais, como o açúcar. No colonialismo mercantilista as metrópoles europeias tentaram impor um rígido controle administrativo e comercial sobre seus impérios coloniais, especialmente na América, onde foram estabelecidos sistemas econômicos que produziam matérias-primas por meio do trabalho compulsório de índios nativos e negros trazidos da África. As práticas regulamentadoras também foram adotadas nas colônias, destacando-se o “pacto-colonial” ou “exclusivo comercial” – o monopólio que a metrópole possuía no comércio externo da colônia. Nos séculos XVII-XVIII, o antigo sistema colonial havia se transformado em um pilar econômico fundamental da Europa Atlântica, objeto de uma série de guerras pelo controle dos territórios ultramarinos e de suas riquezas.

O domínio colonial e suas limitações

Na prática, a dominação colonial é mantida pela combinação do uso da força bruta (violência) com a influência cultural (ideológica) da metrópole sobre a colônia. Historicamente, quando o poder militar de uma metrópole ficava enfraquecido ou reduzido por causa de guerras ou problemas econômicos, a sua capacidade de dominar a colônia diminuía e as chances da população colonial obter a independência aumentavam – obviamente, se essa população considerasse a independência uma necessidade. Por outro lado, não bastava apenas a força militar ou a repressão para garantir a dominação colonialista. Era fundamental que uma parte da população da colônia (geralmente as elites coloniais, descendente de conquistadores e de imigrantes da metrópole, ou mesmo de origem nas etnias nativas) aceitasse o colonialismo para que fosse garantido um mínimo de estabilidade e funcionamento do sistema colonial. De fato, o colonialismo podia ou pode ser aceito por vários motivos: interesses econômicos dos colonos na metrópole (comércio, empréstimos), reconhecimento da importância da metrópole para a segurança dos colonos (defesa contra revoltas de nativos ou de escravos, proteção contra invasores estrangeiros) e identificação cultural dos colonos com a metrópole. Outros fatores como o conformismo e a passividade da maior parte da população colonial também tiveram um grande peso na manutenção do colonialismo. De qualquer forma, quando os setores mais poderosos da sociedade colonial passaram a considerar que a metrópole não apenas deixara de atender aos seus interesses, mas passara também a contrariá-los ou ameaça-los, o colonialismo mantido exclusivamente por meio da violência demonstrou ser inviável.

Sugestões de leituras. Em português, três boas introduções ao tema são os livros O Antigo Regime, de William Doyle (“Série Princípios” 214, Editora Ática, 1991), O Absolutismo – Política e Sociedade na Europa Moderna, de Marcos Antonio Lopes (“Coleção Tudo é História”, Editora Brasiliense, 1996) e Mercantilismo e Transição, de Francisco Falcon (“Coleção Tudo é História”, Editora Brasiliense, 1981). Uma obra mais aprofundada é o Linhagens do Estado Absolutista, de Perry Anderson (Editora Brasiliense, 1985).

 

 

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