1. Introdução: Ocidente ou
civilização ocidental
Países da Europa e de forte povoamento europeu (América, Austrália, Nova
Zelândia) que compartilham uma cultura geral comum baseada no ou nas:
■ cristianismo: religião, moralidade, família
■ tradições clássicas greco-romanas: filosofia/racionalismo, direito, cidadania,
republicanismo
■ tradições germânicas: poder do rei/governo limitado pela lei e por
uma assembleia representativa (parlamento). Originou o moderno constitucionalismo (constituição/leis
seculares acima do governo, coexistindo com um poder legislativo/assembleia
eleita)
Cada país do Ocidente possui uma cultura particular única, base da sua
identidade nacional (a cultura francesa, a cultura britânica, a cultura
americana, a cultura portuguesa, a cultura brasileira), além de culturas
regionais ou locais dentro do seu território (a cultura gaúcha, a cultura
baiana). Mas os países da Europa, da América e da Oceania têm uma afinidade
cultural, independente de suas culturas nacionais, porque compartilham valores
e costumes comuns de origem europeia, o que os torna parte de uma espécie de
"clube cultural", que chamamos de civilização – a civilização
ocidental ou Ocidente.
Essa afinidade cultural não significa unidade política ou econômica e
não implica, necessariamente, em cooperação ou alianças. Ao contrário, a
história das relações entre os países do Ocidente foi marcada por rivalidades e
guerras. O mesmo ocorreu em outras civilizações, como na civilização islâmica
ou Islã (vários países com línguas diferentes compartilhando uma cultura geral
comum, no caso derivada do islamismo, com um histórico de conflitos e guerras
entre si).
O Ocidente é formado por diversos países com força econômica e militar
desigual, de forma que alguns Estados são mais poderosos do que outros – as
chamadas grandes potências. O núcleo do Ocidente, quer dizer, o
conjunto de grandes potências ou a grande potência que se destaca como o centro
do poder econômico-militar e de influência política e cultural sobre as demais,
variou durante a história. Esses núcleos foram, em 1000-1914, a Europa (mais
precisamente as grandes potências europeias) e, a partir de 1914, os EUA.
Cabe lembrar que o Ocidente é a civilização mais poderosa do mundo em
termos econômicos, tecnológicos e militares, mas nem sempre foi assim. Até o
século XVII, havia um equilíbrio global de poder entre o Ocidente e outras
civilizações, como a islâmica e a chinesa. As grandes potências europeias
tinham conquistado ou estavam conquistando a América nos séculos XVI-XVII (as
populações nativas ameríndias não possuíam os superiores recursos tecnológicos
e militares dos europeus, nem defesas biológicas contra os microrganismos
trazidos pelos conquistadores) e tinham adquirido alguns pequenos territórios e
cidades litorâneas na África e Ásia. Mas o Ocidente ainda não tinha
desenvolvido os meios para submeter a maioria dos africanos e asiáticos ao seu
poder. A China e o mundo islâmico, por exemplo, possuíam Estados, recursos
econômicos, tecnologia e exércitos capazes de enfrentar as forças ocidentais, o
que limitou o imperialismo europeu no Velho Mundo. Na verdade, o império turco
otomano (a principal potência muçulmana) estava em expansão na Europa Oriental no
século XVII e ameaçava conquistar territórios ocidentais. Contudo, essa
situação de relativa balança do poder entre as civilizações começou a ser
alterada no século XVIII com o desenvolvimento mais acelerado da ciência, de
novas tecnologias e de novas formas de produção na Europa, em parte graças aos
ganhos econômicos com a exploração colonial da América, que culminou com a
eclosão da Revolução Industrial na Grã-Bretanha por volta de 1780. Esse
processo de transformação radical das sociedades europeias, especialmente a
partir da segunda metade do século XVIII, ficou conhecido como modernização capitalista – um processo
simultaneamente econômico, político e cultural caracterizado pela
industrialização, intensa urbanização, secularização (declínio relativo da
religião no conhecimento e na política), maior mobilidade social e criação de
Estados modernos (regimes constitucionais vistos como representativos da
nação/povo), acompanhado do desenvolvimento do capitalismo (economia de mercado, direito ao lucro individual e de
propriedade privada do capital, elite capitalista ou burguesa, trabalho livre e
assalariado). Em 1750-1850, enquanto parte
do Ocidente modernizava-se rapidamente, as demais civilizações do Velho Mundo
continuavam baseadas em sociedades
tradicionais (economias agrárias ou pré-industriais, forte religiosidade,
baixa mobilidade social, regimes despóticos) e pré-capitalistas, o que as deixou defasadas em relação ao poder
europeu. O resultado foi que, a partir do século XVIII, o Ocidente ascendeu à
posição de civilização mais poderosa do mundo e começou a dominar direta ou
indiretamente imensos territórios na Ásia e na África. No século XIX, o
imperialismo europeu avançou ainda mais e atingiu seu auge em 1914 (nessa
época, o Japão era a única potência não ocidental que havia conseguido se
modernizar). As duas guerras mundiais de 1914-1945 enfraqueceram a Europa e
resultaram na descolonização afro-asiática, mas a liderança econômica e militar
dos EUA (o novo núcleo ocidental) e a recuperação europeia pós-1945 asseguraram
que o Ocidente continuasse na posição de civilização mais poderosa do mundo, apesar das outras civilizações, especialmente
as da Ásia, terem também se modernizado.
Sugestão de leitura. A obra fundamental sobre o conceito de
Ocidente e da relação da civilização ocidental com as outras civilizações é o
livro O Choque de Civilizações e a
Recomposição da Ordem Mundial, de Samuel P. Huntington (Editora Objetiva, 1997).
Cabe observar que para Huntington, a Rússia e América Latina não são parte do
Ocidente e sim duas outras civilizações separadas.
2. A Europa em 1600-1750
A Europa era o núcleo do Ocidente nos séculos XVII-XVIII, mas era um
núcleo fragmentado, sem unidade política, dividido em diversos Estados rivais
com poder diferenciado (alguns mais fortes do que outros). A ordem
internacional europeia era, assim, multipolar
– composta por várias potências, como a França, a Inglaterra, a Holanda, a Espanha,
a Áustria, a Rússia, a Prússia, a Suécia, a Polônia e Portugal, entre outros
centros de poder. Essas potências disputavam territórios na própria Europa e
colônias ultramarinas, muitas vezes misturando interesses dinásticos,
geopolíticos e econômicos com rivalidades religiosas como, por exemplo, entre
católicos e protestantes.
2.1 O Antigo Regime
O termo Antigo Regime
surgiu na França, no final do século XVIII, no contexto de expansão das ideias
do Iluminismo (racionalismo, fé no progresso, liberdade) e da Revolução
Francesa. Os defensores da revolução formularam o termo em um sentido negativo
e crítico (o “antigo” como sinônimo de “atrasado”) para se referir à sociedade
francesa pré-revolucionária, caracterizada pelo absolutismo monárquico, por uma
ordem social que privilegiava a aristocracia e pela persistência da religiosidade
e do poder da Igreja Católica – elementos que os revolucionários iluministas
consideravam ultrapassados e que deveriam ser substituídos por um novo regime
moderno, baseado na liberdade, igualdade e tolerância. Com o tempo, o termo
Antigo Regime passou a se aplicado sobre as sociedades pré-modernas de uma
forma geral, especialmente as sociedades tradicionais europeias dos séculos
XVII-XIX, virando sinônimo de velha ordem ou ordem tradicional. As principais
características do Antigo Regime foram o absolutismo, o regime senhorial, a
sociedade de ordens e a intolerância religiosa.
Economia agrária
O Antigo Regime
estava baseado em economias fundamentalmente agrárias e pré-industriais. A
terra era a principal riqueza e a maioria da população vivia no meio rural,
praticando diversas modalidades de agricultura, pecuária ou pastoreio. O setor
mais importante era a agricultura mercantil (produção de gêneros agrícolas para
o mercado) em razão do crescimento populacional e das cidades (aumento de
consumidores urbanos, não produtores de alimentos) e do desenvolvimento do
comércio. A indústria manufatureira (tecnologia pré-mecânica, trabalho manual
em equipe), sobretudo de têxteis, avançava fora das cidades, onde a produção
industrial era controlada e regulamentada pelas corporações de ofício
artesanais.
O absolutismo
O absolutismo foi a
característica mais famosa do Antigo Regime, a ponto de muitos estudiosos
considerarem ambos equivalentes. A monarquia absolutista era um Estado
centralizado com uma numerosa burocracia civil e forças armadas, governando sem
os entraves das assembleias ou parlamentos medievais, que deixaram de ser
convocados ou foram abolidos. Esses corpos representativos reuniram-se pela
última vez durante a Idade Moderna na França em 1614, na Bélgica em 1632, no
Reino de Nápoles em 1642, em Castela em 1665, em Portugal em 1697-1698 e em
Aragão foram abolidos em 1707. Na Holanda, na Inglaterra e na Escócia os
parlamentos nunca desapareceram, o que impediu o aparecimento de um efetivo
absolutismo nesses países (ver adiante item 2.2). Como a maior parte da
burocracia e dos cargos no governo absolutista ficou com a nobreza, muitos
estudiosos consideram o absolutismo um “Estado feudal centralizado”.
O absolutismo era
legitimado pela religião (o poder monárquico era visto como de origem divina),
pela própria tradição feudal (o rei considerado o maior dos suseranos, árbitro
supremo, mantenedor da ordem e garantidor dos direitos dos súditos) e pelo
direito romano, redescoberto no final da Idade Média, que recuperou o ideal de
soberania absoluta inspirada no Dominado do Baixo Império Romano.
Contudo, o
absolutismo no Antigo Regime nunca foi total, principalmente na Europa
Ocidental, e ele precisa ser compreendido de forma relativa. A monarquia era
absolutista se comparada às realezas descentralizadas medievais, mas o rei não
tinha poder ilimitado sobre os seus súditos ou sobre suas propriedades, como
acontecia nos despotismos orientais dos Estados islâmicos (Império Turco
Otomano, Pérsia dos Safávidas, Império Mughal na Índia). As assembleias ou
corpos representativos deixaram de ser convocados, mas havia, ainda que em
teoria, a possibilidade deles serem restaurados. Ainda assim, no caso dos
países europeus que adotaram o absolutismo, a evolução política implicou na
superação tanto da tradicional descentralização feudal como do
constitucionalismo medieval. O apogeu do Estado absolutista na Europa Ocidental
foi nos séculos XVII-XVIII. Seu símbolo foi a monarquia francesa do “Rei Sol” Luís
XIV (1638-1715), famoso pelas frases: “O Estado sou eu” e “É legal porque
assim desejo.”
A persistência do
regime senhorial
Apesar do declínio do
feudalismo nos séculos XVII-XVIII, o sistema senhorial continuou predominando
no Antigo Regime, o que assegurou à aristocracia feudal se manter como classe
dominante, com vários privilégios (isenção de impostos; monopólio de alguns
cargos, sobretudo os militares; justiça e tribunais especiais). A maioria da população
era camponesa e trabalhava para a aristocracia como servos (mais na Europa
Oriental) ou trabalhadores livres dependentes (mais na Europa Ocidental). Por
outro lado, parte da burguesia conseguiu obter alguns cargos, títulos
nobiliárquicos e honrarias, vendidos pela Coroa, ávida por recursos
financeiros. Isso acabou formando dois tipos de nobrezas no Antigo Regime: a nobreza
de espada ou de armas (a aristocracia tradicional de origem medieval e
guerreira) e a nobreza de toga (a nova aristocracia, formada pela
burguesia enobrecida, geralmente ocupando cargos na burocracia civil).
Sociedade dividida em
ordens
Como na Idade Média,
oficialmente a sociedade do Antigo Regime estava organizada de forma estamental ou corporativa, quer dizer, dividida em grupos hierarquizados de
acordo com suas funções, em geral transmitidas pelo nascimento. A
estratificação desses grupos – conhecidos como estamentos, estados ou
ordens – inspirava-se no antigo conceito de scala naturae (escala
natural ou cadeia dos seres), uma estrutura hierárquica imutável supostamente
criada por Deus como parte de um plano divino para dar ordem ao universo,
reforçada por antigas tradições medievais. A função de cada estamento implicava
em determinados direitos, privilégios e honras ou na ausência deles. As ordens
superiores, constituídas pela nobreza e clero, possuíam funções mais
respeitáveis (atividades guerreiras e religiosas) e eram mais privilegiadas.
Por serem grupos fechados, entre as ordens superiores e as ordens inferiores
(povo, principalmente camponeses) havia pouca mobilidade social. A imagem era
de um corpo social composto por partes interdependentes e desiguais, mas com
obrigações recíprocas em uma relação orgânica (como se a sociedade fosse um
organismo) que beneficiava a todos e assegurava a estabilidade. Fundamental
nessa concepção de sociedade era a ideia de permanência e de aceitação pelos
indivíduos do seu papel na estrutura geral. Dessa forma, a ideologia da
sociedade de ordens era utilizada para justificar a desigualdade e o poder da
aristocracia. A configuração das ordens variava dependendo da sociedade. A da
França foi a mais famosa, com a sua divisão em Primeiro Estado (clero/Igreja),
Segundo Estado (nobreza) e Terceiro Estado (povo, incluindo a burguesia).
No entanto, havia uma
forte tensão entre essa estrutura oficial conservadora e a realidade de uma
sociedade em processo de transformação por causa do avanço do comércio, da
riqueza monetária e do capital. De fato, a imobilidade não era absoluta. O
critério de descendência na transmissão dos direitos e privilégios não podia
ser totalmente aplicado, já que a ordem do clero tinha que ser preenchida por
membros das outras ordens. Por sua vez, ocasionalmente títulos nobiliárquicos
podiam ser comprados por plebeus ricos. Mas as brechas na estrutura estamental
apenas beneficiavam uma minoria. No quadro geral, a aristocracia e suas ordens
permaneciam como um grupo em grande medida fechado e mais privilegiado.
Forte
religiosidade
Por se tratar de uma
sociedade tradicional e pré-moderna (no sentido de ser anterior a modernidade),
o Antigo Regime caracterizou-se pela forte religiosidade. A religião não só
servia para legitimar o absolutismo e a sociedade de ordens, como era a base
para explicar o mundo natural. Apesar da crescente postura revisionista e
crítica das interpretações religiosas por parte das elites intelectuais dos
séculos XVII e XVIII, a maioria esmagadora da população continuou guiando os
seus hábitos, comportamentos e moral pela religião. Com o absolutismo a Igreja
ficou subordinada ao poder da monarquia e dependente do seu apoio e proteção,
consagrando o velho princípio da cuis regio, eius religio (“De acordo
com a sua região, sua religião”) – a fé dos súditos tem que ser a do soberano.
A união Estado-Igreja no Antigo Regime implicou na manutenção de uma Igreja
oficial (em alguns casos, como na Inglaterra, de uma Igreja nacional) e em uma
grande intolerância religiosa. De fato, a monarquia e a Igreja tentavam impor
uma forte censura política e religiosa, mas, nos séculos XVII e XVIII, a
demanda pela liberdade de pensamento aumentou. Em alguns casos, como na
Inglaterra, essa demanda partiu também de grupos religiosos dissidentes, com
origem na Reforma Protestante, e contou com respaldo popular. Na maioria das vezes,
contudo, a liberdade de pensamento foi resultado do crescimento da mentalidade
racionalista e crítica entre as elites letradas, influenciadas pelos
desdobramentos da Revolução Científica do século XVII (nascimento da ciência
moderna, como a física e astronomia, contrariando dogmas religiosos) e,
principalmente, pelo Iluminismo do século XVIII (defesa da Razão e da ciência,
condenação da superstição). Nos países que ainda viviam sob o Antigo Regime no
século XIX, a bandeira da liberdade de expressão foi assumida pelos defensores
do liberalismo e do socialismo.
2.2 Os regimes constitucionais do século XVII: Holanda e Inglaterra
No século XVII, na
Holanda e na Inglaterra, o absolutismo foi superado e substituído por regimes
constitucionais oligárquicos – governos limitados pela lei (constituição) e por
uma assembleia representativa das elites aristocráticas e burguesas. Nesses
dois países, a forte presença da burguesia no poder político resultou a
elaboração de leis favoráveis ao comércio, à propriedade privada, aos bancos e à navegação.
Na Holanda ou, mais precisamente, nos Países Baixos, esse regime assumiu a
forma de uma república dominada pela burguesia, resultado da Revolução Holandesa ou Revolução Neerlandesa (1568-1648). No
século XVII, em grande medida por causa das vantagens políticas e econômicas
obtidas com essa revolução (legislação capitalista), a Holanda virou a maior
potência comercial e marítima do Ocidente e assumiu a hegemonia no nascente
capitalismo global.
Na Inglaterra e na Escócia (na época um reino separado da Inglaterra, com o seu
próprio parlamento, mas sob o mesmo monarca), esse regime era uma monarquia
parlamentar, onde a nobreza e a burguesia compartilhavam o poder político. O
absolutismo inglês e escocês foi derrubado na Revolução Inglesa ou Revolução
Britânica (1640-1689), sobretudo no seu episódio final, a Revolução Gloriosa (1688-1689). Em
1707, Inglaterra e Escócia foram unificadas e formaram o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda, chamado simplesmente de
Grã-Bretanha. No século XVIII, a Grã-Bretanha substituiu a Holanda como maior
potência comercial e marítima do Ocidente e assumiu a hegemonia do capitalismo
global nos séculos XVIII e XIX.
2.3 O mercantilismo
Os Estados europeus
dos séculos XVII-XVIII estavam erguidos sobre sociedades tradicionais agrárias
em transição para a modernidade capitalista. A terra era o bem mais valorizado
e procurado, mas o contexto de guerras endêmicas, de elevação das despesas
militares, de crescente custo da máquina administrativa e de expansão do
comércio fez da moeda, especialmente as de metais preciosos, outra riqueza
imprescindível para a manutenção do Estado. A busca de recursos monetários,
mais precisamente de ouro e prata, era uma das principais preocupações dos
monarcas e seus ministros na Idade Moderna. O metalismo ou bulionismo
(acumulação de metais preciosos) foi reforçado pela crença de que a riqueza do
mundo era fixa e que havia um jogo de soma-zero nas relações econômicas entre
os países – para um país ganhar o outro teria que perder. A lógica dessa ideia
baseava-se no fato do tesouro do Estado ser identificado com a quantidade de
ouro e a prata disponível, bens que não podiam ser criados ou reproduzidos, mas
extraídos diretamente da natureza, onde tendiam a se esgotar. Esse pensamento
desenvolveu-se associado a uma tradição pré-capitalista que remontava ao
Império Romano de ter a economia regulamentada pelo governo. A combinação
desses fatores resultou no mercantilismo,
a política econômica intervencionista dos Estados europeus da Idade Moderna,
fossem eles monarquias absolutistas, monarquias parlamentares ou repúblicas
oligárquicas.
Apesar da diversidade
do mercantilismo, algumas ideias e medidas foram comuns a todos os países
europeus. A intervenção do Estado na
economia foi um aspecto essencial e generalizado da política mercantilista.
O dirigismo governamental foi mais um meio do que um objetivo em si, uma
necessidade de sobrevivência em um mundo de competição entre Estados por
riquezas limitadas. Com efeito, a tese da soma-zero do metalismo teve vários
corolários, todos buscando meios de transferir a riqueza dos outros para o seu
próprio país, onde ela poderia ser mais facilmente apropriada pelo Estado por
meio da taxação da população. A busca do superávit
na balança comercial foi uma das estratégias mais disseminadas. Uma medida
nesse sentido era o protecionismo,
estabelecido por meio da elevação das tarifas alfandegárias para reduzir as
importações e, com isso, diminuir o envio de moeda para o exterior. Em alguns
casos a estratégia comercial foi acompanhada de incentivos às manufaturas de
exportação, principalmente de produtos de luxo. Outra prática mercantilista
usual foi o estabelecimento de monopólios
comerciais do Estado ou concedidos a grupos privilegiados de mercadores
organizados em Companhias de Comércio com fortes ligações com o governo. A
regulamentação das atividades econômicas foi outra norma, na verdade mais
intensa nas cidades, onde a fiscalização era menos difícil, a circulação de moeda
era maior e as tradições medievais de guildas e corporações de ofício
(associações monopolistas de artesãos ou de comerciantes) foram preservadas.
Na Europa Atlântica
(Portugal, Espanha, França, Inglaterra, Holanda), o mercantilismo esteve também
associado ao colonialismo, mais
precisamente ao que se convencionou chamar de “antigo sistema colonial”, voltado para o estabelecimento de
colônias ultramarinas fornecedoras de metais preciosos e gêneros tropicais,
como o açúcar. No colonialismo mercantilista as metrópoles europeias tentaram
impor um rígido controle administrativo e comercial sobre seus impérios
coloniais, especialmente na América, onde foram estabelecidos sistemas
econômicos que produziam matérias-primas por meio do trabalho compulsório de índios
nativos e negros trazidos da África. As práticas regulamentadoras também foram
adotadas nas colônias, destacando-se o “pacto-colonial” ou “exclusivo
comercial” – o monopólio que a metrópole possuía no comércio externo da
colônia. Nos séculos XVII-XVIII, o antigo sistema colonial havia se
transformado em um pilar econômico fundamental da Europa Atlântica, objeto de
uma série de guerras pelo controle dos territórios ultramarinos e de suas
riquezas.
O domínio
colonial e suas limitações
Na prática, a dominação colonial é mantida pela
combinação do uso da força bruta (violência) com a influência cultural
(ideológica) da metrópole sobre a colônia. Historicamente, quando o poder
militar de uma metrópole ficava enfraquecido ou reduzido por causa de guerras ou
problemas econômicos, a sua capacidade de dominar a colônia diminuía e as
chances da população colonial obter a independência aumentavam – obviamente, se
essa população considerasse a independência uma necessidade. Por outro lado,
não bastava apenas a força militar ou a
repressão para garantir a dominação colonialista. Era fundamental que uma parte
da população da colônia (geralmente as elites coloniais, descendente de
conquistadores e de imigrantes da metrópole, ou mesmo de origem nas etnias
nativas) aceitasse o colonialismo para que fosse garantido um mínimo de
estabilidade e funcionamento do sistema colonial. De fato, o colonialismo podia
ou pode ser aceito por vários motivos: interesses econômicos dos colonos na
metrópole (comércio, empréstimos), reconhecimento da importância da metrópole
para a segurança dos colonos (defesa contra revoltas de nativos ou de escravos,
proteção contra invasores estrangeiros) e identificação cultural dos colonos
com a metrópole. Outros fatores como o conformismo e a passividade da maior
parte da população colonial também tiveram um grande peso na manutenção do
colonialismo. De qualquer forma, quando os setores mais poderosos da sociedade
colonial passaram a considerar que a metrópole não apenas deixara de atender
aos seus interesses, mas passara também a contrariá-los ou ameaça-los, o
colonialismo mantido exclusivamente por meio da violência demonstrou ser
inviável.
Sugestões de
leituras. Em português, três boas introduções ao tema são os livros O Antigo
Regime, de William Doyle (“Série Princípios” 214, Editora Ática, 1991), O Absolutismo –
Política e Sociedade na Europa Moderna, de Marcos Antonio Lopes (“Coleção Tudo é
História”, Editora Brasiliense, 1996) e Mercantilismo e Transição, de Francisco Falcon (“Coleção Tudo é
História”, Editora Brasiliense, 1981). Uma obra mais aprofundada é o Linhagens do Estado Absolutista, de Perry Anderson (Editora Brasiliense, 1985).
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