segunda-feira, 28 de abril de 2014

46 - A Grã-Bretanha e seu império nos séculos XVII-XVIII


3. A Grã-Bretanha e seu império colonial na América em 1600-1750

3.1 As ilhas britânicas em 1600

As ilhas britânicas são compostas, principalmente, por duas grandes ilhas, a Grã-Bretanha (da qual fazem parte Inglaterra, Escócia e Gales) e a Irlanda. Em 1600, as ilhas britânicas estavam divididas em três reinos: Inglaterra (que incluía Gales), Escócia e Irlanda

O Reino da Inglaterra. Era governado pela rainha Elisabete I (reinado em 1558-1603), da dinastia Tudor. Em termos religiosos, a maioria da população era protestante, dividida em seguidores da Igreja Anglicana e das igrejas calvinistas independentes.

 O Reino da Escócia. Era governado pelo rei Jaime VI (reinado em 1567-1625), da dinastia Stewart ou Stuart. A maioria da população também era protestante, seguidora da Igreja Presbiteriana, de linha calvinista

O Reino da Irlanda. Era governado pelos monarcas da Inglaterra. A maioria da população era católica.

A tradição constitucionalista

Em cada um dos reinos existia um Parlamento, supostamente representante do povo mas, na prática, composto por membros das elites (nobreza e burguesia). Na Inglaterra, o Parlamento estava dividido em uma Câmara dos Lordes (grande nobreza e alto clero anglicano) e Câmara dos Comuns (pequena nobreza e burguesia). Essas assembleias não eram permanentes e só se reuniam, separadamente em cada reino, quando convocadas pela monarquia. Os parlamentos britânicos seguiam uma tradição constitucionalista medieval de preservar as liberdades dos súditos e de limitar a autoridade do monarca, especialmente na questão tributária (eram os parlamentos que autorizavam o aumento de impostos). Como conciliar esse constitucionalismo com o crescente poder da monarquia (absolutismo e taxação arbitrária) foi a principal questão política dos séculos XVI e XVII.

3.2 A Inglaterra no século XVII

a) Aspectos gerais

Economia e sociedade

 No início do século XVII, a transição do feudalismo para o capitalismo avançava na Inglaterra. O comércio e a indústria manufatureira (sobretudo de tecidos) cresciam, enquanto ocorriam importantes mudanças agrárias, como a expansão dos cercamentos (enclosures) e as privatizações das terras comuns, resultando no êxodo rural e no aumento do número de trabalhadores livres pobres no campo e nas cidades. A acumulação de capital aumentou, beneficiando a burguesia em ascensão, especialmente a gentry (pequena nobreza capitalista ou burguesia agrária). A demanda por metais preciosos, gêneros agrícolas exóticos e terras levou a rainha Elisabete I a apoiar iniciativas privadas de colonização da América do Norte na segunda metade do século XVI, mas as colônias inglesas criadas na Era Elisabetana fracassaram.

 A questão religiosa: anglicanismo e puritanismo

A Inglaterra foi um dos centros da Reforma Protestante, apoiada pela dinastia Tudor. No reinado de Elisabete I, os católicos foram perseguidos e proibidos de exercer cargos públicos, beneficiando o movimento protestante. Contudo, o protestantismo inglês ficou dividido entre partidários do anglicanismo e partidários das igrejas não conformistas. A Igreja Anglicana, criada por Henrique VIII em 1534, era a igreja oficial, chefiada pelo monarca, o que contribuiu para o fortalecimento do poder real. Mas ela era uma igreja híbrida, que preservou diversas tradições católicas (cerimônias, culto de santos, organização clerical) combinadas com ideias calvinistas. Muitos protestantes não aceitaram essa presença católica no anglicanismo e tentaram reformá-lo ou então dele se afastaram para criar igrejas independentes da Coroa. Esses protestantes não anglicanos, seguidores do calvinismo, ficaram conhecidos genericamente como puritanos e o seu movimento religioso como puritanismo.

A influência do calvinismo. O calvinismo, na sua modalidade anglicana e puritana, teve um importante papel na formação da cultura britânica e americana nos séculos XVII e XVIII. A doutrina calvinista baseia-se na crença da salvação espiritual pela predestinação divina (Deus define quem será salvo). Os escolhidos ou eleitos de Deus eram aqueles cristãos esforçados e dedicados às suas tarefas e profissões, que não recuavam diante de desafios e não se acomodavam. A riqueza gerada pelo trabalho honesto e o sucesso obtido com o esforço pessoal são sinais da predestinação. O calvinismo formou, assim, uma cultura que valorizava a moralidade cristã, o trabalho, o esforço e o sucesso individual; que condenava o desperdício e estimulava a poupança e a responsabilidade financeira; que reconhecia o direito ao lucro e ao capital; que idealizava o self-made man; e que, portanto, favoreceu o capitalismo.

Mudança dinástica (1603): ascensão dos Stuart

Em 1603, a rainha Elisabete I morreu, solteira ( a "Rainha Virgem") e sem filhos, encerrando a dinastia Tudor. Seu parente mais próximo era Jaime VI Stuart, rei da Escócia desde 1567. O monarca escocês assumiu o trono da Inglaterra e da Irlanda com o nome de Jaime I, iniciando o reinado da dinastia Stuart (1603-1714). Inglaterra, Escócia e Irlanda continuaram sendo reinos separados, mas agora com um mesmo rei.

 No século XVII, sob a dinastia Stuart, as relações entre a monarquia (absolutismo) e o Parlamento na Inglaterra se deterioraram. Os problemas religiosos também se agravaram quando os Stuart tentaram impor o anglicanismo para estabelecer a uniformidade religiosa e fortalecer a monarquia – o ideal de "um mesmo rei, uma mesma fé", fazendo do anglicanismo um instrumento do absolutismo. Os protestantes dissidentes, como os puritanos, passaram a ser perseguidos pela monarquia e pelas autoridades anglicanas. O resultado foi a crise política e religiosa mais grave do reino, que culminaria na revolução, na guerra civil e na derrubada de dois monarcas.

 Avanço do mercantilismo e do colonialismo

 No século XVI, a dinastia Tudor conseguiu uma relativa harmonia entre a monarquia e o parlamento, mas fracassou em estabelecer um império colonial no Novo Mundo. No século XVII, ao contrário, a dinastia Stuart não conseguiu criar laços estáveis com o parlamento, mas foi bem sucedida na colonização da América, iniciando um processo de expansão colonial que, no início do século XX, culminaria na criação do maior império da história. De fato, no século XVII a procura de colônias na América do Norte e no Caribe foi intensificada pelos governantes ingleses e por empresas privilegiadas pelo governo (companhias comerciais), inspiradas no mercantilismo. A expansão colonial inglesa foi motivada pela busca de metais preciosos (que não foram encontrados nos territórios conquistados) e de terras que pudessem produzir gêneros agrícolas para o mercado europeu (açúcar, tabaco), que serviriam também para receber excedentes populacionais e refugiados religiosos, como os puritanos.

b) O reinado de Jaime I (1603-1625)

 No reinado de Jaime I Stuart teve início a efetiva colonização inglesa da América, centrada em duas regiões: a costa leste da América do Norte e o Caribe. Na costa leste, foram criados dois núcleos coloniais, os primeiros das famosas Treze Colônias. No Caribe, começou também a formação de um outro centro de colonização, as Índias Ocidentais Britânicas. Uma parte do leste do Canadá (a Terra Nova) também começou a ser colonizada no reinado de Jaime I, mas a maior parte do território canadense oriental, especialmente o Quebec, ficou sob controle francês.

O nascimento das Treze Colônias

O processo de formação das Treze Colônias começou com Jaime I mas só foi concluído na segunda metade do século XVIII. No entanto, os dois modelos de colonização que caracterizaram as Treze Colônias (exploração na parte sul e povoamento na parte norte) foram lançados em seu reinado.

As colônias do Sul. A colonização da parte sul das Treze Colônias começou com a fundação de Jamestown, em 1607, na Virgínia, a primeira das colônias. Nela e nas demais colônias criadas no sul, uma região de clima quente e favorável ao cultivo de gêneros agrícolas de exportação, foi desenvolvido um tipo de colonização de exploração de inspiração mercantilista. Sua característica econômica mais importante era a agricultura de plantation (latifúndio monocultor e exportador), sobretudo de tabaco, utilizando o trabalho escravo negro. Na sociedade escravista sulista formou-se uma elite colonial latifundiária, a aristocracia rural.

As colônias do Norte. A colonização da parte norte das Treze Colônias começou com a fundação de Plymouth, criada por refugiados puritanos (os "Pais Peregrinos") em 1620, em Massachusetts, a segunda das colônias. A região norte possui clima e natureza semelhantes aos da metrópole, razão do território ficar conhecido como Nova Inglaterra, onde foi desenvolvida uma colonização de povoamento. Suas características econômicas básicas eram a pequena propriedade rural, a policultura, o uso mais intenso do trabalho livre e o desenvolvimento de atividades comerciais e da indústria pesqueira, madeireira e naval. A quantidade de escravos era menor, o proletariado mais comum e, sobretudo, a classe média rural e urbana era mais numerosa do que no Sul. No Norte, formou-se uma sociedade capitalista pré-industrial (no sentido de não existirem ainda máquinas) e uma elite de comerciantes e industriais manufatureiros, a burguesia colonial.

As colônias do Centro. A divisão das Treze Colônias em colônias do Sul e do Norte é, na verdade, uma simplificação da colonização inglesa da América do Norte. Uma classificação mais rigorosa costuma destacar um terceiro grupo de colônias, as colônias do Centro, que combinaram características das outras duas. Contudo, como as características nortistas predominaram nas colônias do Centro, elas costumam ser incluídas no grupo do Norte e assim serão consideradas.

 A questão indígena. Os dois núcleos coloniais criados no reinado de Jaime I (Jamestown e Plymouth) só sobreviveram porque, inicialmente, contaram com a colaboração dos índios locais. Contudo, na medida em que chegavam mais colonos e aumentava a pressão pela ocupação das terras, os conflitos armados entre invasores ingleses e os nativos foram inevitáveis. Gradualmente, nos séculos XVIi e XVIII, os colonos conquistaram os territórios indígenas, beneficiados por suas vantagens tecnológicas e militares e pela propagação de doenças do Velho Mundo que dizimaram uma grande quantidade de nativos, facilitando a tomada de suas terras. Parte dos índios foi escravizada no início da colonização, mas a escravidão de africanos importados pelo tráfico negreiro rapidamente superou em importância o uso de escravos nativos. Contudo, algumas tribos indígenas estabeleceram relações amistosas com os colonos e tornaram-se aliadas nas guerras contra outras tribos e contra os franceses em expansão pela América do Norte.

As Treze Colônias em 1750. Mais de cem anos após a morte de Jaime I, as Treze Colônias eram as seguintes: no Sul, a Virginia, Maryland, Carolina do Norte, Carolina do Sul e a Geórgia (a última das colônias, criada em 1733); no Norte, Massachusetts, New Hampshire, Rhode Island, Connecticut (essas quatro compondo a Nova Inglaterra), Nova York, Nova Jersey, Pennsylvania e Delaware (essas outras quatro correspondendo às colônias do Centro).

 O nascimento das Índias Ocidentais Britânicas

Caribe começou a ser colonizado pelos ingleses também no reinado de Jaime I. As ilhas dessa região são conhecidas coletivamente como Antilhas e as que foram conquistadas pelos ingleses constituíram as Índias Ocidentais Britânicas (as "Índias Orientais" eram a Índia e a Malásia, entre outras partes da Ásia). A primeira colônia foram estabelecida em St Kitts (1624) e, depois de Jaime I, outras foram criadas, como Barbados (1627), Antigua (1632), Bahamas (1646) e Jamaica (tomada dos espanhóis em 1655). Nas Antilhas inglesas foi adotada a colonização de exploração com plantations que utilizavam escravos negros (mais do que no sul das Treze Colônias) para produzir tabaco e, principalmente, açúcar. Uma elite colonial aristocrática também foi formada nessas colônias, mas parte dos proprietários residia na metrópole e tinha suas plantations gerenciadas por administradores locais contratados.

 A servidão de contrato nas colônias

 O trabalho compulsório ou forçado (não remunerado e imposto pela violência, na época respaldada pela lei) mais utilizado na colonização inglesa foi a escravidão negra, mas uma outra modalidade também foi empregada: a servidão de contrato ou servidão temporária de brancos, aplicada sobre imigrantes europeus pobres ou sentenciados. Na servidão de contrato, o imigrante sem recursos para viajar ou se estabelecer na América, tinha sua viagem paga por um comerciante ou um colono com o qual ficava endividado, pagando sua dívida trabalhando para o seu credor durante alguns anos (em geral de 4 a 7 anos). Depois disso, ele recuperava sua liberdade. Em muitos casos, o servo recebia também um pedaço de terra ao término do contrato. Calcula-se que mais de 75% dos imigrantes brancos para as Treze Colônias e o Caribe tenha sido de servos de contrato. No século XVII, a maioria era de origem inglesa, e no XVIII, a maior parte era irlandesa e alemã. Muitos, entretanto, não foram para as colônias como servos que aceitavam voluntariamente o contrato: foram submetidos à força pelas autoridades ou pelos comerciantes envolvidos nesse negócio. Foi o caso de condenados, mendigos e órfãos. Além disso, não era incomum os servos serem tratados como escravos, sofrendo humilhações e abusos. A maioria esmagadora dos servos (talvez 80%), depois de libertada não conseguia ser bem-sucedida e enriquecer ou se tornar um pequeno proprietário rural próspero, comerciante ou artesão, sobretudo no Caribe e no sul das Treze Colônias. A grande massa desses servos virou parte dos brancos pobres, ainda que, possivelmente, em condições de vida um pouco melhores do que as da metrópole.

c) O reinado de Carlos I (1625-1649)

 A colonização da América do Norte e do Caribe avançou no reinado de Carlos I Stuart, não só por causa do mercantilismo mas também pela intensificação das perseguições religiosas na Inglaterra. Foi em seu reinado que ocorreu a Grande Migração de puritanos para a Nova Inglaterra (20 mil imigrantes) e para as Índias Ocidentais (outros 20 mil). Os católicos também procuraram um refúgio e criaram  a colônia de Maryland (1634), mas o povoamento desse território incluiu protestantes, que acabaram predominando.

A Revolução Inglesa (1640-1689)

 O acontecimento mais importante no reinado de Carlos I foi o começo da Revolução Inglesa (1640-1689), concluída com a derrubada do seu filho Jaime II (1685-1688). Apesar de frequentemente chamada de "inglesa", a revolução não ficou restrita a Inglaterra e ocorreu também na Escócia e na Irlanda – nesse sentido, ela foi mais corretamente uma "Revolução Britânica", mas a expressão Revolução Inglesa ficou consagrada. A Revolução Inglesa foi composta por duas revoluções inicialmente semelhantes mas que acabaram se diferenciando: a Revolução Puritana (1640-1660), iniciada sob Carlos I, e a Revolução Gloriosa (1688-1689), no reinado de Jaime II. A Revolução Inglesa foi uma revolução política e religiosa que envolveu tanto a luta do Parlamento contra o absolutismo e suas medidas de taxação arbitrária, como a luta de protestantes contra a igreja oficial que a monarquia tentava ou ameaçava impor. No sentido político, ela foi um exemplo de revolução constitucionalista revolução que visa criar um governo limitado pela lei e por uma assembleia representativa, que definiria os impostos e garantiria as liberdades individuais. Como a Revolução Inglesa foi apoiada, principalmente, pela burguesia e criou um regime constitucional que favoreceu ainda mais o capitalismo, ela também costuma ser considerada uma revolução burguesa.

 A fase inicial da Revolução Puritana. O confronto entre o Parlamento e Carlos I eclodiu durante a Guerra dos Bispos ou Guerra Anglo-Escocesa de 1638-1640 (os escoceses rebelaram-se contra a monarquia quando ela tentou impor o anglicanismo e invadiram a Inglaterra), seguida de uma revolta anti-inglesa na Irlanda em 1641. Esses dois conflitos iniciaram as Guerras dos Três Reinos (1638-1651) – uma série de guerras na Inglaterra, Escócia e Irlanda, que mataram 100 mil pessoas. O Parlamento tentou controlar os recursos da Coroa (1640) e seu exército (1642), mas Carlos I resistiu, desencadeando a guerra civil inglesa (1642-1648) entre a monarquia e os rebeldes parlamentares, unidos aos escoceses. A nobreza ficou dividida, com parte apoiando o rei (os realistas, com maioria anglicana) e outra parte o Parlamento, apoiado também pela burguesia urbana, pela gentry e pelos yeomen (pequenos proprietários rurais), em geral puritanos. No comando militar das forças parlamentares destacou-se Oliver Cromwell. Os realistas foram derrotados e Carlos I capturado, mas o exército puritano entrou em conflito com o Parlamento e com os escoceses, que queriam um acordo com o rei. Liderado por Cromwell, o exército assumiu o poder em dezembro de 1648. Carlos I foi julgado, condenado por traição e executado em janeiro de 1649. Em março, a monarquia foi abolida.

d) A República Puritana (1649-1660)

A República Puritana foi, na prática, uma ditadura militar encabeçada por Oliver Cromwell, inspirada na ideia calvinista do povo “eleito por Deus” (os ingleses puritanos). Inicialmente chamada de Commonwealth ("comunidade nacional"), a partir de 1653 a República adotou o nome de Protetorado e Cromwell recebeu o título de Lorde Protetor. Como o período republicano foi relativamente curto (durou um pouco mais de uma década) e está situado entre dois reinos (o de Carlos I e o do seu filho Carlos II), os anos de 1649-1660 também ficaram conhecidos como o Interregnum. A República Puritana fortaleceu o poder inglês nas ilhas britânicas (que foram brevemente unificadas), intensificou o mercantilismo e o colonialismo e favoreceu o comércio, a privatização das terras da Coroa e a liberdade industrial, beneficiando a burguesia e o capitalismo em gestação na Inglaterra.

Mudanças políticas e religiosas

A Revolução Puritana não democratizou a Inglaterra e nem estabeleceu um regime dominado pelo Parlamento. De fato, o absolutismo monárquico foi substituído pelo autoritarismo de Cromwell, respaldado pelo exército. Como no passado, o Parlamento do Interregum não era um órgão permanente e só se reunia quando convocado pelo governo. No entanto , o Parlamento foi reformado (extinção da Câmara dos Lordes) e expurgado (expulsão dos parlamentares oposicionistas), ficando reduzido a uma assembleia de radicais que, embora defensora da nova ordem, manteve sua independência perante o governo. Na verdade, a existência do Parlamento e sua relativa autonomia foram importantes para dar legitimidade ao regime cromwelliano. Além disso, os eventos de 1649-1660 demonstraram que era possível o funcionamento de um regime na Inglaterra sem monarcas e com um Parlamento sem uma Câmara dos Lordes.

O governo de Cromwell reprimiu os monarquistas e os levellers (republicanos defensores da democracia, espalhados no exército). Nessa época, surgiu um outro grupo mais radical, os diggers (“cavadores”), com ideias comunistas utópicas, também sufocados (mais pela ação dos grandes proprietários do que do Estado). Cromwell conquistou a Irlanda (1649), esmagando a Revolta Católica, e a Escócia (1650-1651), derrotando os presbiterianos. O resultado foi o fim da Guerra dos Três Reinos e a unificação das ilhas britânicas sob um mesmo regime político.

A República aboliu os bispos e outras instituições do anglicanismo o que, na prática, significou a eliminação da Igreja Anglicana. A tolerância religiosa para a maioria dos protestantes foi instituída (1653) e os judeus foram readmitidos na Inglaterra (1655), mas os católicos, protestantes radicais (como os quakers) e ateus foram perseguidos.

Mercantilismo e colonialismo

A República reforçou o mercantilismo e ampliou o colonialismo. Um rebelião pró-monarquia estourou nas colônias (1649) mas foi sufocada por uma expedição militar inglesa (1652). O Ato de  Navegação (1651) estabeleceu o monopólio inglês no comércio externo do país, banindo a presença estrangeira no transporte naval de produtos importados e exportados, com exceção de navios da mesma origem das mercadorias importadas. O protecionismo do Ato de Navegação prejudicou as Províncias Unidas dos Países Baixos (do qual fazia parte, principalmente, a Holanda), que tinham uma grande participação nas atividades mercantis da Inglaterra. A tensão entre Inglaterra e os Países Baixos (duas repúblicas calvinistas) cresceu e resultou na Primeira Guerra Anglo-Neerlandesa ou Anglo-Holandesa (1652-1654), vencida pelos ingleses. Em 1654-1659, a Inglaterra também foi vitoriosa na guerra contra a Espanha, tomando dos espanhóis a Jamaica (1655).

 O fim da República

 Oliver Cromwell morreu em setembro de 1658 e a direção da República passou para o seu filho, Ricardo. Contudo, Ricardo não possuía o prestígio e o carisma do pai, não conseguiu governar e renunciou (maio, 1659), passando o poder para o exército. Sob o comando do general Monk e com o apoio do Parlamento, os militares restauraram a monarquia Stuart, assumida por Carlos II (maio, 1660), que retornou do seu exílio nos Países Baixos. A queda do regime republicano encerrou a Revolução Puritana.

e) O reinado de Carlos II (1660-1685)

A época do reinado de Carlos II e do seu irmão Jaime II, ambos filhos de Carlos I, é chamada de Restauração (1660-1688), período situado entre a Revolução Puritana e a Revolução Gloriosa. Com o retorno da monarquia, a Câmara dos Lordes e a Igreja Anglicana também foram restabelecidas e a Câmara dos Comuns voltou a ser dominada pela gentry anglicana. A união forçada das ilhas britânicas, fruto das ações militares cromwellianas, foi dissolvida e os Três Reinos (Inglaterra, Escócia e Irlanda) voltaram a ficar separados sob um mesmo rei.

Política e religião

Carlos II, que iniciou seu reinado com grande popularidade, tentou conciliar o poder da Coroa com o do Parlamento e estabelecer uma relativa tolerância religiosa no país – uma medida que beneficiaria os puritanos e, especialmente, os católicos, de quem o rei buscava se aproximar (a rainha Catarina de Bragança, esposa de Carlos II desde 1662, era uma princesa portuguesa católica). No entanto, o Parlamento vetou ou anulou as medidas de liberdade religiosa do monarca, favorecendo a perseguição anglicana aos católicos e aos puritanos, que começaram a ser chamados de dissidentes ou não conformistas. A popularidade de Carlos II diminuiu na década de 1660, em parte por causa de sua política pró-católica e de novas guerras contra a Holanda calvinista. Nessa época, duas calamidades atingiram Londres, uma cidade de 460 mil habitantes: a Grande Peste (1665), que matou mais de 90 mil pessoas, e o Grande Incêndio (2-5 de setembro de 1666), que matou poucas pessoas mas destruiu a maior parte da cidade. O empenho da família real na reconstrução da capital e no auxílio aos desabrigados não foi suficiente para recuperar a imagem de Carlos II, cada vez mais associado ao catolicismo e ao absolutismo. De fato, em 1670, Carlos II fez um acordo secreto com o poderoso rei da França, Luis XIV: o monarca francês daria dinheiro para o monarca inglês não depender do Parlamento, Carlos II declararia ser católico e o catolicismo seria restaurado na Inglaterra com o auxílio do exército francês. Contudo, o plano fracassou diante das manobras do Parlamento, que lançou o Ato do Teste (1673), proibindo não anglicanos de exercerem cargos governamentais, e o Ato do Habeas Corpus (1679), que protegeu o indivíduo da prisão arbitrária e salvaguardou sua liberdade pessoal. A situação política e religiosa se agravou porque o herdeiro do trono, seu irmão Jaime (Carlos II não tinha filhos ou filhas), tinha se convertido ao catolicismo.

Mercantilismo e colonialismo

Como Cromwell, Carlos II buscou ampliar o império colonial e estimular o comércio externo inglês. O pacto colonial, por exemplo, foi regulamentado por novos Atos de Navegação (1660 e 1663). Em 1662, o casamento de Carlos II com Catarina de Bragança foi acompanhado de um importante acordo entre Inglaterra e Portugal. Os portugueses cederam aos ingleses a colônia de Bombaim (atual Mombai) na Índia e privilégios comerciais no Brasil, em troca da proteção inglesa contra a Espanha e a liberdade de culto para Catarina. A formação das Treze Colônias continuou com a criação da colônia da Carolina, na região sul, em 1663 (dividida em Carolina do Sul e Carolina do Norte em 1729). Por sua vez, as disputas comerciais e coloniais com os neerlandeses ("holandeses") e as manobras diplomáticas de Luis XIV acabaram envolvendo a Inglaterra em duas guerras contra os Países Baixos.

Franceses, neerlandeses e suecos na América do Norte. No século XVII, enquanto os ingleses começavam a colonizar a costa leste da América do Norte e o Caribe, os franceses, os neerlandeses e os suecos fizeram o mesmo. Os franceses estavam construindo duas grandes colônias: (1) a Nova França, composta por territórios no leste do Canadá (fundação de Quebec em 1608 e Montreal em 1642) e na bacia fluvial do Mississipi (colônia de Louisiana, 1682); (2) as Índias Ocidentais Francesas, no Caribe, que incluía Saint Christophe (1625), Martinica (1635), Guadalupe (1635) e, principalmente, Saint Domingue, atual Haiti (1664). Os franceses acabariam se transformando nos principais rivais imperialistas dos ingleses, mas isso só aconteceria no século XVIII. No século XVII, os maiores rivais dos ingleses na colonização da América do Norte foram os neerlandeses, que, em 1614, estabeleceram a colônia da Nova Netherlands ou Novos Países Baixos, separando as colônias inglesas do sul  e a Nova Inglaterra ao norte – territórios que depois formariam as colônias do Centro das Trezes Colônias. A principal cidade colonial neerlandesa era Nova Amsterdã, atual Nova York, fundada em 1625. Os suecos, por sua vez, criaram em 1638 uma pequena colônia no atuais estados americanos do Delaware, Nova Jersey e Pennsylvania – a Nova Suécia, conquistada pelos neerlandeses em 1655.

1665-1667. Segunda Guerra Anglo-Neerlandesa. Também chamada de Segunda Guerra Anglo-Holandesa, foi causada pela rivalidade comercial e colonial entre a Inglaterra e os Países Baixos. Em 1663, os ingleses atacaram as feitorias neerlandesas na África Ocidental que forneciam escravos para o Novo Mundo e, em 1664, invadiram os Novos Países Baixos, tomando Nova Amsterdã (renomeada Nova York em 1665). A guerra que se seguiu inicialmente favoreceu os ingleses mas eles ficaram debilitados com a Grande Peste (1665) e o Grande Incêndio de Londres (1666), seguidos de ousados ataques navais neerlandeses na Inglaterra (1667). Para piorar, Luis XIV da França, temendo uma aliança dos ingleses com a Espanha (rival dos franceses) entrou na guerra ao lado dos neerlandeses. No final, a Inglaterra foi derrotada de forma humilhante, o que contribuiu para desgastar Carlos II. Nova York e os territórios dos Novos Países Baixos, contudo, ficaram sob o controle da Inglaterra que, assim, ampliou os seus domínios na América e conseguiu uma ligação terrestre entre as colônias do norte e as colônias do sul.

1672-1674. Terceira Guerra Anglo-Neerlandesa.  No final da década de 1660, Carlos II aproximou-se de Luis XIV da França, com quem fez uma aliança contra os Países Baixos (1670) – ocasião em que selou o acordo secreto de restauração do catolicismo na Inglaterra. O resultado foi a Terceira Guerra Anglo-Neerlandesa ou Anglo-Holandesa. Os neerlandeses reconquistaram Nova York e infligiram derrotas navais aos ingleses. A guerra ficou impopular na Inglaterra e o Parlamento, desconfiando das manobras de Carlos II favoráveis aos católicos (ele tentou aprovar uma medida de tolerância religiosa, rejeitada pelo Parlamento), pressionou pela paz. A Inglaterra saiu da guerra em 1674, mas conseguiu nas negociações com os neerlandeses recuperar definitivamente Nova York.

Apesar do reinado marcado pela tensão religiosa e por uma política externa desastrosa, a verdade é que Carlos II, ao morrer (1685), deixou como legado um império colonial maior do que recebera, fortalecendo a presença inglesa na América do Norte e na Ásia. Ironicamente, a França, que foi a principal aliada da Inglaterra durante a maior parte do seu reinado, acabaria se transformando na maior rival dos ingleses pelo controle daqueles territórios coloniais.

f) O reinado de Jaime II (1685-1688)

Com a morte de Carlos II em 1685, seu irmão Jaime II assumiu os tronos da Inglaterra, da Escócia e da Irlanda. O novo monarca buscou fortalecer as relações com Luis XIV da França, o que o afastou ainda mais dos Países Baixos, potência comercial e naval que, nas últimas décadas do séculos XVII, havia se transformado na maior rival do rei francês. Em 1686, Inglaterra e França assinaram um acordo de neutralidade na América para evitar um conflito colonial.

Absolutismo e catolicismo

Jaime II foi o último monarca católico e absolutista dos Três Reinos. Seu reinado foi marcado por medidas favoráveis ao catolicismo e pela intensificação do confronto entre a Coroa e o Parlamento que, depois de se reunir por sete meses em 1685, foi dissolvido pelo rei (a dissolução oficial só foi proclamada em 1687). Jaime II nomeou católicos para vários cargos (proibido pelo Ato do Teste de 1673) e lançou decretos de liberdade religiosa (Declarações de Indulgência, 1687-1688). Apesar dos decretos também favorecerem os protestantes não anglicanos, seu principal objetivo era beneficiar e fortalecer o catolicismo. Além disso, essas medidas eram demonstrações do absolutismo do monarca pois anulavam as leis religiosas pró-anglicanos aprovadas pelo Parlamento no reinado de Carlos II. Na verdade, Jaime II acreditava poder contar com o apoio de um novo Parlamento a ser convocado em 1688. Para assegurar esse apoio, ele tomou medidas que excluíam ou dificultavam a eleição de anglicanos e opositores. Com efeito, os problemas políticos e religiosos se agravaram no primeiro semestre de 1688. Em maio, bispos anglicanos foram presos por terem recusado ler a Declaração de Indulgência de Jaime II em suas igrejas. Em junho, contrariando a vontade do monarca, eles foram inocentados por uma Corte de Justiça. Nesse mesmo mês, estourou uma crise política de sucessão monárquica que culminou em uma revolução.

O problema sucessório

Para os protestantes ingleses, inicialmente o catolicismo de Jaime II parecia ser um problema grave mas temporário, tendo em vista que o rei, casado em um segundo matrimônio com a princesa italiana Maria de Modena (outra católica devota), não possuía filhos. As herdeiras do trono eram suas duas filhas do casamento anterior, ambas protestantes: Maria (nascida em 1662) e Ana (nascida em 1665). Na ordem da sucessão, o terceiro herdeiro era outro protestante, o príncipe neerlandês Guilherme de Orange, stadtholder (dirigente) dos Países Baixos. Nascido em 1650, Guilherme era neto de Carlos I por parte da mãe e casado com Maria, sua prima, filha de Jaime II, de quem era sobrinho e genro. Inimigo de Luis XIV e defensor do protestantismo, Guilherme de Orange governava a república neerlandesa desde 1672 e tentava costurar uma aliança anglo-neerlandesa contra a França. A expectativa de sua esposa assumir o trono da Inglaterra após a morte de Jaime II indicava que essa aliança poderia se tornar realidade. Contudo, os planos dos protestantes e de Guilherme de Orange ficaram comprometidos com a notícia da gravidez da rainha Maria de Modena. Em junho de 1688, para alegria do casal real, dos católicos e de Luis XIV, nasceu o príncipe Jaime Eduardo, novo e imediato herdeiro dos Três Reinos. Não havia dúvida que ele seria criado no catolicismo, a religião dos pais, e que possivelmente continuaria a política pró-francesa de Jaime II. A situação se invertera radicalmente: a Inglaterra parecia caminhar na direção da restauração do catolicismo e da sua transformação em um Estado vassalo da França, possivelmente seguida da repressão aos protestantes ingleses. Imediatamente após o nascimento de Jaime Eduardo, começaram a correr rumores de que ele não era filho legítimo de Jaime II e Maria Modena, e sim uma criança roubada ou comprada. Como consequência, anglicanos e protestantes não conformistas uniram-se em uma revolução apoiada por Guilherme de Orange contra Jaime II e sua política católica absolutista.

g) A Revolução Gloriosa (1688-1689)

 A Revolução Gloriosa foi a etapa final da Revolução Inglesa. Ocorrida no reinado de Jaime II, ela foi um movimento político da nobreza e burguesia protestantes da Inglaterra e da Escócia contra o absolutismo católico da monarquia, acompanhado pela ascensão de Guilherme de Orange e Maria II aos tronos dos Três Reinos. A Revolução de 1688-1689 não foi um acontecimento exclusivamente interno da história política e religiosa britânica. Desde o seu início ela assumiu uma dimensão internacional e envolveu diretamente os Países Baixos que, liderados por Guilherme de Orange, interviram na luta contra Jaime II. De fato, sem a intervenção militar neerlandesa, possivelmente a revolução teria fracassado. Além disso, por causa da revolução, a Inglaterra entrou na Guerra da Liga de Augsburgo (1688-1697) contra a França.

A queda de Jaime II (1688)

Em julho de 1688, um grupo de nobres oposicionistas (os "Sete Imortais") enviou um pedido para Guilherme de Orange invadir a Inglaterra e colocar sua esposa Maria no trono, alegando a ilegitimidade de Jaime Eduardo e as crescentes ameaças de Jaime II às liberdades e propriedades dos súditos. Na ocasião, a tensão crescia na Europa entre a França e a Liga de Augsburgo, uma aliança antifrancesa composta por vários países criada em 1686 por Leopoldo I, imperador da Alemanha, sob orientação de Guilherme de Orange. Uma guerra parecia eminente e Guilherme queria o apoio dos ingleses. Em setembro, logo após a França atacar a Alemanha, iniciando a Guerra da Grande Aliança, Guilherme aceitou invadir a Inglaterra e, visando ampliar o número de aliados nesse país, lançou um decreto que condenava o absolutismo e defendia um Parlamento livre. Jaime II recusou a ajuda militar oferecida por Luis XIV e recuou na sua política católica, buscando uma conciliação com a oposição protestante, em vão. Em novembro, Guilherme de Orange desembarcou na Inglaterra com mais de 15 mil soldados, sendo recebido como libertador pelos protestantes. O principal comandante militar da forças realistas, o Duque de Marlborough (John Churchill), e diversos outros partidários de Jaime II passaram para o lado de Guilherme. Em dezembro, Jaime II fugiu para a França (com a permissão de Guilherme, que não queria que ele fosse morto e transformado em mártir da causa católica), enquanto a nobreza rebelde formava um governo provisório que convocou o Parlamento.

A nova ordem política e religiosa (1689)

A nova ordem política e religiosa criada pela queda de Jaime II foi definida em 1689 por três medidas respaldadas pelo Parlamento: a monarquia conjunta de Guilherme III e Maria II, o Ato de Tolerância e a Bill of Rights, esta última simbolizando o fim da revolução.

A ascensão de Guilherme III e Maria II. O Parlamento inglês reuniu-se em janeiro de 1689 e, depois de muita negociação política, ofereceu a Coroa da Inglaterra para Guilherme de Orange e sua esposa Maria, que viraram monarcas conjuntos do país com os títulos de Guilherme III e Maria II. A monarquia conjunta significava que quando um dos dois morresse, o outro continuaria reinando (Maria II morreu em 1694 e o reinado uno de Guilherme III continuou até o seu falecimento em 1702). Ambos foram coroados em abril. No mesmo mês, na Escócia, onde Jaime II também perdera apoio, foi formada uma assembleia revolucionária, a Convenção dos Estados (com representantes do clero, nobreza e burguesia), que ofereceu a Coroa escocesa para Guilherme e Maria, assumida por ambos em maio. Na Inglaterra e na Escócia, a revolução foi relativamente pacífica, razão de ter sido chamada de "gloriosa". Contudo, na Irlanda a situação foi diferente. Os irlandeses, em sua maioria católicos, continuaram apoiando Jaime II e Guilherme III precisou conquistar o país por meios militares em uma guerra que só se encerrou em 1692. Com a sua vitória na Irlanda, Guilherme II assegurou para si e para a esposa o governo sobre os Três Reinos. Além disso, Guilherme continuou sendo dirigente ou stadtholder dos Países Baixos, onde governava de acordo com as leis neerlandesas.

O Ato de Tolerância. Em maio de 1689, com incentivo de Guilherme III e Maria II, preocupados em conciliar e unir seus súditos protestantes ingleses, o Parlamento aprovou o Ato de Tolerância. O Ato concedeu liberdade de culto para os protestantes anglicanos e não conformistas (puritanos), mas excluiu os católicos, os unitaristas (crença em Deus uno e não numa trindade de Pai, Filho e Espírito santo) e os ateus. Na prática, o catolicismo não foi perseguido, mas como o Ato do Teste (1673) continuou em vigor, os não anglicanos continuaram excluídos do Parlamento até o século XIX. De toda forma, o Ato

A Bill of Rights. Apesar da autoridade de Guilherme III e Maria II só ter se consolidado na Irlanda em 1692, considera-se que a Revolução Gloriosa foi concluída com a aceitação, por ambos, da Bill of Rights, em 16 de dezembro de 1689. A Bill of Rights ou Carta de Direitos (em geral traduzida como "Declaração de Direitos"), foi um ato do Parlamento inglês que estabeleceu os limites do poder da Coroa frente ao Parlamento e aos súditos. Entre outras coisas, ela definiu que o monarca não poderia interferir na lei ou agir como juiz; que o Parlamento decidiria os impostos e a autorização de um exército em época de paz; que deveriam ocorrer eleições parlamentares regulares; que os deputados poderiam livremente se expressar no Parlamento sem sofrerem represálias; que os súditos protestantes teriam o direito de portar armas para a sua defesa; e que punições cruéis e incomuns seriam abolidas. A Bill of Rights foi um marco na história constitucional inglesa e na história dos direitos políticos modernos de uma maneira geral, antecipando e influenciando as declarações de direitos da Revolução Americana e da Revolução Francesa do final do século XVIII.

Consequências da Revolução Gloriosa

A Revolução Gloriosa acabou definitivamente com o absolutismo nos Três Reinos e eliminou a última oportunidade de restauração do catolicismo na Inglaterra e na Escócia. O novo regime que ela criou – a monarquia limitada pelo Parlamento – representou o triunfo da tradição constitucionalista inglesa iniciada na Idade Média. Por ter desconhecido a guerra civil e o nível de violência que caracterizaram a Revolução Puritana, a Revolução Gloriosa foi muito menos radical do que aquela. Na verdade, a Revolução Gloriosa conseguiu realizar o que o Parlamento havia tentado fazer em 1640 com Carlos I (acabar com o absolutismo mas preservar a monarquia) e fracassara. Nesse sentido, os acontecimentos de 1688-1689 foram mais uma revolução política do que uma revolução social, quer dizer, eles transformaram a organização do Estado (o poder do monarca e do Parlamento e as relações entre ambos) mas não alteraram a sociedade – as elites tradicionais (nobreza, gentry, burguesia urbana) continuaram controlando as riquezas e o Parlamento, consolidando-se no poder em um regime que assumiu feições oligárquicas.

Criação da monarquia constitucional aristocrático-burguesa. A monarquia que emergiu em 1689 ficou com o poder limitado pela lei e pelo Parlamento, transformado na principal instituição política do país. O regime constitucional nascido na revolução serviu de inspiração para o desenvolvimento do liberalismo político, sobretudo com a obra de John Locke (1632-1704) que, no livro Dois Tratados Sobre o Governo (1689), defendeu a existência de direitos naturais (vida, propriedade, liberdade) que deveriam ser assegurados por um Estado de contrato social (criado pelos homens), dividido em um poder executivo e um poder legislativo. Além disso, a revolução e o novo regime foram justificados por Locke com o argumento do direito de rebelião contra um governo opressor   um governo que agia ilegalmente e ameaçava os direitos dos indivíduos. Em uma situação de opressão governamental, o povo tinha o direito de derrubar o governante e colocar outro em seu lugar. O poder executivo na monarquia constitucional britânica inicialmente continuou encabeçado pelo rei. A partir do reinado de Jorge I (1714-1727), monarca de origem alemã, o governo passou a ser chefiado, de fato, por um primeiro-ministro dependente do apoio do partido majoritário no Parlamento, mesmo sendo oficialmente apontado pelo rei (o primeiro primeiro-ministro foi Robert Walpole, em 1721-1742). Assim, a monarquia constitucional governada pelo rei evoluiu para uma monarquia parlamentar onde o rei, como chefe de Estado, "reina, mas não governa”, e o governo é exercido por um primeiro-ministro subordinado ao Parlamento. Como o voto era censitário até o século XIX, o Parlamento continuou dominado por uma oligarquia endinheirada, constituída por nobres e burgueses, e suas leis favoreciam os interesses dos grupos capitalistas agrários e urbanos, caracterizando o regime inglês como um “Estado burguês”. Entre as medidas que beneficiaram o desenvolvimento do capitalismo inglês, destacam-se: (I) as Leis dos Cercamentos ou Enclosures, determinando que as terras de uso comum, segundo as tradições medievais, seriam transformadas em propriedade privada (cercadas) dos fazendeiros com recursos econômicos para investir na produção agrícola (trigo) e pecuária (ovelhas), visando a modernização do campo e o aumento da produtividade rural. Essa medida beneficiou a gentry e a nobreza tradicional, favorecendo a expansão do capitalismo no campo, mas prejudicou os camponeses (a modernização dispensou mão de obra e dificultou o acesso à terra), inclusive os yeomen (arruinados com a concorrência das grandes propriedades capitalistas). Além disso, os cercamentos, provocaram o crescimento do êxodo rural, favorecendo a formação do proletariado urbano; (II) estabelecimento do Banco da Inglaterra (1694), fundamental para financiar as despesas do Estado inglês nas guerras do século XVIII, emitindo títulos públicos.

Envolvimento da Grã-Bretanha nas guerras contra a França. O principal motivo de Guilherme de Orange ter aceitado a Coroa inglesa foi poder usar os recursos militares da Inglaterra contra Luis XIV da França. Portanto, uma das consequências da Revolução Gloriosa foi o envolvimento da Inglaterra na guerra contra o monarca francês. De fato,  a partir do reinado de Guilherme III (1689-1702), a França passou a ser vista como a maior rival da Inglaterra na Europa e nas disputas coloniais, especialmente na América. Em fevereiro de 1689, os Países Baixos, sob o governo de Guilherme, entraram na Guerra da Liga de Augsburgo, também conhecida como Guerra da Grande Aliança ou Guerra dos Nove Anos (1688-1697), conflito entre a França e a Liga de Augsburgo. Enquanto Guilherme consolidava seu poder na Inglaterra e na Escócia, ainda neutras na guerra europeia, Jaime II invadiu a Irlanda com auxílio dos franceses e apoio maciço dos irlandeses católicos. Em maio, Guilherme III convenceu o Parlamento a aprovar a entrada da Inglaterra na Guerra da Liga de Augsburgo e, em dezembro, formou a Grande Aliança com os países da coligação antifrancesa (entre eles a Espanha e diversos Estados alemães, além dos Países Baixos). Um dos episódios desse conflito foi a Guerra Irlandesa (1689-1692), a pelo controle da Irlanda entre as forças protestantes  de Guilherme III e os católicos ou "jacobitas" partidários de Jaime II, auxiliados pelos franceses. Na América, o conflito anglo-francês ficou conhecido como Guerra do Rei Guilherme e caracterizou-se pela luta por territórios coloniais. A guerra foi encerrada com o Tratado de Ryswick (outubro, 1697), pelo qual Luis XIV reconheceu o direito de Guilherme III aos tronos dos Três Reinos, os Países Baixos receberam concessões comerciais e  a França e os membros da Grande Aliança desistiram da maior parte das suas conquistas territoriais. Contudo, por mais de um século até o final das Guerras Napoleônicas em 1815, Inglaterra e França continuariam se enfrentando na Europa e na América em outras guerras, o que levou alguns historiadores a chamarem o conjunto desses conflitos (nove no total) de a "Nova Guerra dos Cem Anos" (1689-1815).

Ascensão da Grã-Bretanha como a maior potência capitalista mundial. O “Estado burguês” criado pela revolução favoreceu o desenvolvimento capitalista da Inglaterra, que rapidamente superou os Países Baixos como o maior centro financeiro, comercial e naval do mundo. No reinado da rainha Ana (1702-1714), outro impulso para o fortalecimento do país ocorreu quando, pelo Ato da União (1707), Inglaterra e Escócia uniram-se pacificamente constituindo um único reino, com monarquia, Parlamento, moeda, forças armadas e política externa comuns – o Reino Unido da Grã-Bretanha, dominando também a Irlanda. No transcorrer do século XVIII, alicerçada em amplos recursos financeiros e em uma poderosa marinha, além de obter várias vitórias nas guerras contra a França, a Grã-Bretanha projetou-se também como uma grande potência colonial.

3.3 A América colonial inglesa nos séculos XVII e XVIII

a) Aspectos gerais

A negligência colonial

A colonização das Treze Colônias e das Índias Ocidentais foi, inicialmente, responsabilidade de indivíduos, empresas privadas ou companhias de comércio autorizadas pela Coroa, de quem recebiam uma série de privilégios e direitos exclusivos (monopólios). Assim, no século XVII, surgiram dois tipos de colônias, do ponto de vista governamental: as colônias reais (da Coroa) e as colônias de proprietários (privadas), estas inicialmente mais comuns. No século XVIII, porém, o governo britânico assumiu o controle das colônias, que passaram a ser parte de um sistema colonial mais formal. O império colonial britânico no Novo Mundo, entretanto, por mais que tenha se inspirado no mercantilismo, possuía algumas particularidades que o distinguiam radicalmente do colonialismo ibérico. O império britânico era territorialmente menor do que o império espanhol ou português, mas era também muito mais descentralizado, composto por colônias administrativamente (mas não economicamente) separadas uma das outras. Além disso, e principalmente, apesar de subordinadas oficialmente à Coroa ou, mais precisamente, aos governadores que a representavam na América, as colônias britânicas possuíam assembleias coloniais com uma considerável autonomia para tratar dos assuntos locais. Os impostos eram relativamente baixos e o comércio externo, na prática, menos controlado do que o das colônias ibéricas, embora não fosse de forma alguma livre de restrições metropolitanas. Essa situação de controle mercantilista mais relaxado da Grã-Bretanha sobre suas colônias foi chamada de “negligência colonial britânica”.

O trabalho compulsório

Como nos outros impérios coloniais dos séculos XVII e XVIII, a “lógica” do colonialismo britânico, em uma época pré-industrial, mas com uma economia que objetivava o lucro por meio do comércio, era empregar uma mão de obra barata e não remunerada para reduzir o máximo possível os custos de produção. O resultado foi a utilização das duas formas tradicionais de trabalho compulsório: a escravidão, principalmente, e uma modalidade de servidão, a “servidão de contrato” (indentured servitude).

A escravidão. Em um primeiro momento, os colonos na parte sul das Treze Colônias e no Caribe chegaram a utilizar escravos nativos em pequena escala, mas a mortandade e fuga de índios levaram à preferência por escravos de origem africana, utilizados com sucesso nas colônias ibéricas. A maioria dos escravos negros do império britânico (75%) foi obtida por traficantes europeus e americanos na costa ocidental da África, entre o Senegal e o Congo. Em geral, esses escravos eram pessoas capturadas no interior pelos reinos e chefias do litoral africano, que as trocavam com os traficantes por produtos europeus ou coloniais (armas, rum). A demanda colonial por escravos enriqueceu não apenas os traficantes da Europa e da América, mas também os monarcas, chefes tribais e mercadores africanos, estimulando-os a escravizar outros negros, o que intensificou as guerras locais entre tribos e etnias rivais. Em um processo que havia sido iniciado pelos portugueses, o colonialismo britânico acelerou o desenvolvimento do comércio atlântico, integrando Europa, América e África em uma rede de interdependência econômica que, se trouxe aspectos positivos (como trocas culturais e de produtos materiais entre povos diferentes), teve também efeitos calamitosos sobre diversas sociedades (como a expansão do escravismo). De fato, o tráfico negreiro foi fundamental para a reprodução do escravismo colonial, tendo em vista a mortalidade elevada entre os escravos devido aos maus tratos, má alimentação e a o trabalho excessivo. No caso britânico, essa grande mortandade foi mais típica das Índias Ocidentais, onde, em 1770, viviam cerca de 430 mil negros de um total importado de mais de 1,5 milhões nos séculos XVII-XVIII. Nas Treze Colônias, os escravos aparentemente estavam submetidos a condições menos rigorosas e sua natalidade superou a mortalidade (tornando aquelas colônias menos dependentes do tráfico): em 1780, existiam nas Treze Colônias mais de 570 mil escravos e cerca de 250 mil haviam sido importados em quase 200 anos. Na verdade, durante a própria viagem transatlântica, muitos escravos morriam nos porões abarrotados de pessoas em péssimas condições de higiene. No século XVII, 20% morriam na viagem e, no século XVIII, 10%. Nas colônias, os escravos eram utilizados, sobretudo, no sistema de plantations de açúcar (Índias Ocidentais) e de tabaco e algodão (sul das Treze Colônias). Mas os médios e pequenos proprietários coloniais nas áreas de exploração também utilizaram bastante a mão de obra escrava em razão do seu preço relativamente baixo e acessível.

A servidão de contrato. Essa modalidade de servidão foi aplicada sobre imigrantes europeus pobres ou sentenciados, sendo bastante utilizada no Caribe e nas Treze Colônias até ser substituída, como principal trabalho compulsório, pela escravidão. Na servidão de contrato, o imigrante pobre, sem recursos para viajar ou se estabelecer na América, tinha sua viagem paga por um comerciante ou um colono com o qual ficava endividado, pagando sua dívida trabalhando para o seu credor durante alguns anos (em geral de 4 a 7 anos). Depois disso, ele recuperava sua liberdade. Em muitos casos, o servo recebia também um pedaço de terra ao término do contrato. Calcula-se que mais de 75% dos imigrantes brancos para as Treze Colônias e o Caribe tenha sido de “servos de contrato”. No século XVII, a maioria era de origem inglesa, e no XVIII, a maior parte era irlandesa e alemã. Muitos, entretanto, não foram para as colônias como servos que aceitavam voluntariamente o contrato: foram submetidos, à força, pelas autoridades ou pelos comerciantes envolvidos nesse negócio. Foi o caso de condenados, mendigos e órfãos. Além disso, não era incomum os servos serem tratados como escravos, sofrendo humilhações e abusos. A viagem transatlântica também não era muito diferente do tráfico negreiro, com péssimas condições de alojamento, alimentação e higiene, que matavam em média 4% dos passageiros. Por fim, a maioria esmagadora dos servos (talvez 80%), depois de libertada não conseguia ser bem-sucedida e enriquecer, ascender para a elite colonial, se tornar um pequeno proprietário rural próspero, comerciante ou artesão, sobretudo no Caribe e no sul das Treze Colônias. A grande massa desses servos tornava-se parte dos “pobres brancos”, ainda que, possivelmente, em condições de vida um pouco melhores do que as da metrópole.

 Aspectos ideológicos

 O calvinismo (em suas várias modalidades e igrejas, como a puritana, presbiteriana e anglicana) predominava nas Treze Colônias, formando uma cultura que valorizava o esforço pessoal, o trabalho e o espírito de poupança, além de reconhecer a legitimidade do lucro e a busca do sucesso. Os valores calvinistas, aliados à prosperidade das Treze Colônias, criaram entre os colonos a ideia de que eles constituíam um povo eleito ou escolhido por Deus para a salvação, e que seu território era uma espécie de “Terra Prometida”, uma “Nova Jerusalém” – sentimentos que contribuíram pra o desenvolvimento de um rudimentar espírito de nacionalidade americana.
 Ao mesmo tempo, havia nas colônias uma forte influência das ideias políticas britânicas liberais (crença nos direitos individuais, na liberdade, na teoria do contrato social, em governos representativos eleitos, no constitucionalismo etc), reforçadas pelas experiências desenvolvidas nas assembleias coloniais e pela estrutura parlamentarista da metrópole. Dessa herança intelectual britânica destacaram-se os princípios de John Locke, particularmente sua crença no direito do povo se rebelar contra a tirania ou contra as medidas ilegais de um governo – o pensamento que  legitimou a Revolução Inglesa do século XVII. Igualmente importante foi a presença das tradições políticas britânicas mais radicais, de conteúdo republicano e popular, que remontavam à época da Revolução Inglesa (como o pensamento dos levellers). Essas ideias foram propagadas a partir da década de 1720 por escritores britânicos como John Trenchard, Thomas Gordon, Robert Viscount Molesworth e James Burgh, que apontavam os desvios e a corrupção das tradições constitucionais da Grã-Bretanha em razão das ações dos ministros e da própria monarquia, ameaçando a liberdade e os direitos individuais. Com pouca aceitação na metrópole, esse pensamento adquiriu grande popularidade nas Treze Colônias e forneceu, posteriormente, os argumentos para os colonos enfrentarem o governo britânico. Foi nesse ambiente de efervescência intelectual que se desenvolveu o Iluminismo americano, representado, entre outros, por Benjamin Franklin (1706-1790), John Adams (1735-1826) e Thomas Jefferson (1743-1826). Em 1750-1775, as ideias iluministas de liberdade, racionalismo, progresso e busca da felicidade espalharam-se nas camadas mais letradas da sociedade colonial, sobretudo entre as elites, reforçando o movimento de oposição ao colonialismo britânico.

b) As Treze Colônias em 1750
Em meados do século XVIII, as Treze Colônias haviam se transformado em uma das regiões mais prósperas do Ocidente, com uma economia diversificada, um povo empreendedor e letrado (o analfabetismo era maior na metrópole do que nas colônias) e uma estrutura política com um considerável grau de liberdade entre uma parte dos colonos, favorecendo a livre-iniciativa individual. De fato, essa liberdade precisa ser considerada em termos relativos, tendo em vista o uso generalizado do trabalho compulsório (servidão de contrato e escravidão) nas colônias. Sua população cresceu de 200 mil habitantes, em 1700, para 1,2 milhões, em 1750, dos quais 240 mil negros (20%) – a maioria escravos – em uma área de 600 mil km2 (na mesma época a Grã-Bretanha possuía 7 milhões de habitantes em um território de 240 mil km2). As Treze Colônias era a região potencialmente mais rica e promissora do império britânico em 1770, mas em termos de valor da exportação para a Grã-Bretanha elas eram superadas pelas Índias Ocidentais. Em 1768-1772, enquanto que as Treze Colônias exportaram aproximadamente 1.450.000 de libras para a metrópole (tabaco, arroz, índigo, peles e peixe), as Índias Ocidentais exportaram cerca de 3.400.000 de libras (açúcar e rum). Por outro lado, as Treze Colônias eram mais importantes como mercado consumidor dos produtos britânicos.

A divisão das Treze Colônias

As Treze Colônias ficaram divididas em três agrupamentos regionais: as colônias do norte ou Nova Inglaterra (New Hampshire, Massachusetts, Rhode Island e Connecticut), que costumam ser consideradas “colônias de povoamento”; as colônias do sul (Maryland, Virginia, Carolina do Norte, Carolina do Sul e Geórgia), consideradas “colônias de exploração”; e as colônias do meio ou do centro (Nova York, Nova Jersey, Pensilvânia e Delaware), que combinaram características de “povoamento” e de “exploração”.
 Nas regiões norte (a Nova Inglaterra) e central. Colônias de povoamento, com 650 mil habitantes (a maioria brancos) em 1750, onde predominava o trabalho livre, com uma grande quantidade de pequenos proprietários rurais abastados – os “yeomen americanos, caracterizando uma sociedade camponesa relativamente rica. A região também se destacou pelas atividades madeireiras, pesqueiras e pela construção naval, gerando um formidável desenvolvimento urbano e comercial, com as três maiores cidades da América britânica – Filadélfia, Nova York e Boston. O resultado foi a formação do mercado interno mais avançado do império colonial britânico, estimulando o desenvolvimento de diversas atividades industriais (artesanato e manufatura) e de serviços. A expansão urbana e comercial, por sua vez, possibilitou a formação de uma importante burguesia colonial. Os mercadores da região dedicaram-se a um comércio triangular ligando as Treze Colônias, as Índias Ocidentais e a África: exportavam cereais, peixe e carne para o Caribe em troca de rum, açúcar e melaço, revendendo parte dos seus produtos e dos caribenhos na África, onde eram trocados por escravos que eram enviados para a América. Para a metrópole, as colônias do norte e do centro exportavam principalmente peixe, potassa, cereais, ferro e madeira. Mas a maior parte das exportações da região era para outros países europeus e para as Índias Ocidentais. Em 1768-1772, o valor das exportações para a Grã-Bretanha e Irlanda foi de 200.000 libras (menos de 20% do total das exportações), para o resto da Europa 250.000 libras e para as Índias Ocidentais 500.000 libras.
 Na região sul. As colônias de exploração, com 550 mil habitantes (entre eles mais de 180 mil negros) em 1750, onde predominava o trabalho escravo, utilizado, sobretudo, no sistema agrário de plantations de algodão e tabaco. As elites coloniais locais constituíam uma espécie de aristocracia rural de grandes proprietários de terras. A região sul tinha um mercado interno menos desenvolvido do que as partes norte e centro, mas exportava mais para a metrópole: em 1768-1772, o valor das exportações de tabaco, arroz, índigo, peles e cereais, entre outros, foi de 1.250.000 libras. Além disso, o  mercado externo da região sul era bem menos diversificado do que o dos produtos da Nova Inglaterra/colônias centrais: a metrópole sozinha recebia quase 80% das exportações sulistas.

Os conflitos com os franceses
Em 1750, as principais colônias da França na América eram a Nova França (a região do Quebec, no leste do Canadá), a Louisiana (a região do Mississipi, com centro em Nova Orleans, no sul dos EUA) e Saint Domingue (o Haiti, no Caribe). Na primeira metade do século XVIII, os colonos franceses, especialmente os da Nova França, e os anglo-americanos das Treze Colônias passaram a disputar a região do vale do Ohio – os territórios a leste do Mississipi, a oeste dos Montes Apalaches (a fronteira ocidental das Treze Colônias) e ao sul dos Grandes Lagos. O quadro se tornou mais complexo em função do envolvimento de tribos indígenas rivais que firmaram alianças com os colonizadores europeus (os iroqueses com os britânicos e os huron com os franceses). As guerras entre a Grã-Bretanha e a França na Europa, por sua vez, acabaram estendendo-se à América e envolveram os colonos em uma série de conflitos: a Guerra do Rei Guilherme (na Europa, Guerra dos Nove Anos ou da Liga de Augburgo 1689-1697), a Guerra da Rainha Anne (ou Guerra da Sucessão Espanhola 1702-1713) e a Guerra do rei George (ou Guerra da Sucessão Austríaca 1744-1748). O último desses conflitos coloniais anglo-franceses na América –  a Guerra dos Sete Anos – foi o mais decisivo.
 A Guerra dos Sete Anos (1756-1763). A Guerra dos Sete Anos foi um conflito militar que envolveu todas as grandes potências européias com desdobramentos que foram fundamentais para a crise do Antigo Regime e do antigo sistema colonial no Ocidente. A guerra teve um palco europeu e outro colonial, sobretudo na América e Índia. Na Europa, a Grã-Bretanha e a Prússia enfrentaram a França, a Áustria, a Espanha, a Rússia, a Suécia e a Saxônia. Nas áreas coloniais, ela foi basicamente um confronto entre britânicos e franceses. A guerra começou mais cedo na América do Norte, causada pelas disputas pelo território do Ohio e ficou conhecida nas Treze Colônias como Guerra Francesa e Indígena (1754-1763). A guerra mobilizou os colonos anglo-americanos, que adquiriram experiência militar e de cooperação intercolonial, embora pouco contribuíssem para custeá-la. O conflito terminou com a vitória da Grã-Bretanha, reconhecida na Paz de Paris (1763) que resultou na reorganização dos impérios coloniais na América em benefício dos britânicos:
A Grã-Bretanha tomou da França o Quebec (transformando o Canadá em colônia britânica) e algumas ilhas no Caribe (como Granada e Dominica) e anexou o território a leste do Mississipi, com a região de Ohio.
A Grã-Bretanha também adquiriu da Espanha a Flórida.
Como compensação pela perda da Flórida, a Espanha recebeu da França o território da Louisiana.
Os franceses continuaram controlando Saint Domingue e outras possessões no Caribe (como Martinica e Guadalupe), mas, salvo duas pequenas ilhas na costa do Canadá (St Pierre e Miquelon), eles foram expulsos da América do Norte.
c) A crise do colonialismo britânico
Problemas britânicos (1763-1764)
A Grã-Bretanha alcançou uma vitória extraordinária na Guerra dos Sete Anos e expandiu seu império colonial, não apenas tomando territórios franceses e espanhóis na América, como também ampliando seus domínios na Índia em detrimento da França. Contudo, a vitória britânica veio acompanhada de alguns problemas:
A França era a maior ameaça à segurança das Treze Colônias que, por isso, precisavam da proteção da metrópole. Com a expulsão dos franceses da América do Norte, essa ameaça desapareceu e a Grã-Bretanha perdeu importância para a segurança dos colonos.
A guerra teve um custo financeiro muito elevado e, junto com os gastos necessários para a administração de um império que ficou mais extenso, aumentou a dívida do governo britânico para níveis alarmantes (ela duplicou, ultrapassando 130 milhões de libras).
Os territórios a leste do Mississipi foram incorporados ao Império Britânico, mas as tribos indígenas locais resistiram à ocupação branca da região, desencadeando a Revolta de Pontiac (1763-1764) – um grande levante de várias tribos nativas, lideradas por Pontiac, chefe dos ottawa. A revolta foi sufocada com dificuldade pelos britânicos, que ficaram preocupados com a possibilidade de novos levantes ocorrerem em um futuro próximo, no momento em que o governo buscava evitar novas despesas e equilibrar as contas públicas.
A Nova Política Colonial (1763-1774)
Nos primeiros anos do reinado de George III (1760-1820), a ampliação do império colonial britânico, as necessidades financeiras decorrentes da Guerra dos Sete Anos e os problemas com os índios no leste do Mississipi levaram a Grã-Bretanha a adotar uma nova política colonial. Essa reorganização imperial foi iniciada pelo governo do primeiro-ministro Grenville (1763-1765) e continuou na administração de seus sucessores Rockingham (1765-1766), Pitt, o Velho (1766-1767), Grafton (1767-1770) e Lord North (1770-1782). Suas diretrizes gerais foram:
A Proclamação de 1763. Proibiu a colonização dos territórios anexados a oeste dos Apalaches (Ohio), para evitar conflitos com os índios e controlar a cessão de terras. Essa medida resultou em um conflito entre os colonos e a metrópole, com os americanos considerando que o governo britânico os privava dos benefícios de uma vitória que haviam ajudado a alcançar.
Intensificação do controle político e da exploração econômica das Treze Colônias. A intenção era integrá-las efetivamente ao sistema colonial mercantilista, cobrir os gastos da guerra e custear a manutenção de tropas britânicas na América, necessárias, na ótica da metrópole, para a defesa das colônias. Essa política caracterizou-se pelas tentativas de aumento dos impostos, de adoção de um pacto-colonial mais rigoroso, do combate ao contrabando e de redução da autonomia das assembleias coloniais. 
 Adotada em uma época de dificuldades econômicas nas colônias, sobre uma população acostumada com uma situação de semi-autonomia dentro do Império Britânico, zelosa de seus direitos e liberdades (ou do que acreditava serem seus direitos e liberdades) e sequiosa por novas terras, a Nova Política Colonial desagradou os colonos e precipitou uma crise política nas relações entre a metrópole e as Treze Colônias – crise que evoluiu para uma rebelião generalizada contra o governo britânico e se transformou em revolução. 
A questão dos impostos e a reação dos colonos
Até 1763, os colonos anglo-americanos pagavam impostos suaves, mais baixos do que os cobrados na metrópole. Em sua visão, como eles não tinham representantes no Parlamento britânico, consideravam que somente as assembleias coloniais possuíam competência para aumentar ou estabelecer novos tributos. Para muitos colonos, portanto, a nova política fiscal do governo britânico (elevação das taxas alfandegárias e aplicação de novas tarifas), ainda que decidida pelo Parlamento, era ilegal e arbitrária. Sua imposição, pensavam, tornavam a monarquia de George III e seu ministério “tirânicos” e implicavam na “escravização” dos seus súditos na América. Instigados pelos grupos radicais e reivindicando a aplicação dos direitos constitucionais britânicos, os colonos reagiram com uma surpreendente determinação contra essas medidas.

 

Sugestão de leituras. Existem poucos livros em português especializados na história da Grã-Bretanha e do seu império colonial nos séculos XVII-XVIII. Um dos poucos sobre a Inglaterra na época dos Stuarts e da Revolução Inglesa é O Século das Revoluções 1603-1714, de Christopher Hill (São Paulo: UNESP, 2012). Em inglês, veja o Early Modern England 1485-1714 – A Narrative History, de Robert Bucholz e Newton Key (Chichester: Wiley-Blackwell, 2009), A Monarchy Transformed: Britain 1603-1714, de Mark Kishlansky (Nova York: Penguin, 1997) e o excelente dicionário histórico The Stuart Age 1603-1714, de John Wroughton (Londres: Longman, 1997). Sobre a América colonial inglesa, o melhor livro em português ainda é Uma Reavaliação da História dos Estados Unidos, de Charles Sellers, Henry May e Neil R. McMillen (Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 1990). A escravidão na América colonial, de uma forma geral, e na América inglesa, de forma particular, é analisada magistralmente em A Construção do Escravismo no Novo Mundo, de Robin Blackburn (Rio de Janeiro: Record, 2003). Em inglês, veja The British in the Americas 1480-1815, de Anthony McFarlane (Londres: Longman, 1994) e American Colonies: The Settling of North America, de Alan Taylor (Nova York: Penguin, 2002).

 

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